Não cabe coparticipação no custeio de auxílio-creche ou assistência pré-escolar dada a natureza indenizatória do benefício

A União apelou da sentença que determinou o fim dos descontos referentes à coparticipação no custeio do auxílio-creche ou assistência pré-escolar recebidos mensalmente por um servidor em folha de pagamento. A decisão também determinou a devolução dos valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos.

O recurso da União pediu a reforma da sentença referente à restituição imediata de valores pagos a título de coparticipação por meio da folha suplementar.

Para o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, a finalidade do auxílio-creche/assistência pré-escolar é compensar o dever estatal de oferecer o atendimento educacional a todo trabalhador com criança de até cinco anos de idade, conforme os artigos 208 e 54 da Constituição Federal (CF) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), respectivamente.

Segundo o magistrado, a natureza indenizatória do benefício pressupõe um dano, sendo incompatível com a exigência de contribuição no custeio por parte do beneficiário, o que caracterizaria a transferência indireta e parcial das consequências do fato danoso a quem não lhe deu causa.

O relator defendeu, também, que o decreto que determinou tal cobrança extrapolou o disposto na CF, constatando indevida a participação no custeio do benefício por parte do servidor.

Nesse contexto, o desembargador concluiu pela suspensão da cobrança para custeio parcial do benefício. Contudo, no que se refere ao ressarcimento de valores já descontados, o magistrado entendeu que os efeitos financeiros devem se limitar à data do ajuizamento da ação, nos termos do artigo 14, § 4º, da Lei nº 12016/2009, considerando que o requerimento por meio de mandado de segurança não se presta a valores pretéritos.

O relator destacou que tais valores podem ser reclamados posteriormente em ação judicial ou administrativa.

Em concordância com o voto do relator, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região resolveu pela revisão parcial da sentença, mantendo a cessação da contribuição do servidor no custeio do benefício, limitando, porém, os efeitos financeiros à data do ajuizamento da ação.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. CUSTEIO DA PARCELA A CARGO DO SERVIDOR. ÔNUS INSTITUÍDO POR ATO INFRALEGAL. IMPOSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS EVENTUALMENTE DESCONTADAS A TAL TÍTULO. MANDADO DE SEGURANÇA QUE NÃO É SUBSTITUTO DE AÇÃO DE COBRANÇA.

1. Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta pela União contra sentença proferida nos autos do mandado de segurança que concedeu em parte a ordem para i) determinar ao impetrado que se abstenha de descontar a quota-parte do custeio do auxílio creche/pré-escolar recebido mensalmente pelo impetrante, e ii) declarar o direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos. Em suas razões, a União requer a reforma da sentença da parte que determinou a restituição dos valores por meio de folha suplementar.

2. O auxílio-creche (ou pré-escola) tem por fim compensar o descumprimento do dever estatal de disponibilizar o atendimento em creches e pré-escolas a criança de zero a cinco anos de idade a todo trabalhador ( CF, art. 208, IV; ECA, art. 54, IV).

3. A natureza indenizatória do benefício pressupõe um dano e, assim, é incompatível com a exigência de participação do beneficiário no respectivo custeio, pois importaria em transferência indireta e parcial das consequências do fato danoso a quem não lhe deu causa.

4. E mesmo que assim não fosse, a participação no custeio do auxílio-creche por meio de decreto ofende o princípio da legalidade e, dessa forma, carece de legitimidade.

5. Desse modo, o Decreto nº 977 /93 inovou a ordem jurídica, extrapolando o disposto na Lei 8.069 /90 e em desacordo com a Constituição Federal, razão pela qual indevida a participação do servidor no custeio do auxílio-creche, cuja finalidade é a compensação pelo não atendimento do dever estatal. Sentença deve ser mantido neste ponto pelos seus próprios fundamentos. Precedentes.

6. O mandado de segurança não se presta para a recebimentos de valores pretéritos, porquanto writ não é substitutivo da ação de cobrança e não possui efeitos financeiros pretéritos, anteriores à impetração, a teor das Súmulas nº 269 e 271 do STF. Assim, a sentença merece parcial reforma neste particular para limitar os efeitos financeiros à data do ajuizamento da ação, nos termos do art. 14, § 4º, da Lei nº 12.016/2009. O recebimento dos valores pretéritos pode ser reclamado posteriormente, na via administrativa ou judicial.

7. Sem honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).

8. Apelação e remessa oficial parcialmente providas, nos termos do item 4.

Processo: 1006234-79.2020.4.01.3600

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