Para Primeira Turma, não incide Imposto Territorial Rural sobre imóvel com registro cancelado

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que não há incidência do Imposto Territorial Rural (ITR) quando uma sentença transitada em julgado cancela o registro de propriedade imobiliária. Para o colegiado, estando a propriedade baseada em título reconhecido como nulo, não é possível cogitar a incidência do tributo, pois o fato gerador é inexistente.

O entendimento foi definido em caso no qual a sentença, já transitada em julgado, declarou a nulidade da escritura de compra e venda de duas propriedades rurais, tendo em vista que as matrículas eram baseadas em documentação inexistente ou falsa. Posteriormente, o autor da ação de nulidade recebeu a cobrança do ITR relativo aos imóveis, mas alegou, em novo processo, que nunca exerceu domínio sobre aquelas terras de maneira efetiva.

Esta segunda ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). De acordo com o TRF3, o autor chegou a praticar atos típicos de proprietário antes da ação de nulidade, de modo que o cancelamento posterior das matrículas não afastaria os lançamentos tributários já realizados.

Após invalidação do registro, comprador deixa de ser considerado dono do imóvel

O relator no STJ, ministro Benedito Gonçalves, destacou que, nos termos do artigo 1º da Lei 9.393/1996, o ITR tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado fora da zona urbana.

Fazendo referência ao artigo 108 do Código Civil (CC), o relator ponderou que a escritura pública é a essência dos atos de constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 salários mínimos. O ministro também comentou que, conforme previsto pelo artigo 1.245 do CC, o registro do título translativo no cartório imobiliário é a forma de transmissão da propriedade entre pessoas vivas.

“Enquanto não registrado o título translativo, o alienante segue como dono do imóvel; e enquanto não promovida, por ação própria, a decretação de invalidade do registro e o respectivo cancelamento, o adquirente seguirá como dono do imóvel”, completou o ministro.

Ainda citando o artigo 1.245 do CC, Benedito Gonçalves reforçou que, após a decretação da invalidade do registro – com o respectivo cancelamento –, o comprador não é mais considerado como tendo sido dono do imóvel.

Com sentença transitada em julgado, fato gerador do ITR deixou de existir

No caso dos autos, o ministro considerou que as propriedades estavam amparadas em registros inexistentes, que foram canceladas por meio de sentença transitada em julgado. Nesse sentido, para o relator, o fato que justificaria o imposto (a propriedade territorial rural) “simplesmente não existiu”.

Ao reconhecer a inexistência de relação jurídica tributária que autorize a incidência do ITR, Benedito Gonçalves apontou que, diferentemente do que entendeu o TRF3, o fato de os compradores terem oferecido as matrículas dos imóveis como garantia hipotecária não afasta a conclusão de que, com o cancelamento dos registros por sentença, o direito real sobre os bens não ocorreu de maneira concreta.

