O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve decisão judicial que anulou o ato administrativo que rebatizou o campo petrolífero de Tupi como “Campo de Lula”. De acordo com os desembargadores federais que integram a 3ª Turma da Corte, ficou comprovado que o ato teve desvio de finalidade em sua prática ao objetivar a promoção pessoal de pessoa viva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao dar o seu nome a um patrimônio público, o campo de petróleo. A decisão foi proferida, por unanimidade, em sessão virtual de julgamento realizada na última terça-feira (2/6).
Uma advogada residente de Porto Alegre ingressou com uma ação popular em dezembro de 2015 contra a Petrobrás, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP), o ex-presidente Lula e o ex-presidente da estatal petrolífera José Sergio Gabrielli de Azevedo.
Segundo a ação, em 29 de dezembro de 2010, a Petrobras, por meio do seu então presidente Sergio Gabrielli, decidiu rebatizar o campo petrolífero de Tupi, passando a chamá-lo de Campo de Lula.
A autora afirmou que isso se deu para homenagear o Presidente da República na época, que teria obtido um valioso capital político, associado ao ufanismo gerado pelas descobertas que haviam ocorrido da camada geológica do pré-sal na época.
A advogada ainda sustentou que todas as peças publicitárias da Petrobras relativas ao maior campo de petróleo do Brasil, o novo Campo de Lula, também geraram indevida e ilegal promoção política do ex-presidente.
A autora adicionou que a aprovação da proposta da nomeação de Campo de Lula foi realizada pela ANP, ao longo de 2011, desrespeitando a lei e a Constituição Federal. Para ela, cabia à ANP, como agência reguladora, realizar um filtro de legalidade ou constitucionalidade do ato em questão.
A advogada argumentou que, no caso, houve lesão ao patrimônio público e ilicitude do ato.
Foi requisitado que a Justiça Federal promovesse o seguinte: anulação da alteração do nome do campo petrolífero de Tupi; condenação dos réus Sergio Gabrielli e Lula a ressarcirem à Petrobras todos os gastos publicitários com a divulgação do campo; e condenação da Petrobras a divulgar o teor da decisão final da ação popular, às custas dos mesmos dois réus.
Em novembro de 2017, a 5ª Vara Federal de Porto Alegre julgou o processo e deu parcial provimento aos pedidos da autora, determinando a anulação do ato administrativo (Resolução ANP nº 568/2011) que deu o nome ao campo de petróleo.
A mulher recorreu da sentença ao TRF4. No recurso, defendeu ser necessário o ressarcimento dos gastos publicitários desembolsados relativos ao Campo de Lula e à ampla divulgação da anulação da nomeação do campo.
Sergio Gabrielli também interpôs recurso junto à Corte. A defesa asseverou que o fato de ter sido o ato praticado na gestão dele enquanto presidente da Petrobrás não basta, por si só, para justificar a sua inclusão como réu na ação. Também ressaltou a ausência de ilegalidade ou lesividade do ato e afirmou que não houve intenção de homenagear o ex-presidente Lula.
Por fim, ainda houve recurso por parte da Petrobras. Segundo a estatal, ficou demonstrada a legalidade explícita do ato praticado. Ressaltou a ausência de prova do desvio de finalidade no caso e a falta de comprovação de lesividade ou ilegalidade.
A 3ª Turma do Tribunal decidiu, de forma unânime, negar provimento a todas as apelações e manter a decisão de primeira instância na íntegra.
Para a relatora do caso, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, a sentença proferida deve ser mantida, “visto que irretocáveis os seus fundamentos”.
“Está comprovado, nos autos, que o ato administrativo que denominou o campo de petróleo, um patrimônio público, de ‘Campo de Lula’ objetivava a promoção pessoal de pessoa viva (o Presidente da República na época em que praticado o ato). Nesse contexto, deve ser anulado o ato, tendo em vista o vício/desvio na finalidade na prática do ato, de acordo com o artigo 2º, ‘e’, da Lei 4.717/1965”, destacou em seu voto a magistrada.
Sobre o ressarcimento pretendido pelos gastos publicitários, Tessler considerou que: “a indenização – ressarcimento à Petrobras dos gastos com publicidade – carece de qualquer comprovação. Não há dano direto. Ora, a Petrobras, de fato, realizou gastos publicitários para a divulgação da exploração do Campo de Lula. Contudo, isso é natural ao ramo em que atua. Seja o campo chamado Tupi (como era antes da nomenclatura Lula), seja chamado qualquer outro, a Petrobras realiza publicidade das explorações”.
Ao concluir a sua manifestação, a desembargadora também negou o outro pedido da advogada.
