Apesar de identificar falhas no procedimento de reconhecimento pessoal de um homem condenado por roubo, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz negou o pedido de absolvição feito pela defesa, pois, segundo o processo, ele foi monitorado pelas vítimas e pela polícia ininterruptamente entre o crime e a captura.
Para o magistrado, embora o reconhecimento seja nulo por ter sido realizado informalmente pelas vítimas dentro da viatura policial e sem observar os procedimentos do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), o monitoramento visual contínuo do suspeito, durante a perseguição, constitui elemento probatório válido para, ao lado de outras provas, afastar a hipótese de inocência.
De acordo com o depoimento das vítimas e dos policiais, três indivíduos – entre eles uma adolescente – entraram em um ônibus e iniciaram o assalto. Após roubarem os pertences dos passageiros, os assaltantes deixaram o veículo. Nesse momento, um passageiro, suspeitando que a arma usada no roubo fosse de brinquedo, desceu do coletivo e perseguiu os criminosos.
Policiais que faziam ronda no local perceberam a movimentação e acompanharam o passageiro na perseguição. Um dos assaltantes teria jogado sua camiseta fora para tentar despistar os perseguidores, mas acabou sendo capturado em conjunto com a adolescente, enquanto o terceiro conseguia fugir.
O reconhecimento dos suspeitos capturados foi feito pelas vítimas no interior da viatura que conduziu todos até a delegacia. Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, esse procedimento de reconhecimento não teria violado o artigo 226 do CPP e, além disso, haveria nos autos outros elementos para justificar a condenação do réu a mais de seis anos de reclusão.
Exibição informal de suspeitos viola CPP e perde força probatória
O ministro Schietti lembrou que, ao julgar o HC 598.886, em 2020, a Sexta Turma passou a considerar que os procedimentos previstos pelo artigo 226 do CPP para o reconhecimento de pessoas não constituem mera recomendação, mas verdadeira norma de observância obrigatória pela autoridade policial, cujo descumprimento pode, inclusive, gerar a nulidade do ato.
No ano passado, a Sexta Turma avançou na análise da matéria e fixou o entendimento de que, mesmo se realizado em conformidade com a norma do CPP, o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probatória absoluta; se, porém, for realizado fora dos preceitos legais, deve ser considerado inválido e não pode ser usado nem mesmo de maneira suplementar (HC 712.781).
Com base na jurisprudência, para o relator, não seria possível admitir o reconhecimento realizado pelas vítimas no interior da viatura policial e sem a observância mínima dos procedimentos legais, como a colocação do suspeito ao lado de pessoas com características físicas semelhantes.
“Exibições informais de suspeitos, sem que se cumpra aquele mínimo roteiro normativo disposto no artigo 226 do CPP, facilitam sobremaneira os falsos positivos e, por isso, perdem qualquer serventia probatória”, destacou.
Relatos de testemunhas confirmam que suspeito nunca deixou de ser monitorado
Embora tenha considerado falho o reconhecimento pessoal, Rogerio Schietti apontou que a reconstrução dos fatos não deixa dúvidas de que, entre o início da fuga – quando o acusado desceu do ônibus na companhia dos comparsas – e o instante em que foi capturado, ele nunca saiu da vista de seus perseguidores.
Segundo o ministro, a perseguição realizada pelo passageiro chamou rapidamente a atenção dos transeuntes e dos policiais, o que permitiu a configuração do chamado flagrante impróprio.
“Muito embora nada tenha sido encontrado com o réu, todos os pertences roubados estavam em poder da adolescente que circulava pela mesma localidade e que, no momento da captura, conversava com o ora paciente como se já se conhecessem antes. O controle visual do paciente durante toda a extensão temporal de sua tentativa de evadir-se respalda com suficiência a sua condenação”, concluiu o ministro ao negar o habeas corpus.
Leia também: Reconhecimento de pessoas: um campo fértil para o erro judicial