O recurso ficou assim ementado:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO TERRITORIAL RURAL – ITR. CANCELAMENTO DAS MATRÍCULAS POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. INEXISTÊNCIA E INVALIDADE DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS DAS PROPRIEDADES. FATO SIGNO PRESUNTIVO DE RIQUEZA INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO SOBRE FATO NÃO OCORRIDO. DIFERENÇA ENTRE OS PLANOS DA EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA PARA A INCIDÊNCIA DO ARTIGO 118 DO CTN.
1. Consigne-se inicialmente que o recurso foi interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ.
2. Discute-se nos autos a legalidade da exigência do ITR – Imposto Territorial Rural sobre propriedade imobiliária cujo registro foi cancelado por decisão judicial transitada em julgado.
3. Por meio de sentença judicial, transitada em julgado em 9/9/2014, foi declarada a nulidade dos atos notarias de escritura pública de compra e venda de propriedade rural, determinando-se a averbação do cancelamento dos atos. Na referida sentença (fls. 1036/1041) o juiz afirma que os autores adquiriram propriedades cujas matrículas (1053, 1087 e 1018) eram consubstanciadas em documentação inexiste ou falsa, concluindo que: “a compra e venda realizada com suporte em escrituras públicas comprovadamente falsas constitui ato Jurídico nulo e, desta forma, não gera efeitos” (fl. 1039).
4. Nesse contexto, o acórdão recorrido, proferido pelo TRF3, considerou ser devido o ITR – Imposto Territorial Rural, “incidente desde a aquisição dos imóveis (meados de 1993) até a averbação do cancelamento das matrículas, fato ocorrido em setembro de 2014” (fl. 1679).
5. Nos termos do artigo 118 do Código Tributário Nacional (CTN) a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
6. Quanto à interpretação objetiva do fato gerador, não se desconhece o entendimento do STF, firmando para a hipótese de validade dos atos efetivamente praticados(artigo 118, I, do CTN) no sentido de que é “possível a incidência de tributação sobre valores arrecadados em virtude de atividade ilícita, consoante o art. 118 do CTN (…)” (HC 94240, Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-196 11/10/2011. No mesmo sentido: HC 158976 AgR, Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 22/02/2019, DJe-041 27/2/2019). Do mesmo modo, quanto aos efeitos dos atos efetivamente praticados (artigo 118, II, do CTN), também é conhecido o entendimento do Supremo Tribunal Federal no caso julgamento das tributação das vendas inadimplidas (Tema 87 da Repercussão Geral), de cuja ementa se extrai o seguinte trecho: “As vendas canceladas não podem ser equiparadas às vendas inadimplidas porque, diferentemente dos casos de cancelamento de vendas, em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se, assim, as obrigações do credor e do devedor, as vendas inadimplidas – a despeito de poderem resultar no cancelamento das vendas e na consequente devolução da mercadoria -, enquanto não sejam efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor oponível ao comprador” (RE 586482, Min. Dias Toffoli, Pleno, julgado em 23/11/2011, Repercussão Geral – Mérito DJe-119 18/6/2012 ) .
7. Contudo, no caso concreto, estamos analisando hipótese diversa, na qual é fato incontroverso que a propriedade rural sobre a qual se pretende afastar a incidência do ITR teve a sua matrícula cancelada, por serem falsos ou inexistentes os documentos que comprovavam sua existência. Diante da exigência de trânsito em julgado para o cancelamento do registro (Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/1973, artigo 259) a questão controvertida se concentra em saber se o ITR poderá ser cobrado no período entre a aquisição da propriedade e o encerramento do processo judicial.
8. A solução do presente caso concreto passa pela separação dos planos de existência, validade e eficácia dos fatos jurídicos submetidos à tributação. Os fatos existentes, mas inválidos ou ilícitos, estarão sujeito à tributação, via de regra, como é o caso do HC 94240/SP do Supremo Tribunal Federal, acima colacionado. Os fatos existentes e válidos, mas ineficazes, também se submeterão, como regra, à tributação, como é o exemplo da tributação das vendas inadimplidas (Tema 87 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal).
9. Entretanto, se inexistente o fato jurídico, não se pode cogitar sequer da sua validade, ou tampouco da sua eficácia. Na hipótese dos autos é precisamente isso que ocorre: as propriedades estavam consubstanciadas em registros inexistentes, que foram cancelados por meio de sentença transitada em julgado. Vale dizer, portanto, que o fato signo presuntivo de riqueza (propriedade territorial rural) simplesmente não existiu, uma vez que o arcabouço normativo de direito privado considera existente a transmissão da propriedade apenas com o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
10. Concluo, portanto, pela impossibilidade de incidência de ITR, no contexto em que sentença transitada em julgado reconhece a inexistência das respectivas matrículas imobiliárias, determinando o seu cancelamento após o trânsito em julgado.
12. Ante o exposto, conheço o agravo e dou provimento ao recurso especial, reconhecendo a inexistência da relação jurídica tributária que obrigue a parte ao recolhimento do ITR – Imposto Territorial Rural.

Leia o acórdão no AREsp 1.750.232.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 1750232

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