“A divulgação da sentença em rede nacional de televisão e jornal carece de qualquer previsão legal para a ação aqui manejada. A ação popular não é meio apto a gerar uma ‘contrapropaganda’. Quer a autora que dois dos réus custeiem essas inserções – pedindo, inclusive, que se determine o tamanho e duração da publicação. Isso foge totalmente do objetivo da ação popular. A Constituição Federal (artigo 5º, LXXIII), ao tratar dessa ação, limita-se à anulação de ato lesivo”, definiu a relatora.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. BINÔMIO ILEGALIDADE-LESIVIDADE. MATÉRIA DE MÉRITO. LEGITIMIDADE DE PARTES. RESPONSABILIDADE. MÉRITO. PATRIMÔNIO PÚBLICO. NOME PESSOA VIVA. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL. DESVIO DO ATO ADMINISTRATIVO – AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. PROMOÇÃO PESSOAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PROVA DO DANO. AUSENTE. LESÃO FICTA. IMPOSSIBILIDADE. CONTRAPROPAGANDA. PRETENSÃO INVIÁVEL EM AÇÃO POPULAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
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Restam afastadas as alegações de todos os réus no tocante à legitimidade.
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Atos administrativos são praticados pelo Estado, e não por agentes. Além disso, a publicidade é dos atos, e não da pessoa do agente. Fica assentado, assim, que o agente apenas incorpora uma função de representação, não sendo ele, propriamente, o praticante de atos estatais.
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Para situações de garantia dessa impessoalidade, o legislador tomou medidas como vedar a atribuição de nomes de pessoas vivas a bens públicos. O STF já consagrou, em julgado de 2008 (ADI 307, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 13/02/2008), a constitucionalidade de medidas dessa natureza, uma vez que corroboram a garantia constitucional da impessoalidade.
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A mera proibição de atribuição de nome de pessoa viva a um bem público pode não ser suficiente para dar concretude à norma do art. 37, §1º, da CRFB/88. Há outras hipóteses em que, mesmo não sendo diretamente o nome de uma pessoa, pode-se vir a ter uma promoção pessoal – seja por ser um apelido, um hipocorístico, uma menção a características físicas da pessoa etc.
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A coincidência entre o nome do molusco escolhido e o nome do ex-Presidente (nome esse pelo qual o réu é mundialmente conhecido em sua vida política) é um fato que limita a liberdade de escolha na nominação do campo petrolífero. Dizer que, meramente, se observou ato infralegal, e por isso o ato é válido, significa desconsiderar texto constitucional. Acolher tal alegação significaria interpretar a Constituição conforme a lei (ou conforme portarias), enquanto obviamente se deve interpretar a lei (ou as portarias) conforme a Constituição.
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Quando feita referência à releitura da Lei 6.454/77, o objetivo foi passar o artigo por um filtro constitucional, adequá-lo aos objetivos dos princípios administrativos. A partir do advento do art. 37, §1º, da CRFB/88, a Lei 6.454/77 deve ser lida como um dispositivo que proíbe a promoção pessoal. Diz o artigo que a publicidade deve assumir apenas caráter informacional, sem promoção pessoal.
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No caso em análise, foi no governo do Ex-Presidente Lula que se iniciou a exploração da camada geológica do pré-sal; além disso, era Presidente quando da nominação do campo; por fim, esteve presente no ato que declarou a produtividade do campo e o rebatizou, agradecendo o nome. Esses elementos de ligação do nome do campo ao ex-Presidente são suficientes para gerar promoção pessoal. Dessa forma, a única maneira de fazer cessar os efeitos desse ato de publicidade (que gera efeitos até hoje e continuará gerando, enquanto persistir válido) é anulando o ato que nominou o referido campo como “Campo de Lula”.
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A indenização pretendida – ressarcimento à Petrobrás dos gastos com publicidade – carece de qualquer comprovação. Não há dano direto. Ora, a Petrobrás, de fato, realizou gastos publicitários para a divulgação da exploração do Campo de Lula. Contudo, isso é natural ao ramo em que atua. Seja o campo chamado Tupi (como era antes da nomenclatura Lula), seja chamado qualquer outro animal marinho, a Petrobrás realiza publicidade das explorações.
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Legitimidade alguma existe por parte da autora para zelar pelo patrimônio de uma sociedade de economia mista. Veja: o pedido envolve dois dos réus ressarcirem a Petrobrás. O CPC, no seu art. 18, estabelece que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. Não há qualquer autorização do ordenamento jurídico para isso.
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Já o outro pedido – divulgação da sentença em rede nacional de televisão e jornal – carece de qualquer previsão legal para a ação aqui manejada. A ação popular não é meio apto a gerar uma “contrapropaganda”. Quer a autora que dois dos réus custeiem essas inserções – pedindo, inclusive, que se determine o tamanho e duração da publicação. Isso foge totalmente do objetivo da ação popular. A CRFB/88 (art. 5º, LXXIII), ao tratar dessa ação, limita-se à anulação de ato lesivo.
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No que concerne ao valor fixado a título de honorários advocatícios, deve ser mantido, visto que remunera adequadamente o trabalho do advogado, e, ademais, a ação popular, ante o seu escopo de tutela do interesse geral, desserve ao fim de ser fonte de ganhos econômicos aos seus promoventes.