Laboratório farmacêutico é condenado a pagar 500 mil reais por danos causados a um estudante medicado com dipirona sódica
Um estudante processou um laboratório farmacêutico após sofrer reações alérgicas relacionadas ao uso de dipirona sódica. A situação ocorreu em fevereiro de 2010: ao sentir febre e dores no corpo, ele procurou um pronto-atendimento em Curitiba, foi diagnosticado com nasofaringite aguda e medicado com o analgésico.
No mesmo dia, ao voltar para casa, seu estado de saúde piorou. O autor da ação foi acometido por inchaços no corpo, feridas na pele e secreção ocular – sintomas da Síndrome de Stevens-Johnson. A obstrução do canal lacrimal ocasionou a perda da visão do estudante – situação capaz de ser revertida apenas com intervenções cirúrgicas. Devido ao agravamento do quadro, o autor do processo ficou internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 28 dias, permanecendo quase 90 dias no hospital.
Em dezembro de 2010, ele processou o laboratório farmacêutico responsável pela fabricação do medicamento a base de dipirona e pediu 1,5 milhão de reais como compensação pelos danos morais sofridos, além de indenização por todos os prejuízos passados, presentes e futuros decorrentes da situação.
Condenação
Em 1º grau de jurisdição, o laboratório foi condenado a pagar 500 mil reais de indenização por danos morais, bem como a arcar com todas as despesas necessárias ao tratamento do estudante. “É nítido que a vida do autor mudou completamente após o episódio em questão, passando a necessitar de ajuda de terceiros para realizar as atividades básicas do dia a dia (…). Passados mais de oito anos, o autor continua em tratamento para ver sua saúde recuperada, tendo passado por inúmeras cirurgias, algumas infrutíferas, e precisando de uso de medicamento e aparelho de oxigênio para sua sobrevivência”, ressaltou a decisão proferida em outubro de 2018.
O laboratório recorreu ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) alegando que a doença possui diversos agentes causadores de difícil identificação. Assim, as reações poderiam ter sido provocadas por outro medicamento ministrado ao paciente ou mesmo por vírus, bactérias ou fungos, o que justificaria a reforma da sentença devido à ausência de nexo de causalidade entre o uso da dipirona e a Síndrome de Stevens Johnson. Além disso, o valor da indenização foi considerado desproporcional, o que, segundo a empresa, configuraria enriquecimento ilícito do estudante. Por outro lado, o autor do processo pleiteou a manutenção da condenação.
Julgamento pelo TJPR
Ao avaliar os danos ocorridos, as consequências da doença na vida do estudante e a condição financeira das partes envolvidas na ação, a 9ª Câmara Cível do TJPR, por maioria de votos, manteve a decisão de 1º grau. O Desembargador relator destacou que o laboratório não trouxe ao processo provas suficientes para romper o nexo de causalidade entre o uso do analgésico e os sintomas da síndrome.
“Na hipótese em tela, tendo em vista a quase impossibilidade de se estabelecer de forma cabal e definitiva o agente causador da síndrome que acometeu o autor, considerando que nem mesmo a medicina dispõe de técnicas aptas para tanto, deve ser aplicada a teoria da redução do módulo da prova, entendendo suficiente para o deslinde da controvérsia a prova indiciária, para julgar com base no conjunto das circunstâncias que conduzam à verossimilhança das alegações do requerente”.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE OBSERVADO – FOTOGRAFIAS JUNTADAS COM A APELAÇÃO – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESSA PARTE, TENDO EM VISTA A INOVAÇÃO RECURSAL E A PRECLUSÃO OPERADA – UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTO DIPIRONA – DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE STEVENS-JOHNSON – NEXO DE CAUSALIDADE – TEORIA DA REDUÇÃO DO MÓDULO DA PROVA – IMPOSSIBILIDADE DE SE APURAR, DE FORMA CATEGÓRICA, O AGENTE CAUSADOR DA DOENÇA – CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE DEMONSTRAM GRAU DE VEROSSIMILHANÇA SUFICIENTE PARA CONCLUIR QUE O FÁRMACO DEU CAUSA À SÍNDROME – RISCOS INERENTES AO PRODUTO – NÃO CONFIGURAÇÃO, DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO E DO FATO DE O MEDICAMENTO SER DE USO CONTROVERTIDO EM TODO O MUNDO, TRAZENDO PERIGO QUE NÃO É O NORMALMENTE ESPERADO – DANOS DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS – PERDA QUASE COMPLETA DA VISÃO, ALÉM DE CONSEQUÊNCIAS PULMONARES E DERMATOLÓGICAS – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – MANTIDO – DANOS MATERIAIS OBJETO DEQUANTUM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.
1. Tendo em vista a quase impossibilidade de se estabelecer de forma cabal e definitiva o agente causador da síndrome que acometeu o autor, considerando que nem mesmo a medicina dispõe de técnicas aptas para tanto, deve ser aplicada a teoria da redução do módulo da prova, entendendo suficiente para o deslinde da controvérsia a prova indiciária, para julgar com base no conjunto das circunstâncias que conduzam à verossimilhança das alegações do requerente.
2. Trata-se de situação peculiar, pois não é possível dizer que a dipirona possui “riscos inerentes”, uma vez que o perigo representado pelo fármaco ultrapassa em muito a segurança esperada de um produto colocado à disposição do consumidor, principalmente tendo em consideração o banimento da medicação em quase todos os países desenvolvidos, demonstrando, sem sombra de dúvida, que a empresa tem conhecimento do potencial ofensivo do fármaco e, ainda assim, o oferece no mercado nacional.
Nº do Processo: 0071103-97.2010.8.16.0001