Uma testemunha confirmou que houve autorização para a participação
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao recurso do Sport Club Internacional, de Porto Alegre (RS), que pretendia manter a dispensa por justa causa do zagueiro Dalton Moreira Neto por ter participado de um campeonato amador sem autorização. O motivo da dispensa foi afastado pelo depoimento de uma testemunha, que confirmou que um diretor do clube havia autorizado o jogador a participar do torneio.
Renegados
O atleta foi contratado pelo Internacional em julho de 2010 e, durante o contrato, foi “emprestado” ao Atlético Paranaense e o Criciúma. Depois do fim do empréstimo, segundo ele, a diretoria o isolou do grupo e o colocou para treinar “sem bola” em lugar distante do clube, onde ficavam os “Renegados do Beira-Rio”, o estádio do Internacional. Para o zagueiro, o clube tinha interesse em demiti-lo, e só não o fez porque teria de pagar multa elevada de rescisão de contrato.
Justa causa
No final de 2013, surgiu a possibilidade de um novo empréstimo, ao América de Natal. Contudo, a transação não ocorreu. Segundo o atleta, o Inter submeteu a cessão à quitação de parcelas salariais e de direito de imagem atrasadas, o que não foi aceito por ele. No dia seguinte, foi comunicado da dispensa por justa causa.
Eventos eróticos
De acordo com o Internacional, o motivo seria a participação do jogador num “campeonato de várzea” em Viamão (RS), em setembro de 2013, sem autorização. Ainda segundo o clube, o atleta utilizaria nesses jogos um uniforme patrocinado por uma casa de eventos eróticos, o que poderia causar dano à imagem do Inter. “Não se pode admitir que um atleta profissional de futebol venha participar de ‘jogos de várzea’, colocando sua integridade física em risco, nem utilizar uniforme do time amador com patrocínio de casa noturna erótica, o prostíbulo “La Barca”, sustentou.
Prova testemunhal
Contudo, uma das testemunhas disse que o zagueiro e outros jogadores considerados “excluídos” foram um dia pedir a um dos diretores do Inter para fazer academia e jogar campeonatos de várzea, pois estavam perdendo preparação física. Segundo a testemunha, a autorização foi dada por esse diretor, conhecido como Chumbinho.
Desmedida
Em novembro de 2015, o juízo da 10ª Vara do Trabalho de Porto Alegre reverteu a justa causa, por considerar a pena desmedida em relação à falta cometida. Entre outros aspectos, o juízo disse que o clube não conseguira comprovar a necessidade de autorização para a participação em jogos amadores.
Vida privada
Quanto ao dano à imagem, o entendimento foi de que o jogador não era conhecido da grande massa de torcedores, pois havia atuado poucas vezes pelo Internacional, e não se poderia atribuir a ele ofensa à imagem do clube “por opções que dizem respeito estritamente à parcela privada de sua vida”.
Cláusula contratual
A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), ao verificar que uma cláusula contratual exigia a especificação, por escrito, dos motivos para a justa causa. Nesse sentido, o motivo que constava da rescisão – a participação sem consentimento no campeonato amador – foi derrubado pelo depoimento da testemunha. Assim, para o TRT, o real motivo seria o uso de uniforme patrocinado pela casa noturna. Ocorre que esse fato não foi apontado no ato de rescisão e, portanto, não poderia ser alegado na ação.
Motivo desconstituído
O relator do caso no TST, o ministro Douglas Alencar Rodrigues, observou que, diante da fundamentação do TRT, pautada na desconstituição do motivo alegado para a dispensa e constante do termo de rescisão, o caso não se enquadra como incontinência de conduta ou mau procedimento (artigo 482, inciso “b”, da CLT) nem como violação do dever do atleta de preservar suas condições físicas (artigo 35, inciso II, da Lei Pelé – Lei 9.615/1998).
O recurso ficou assim ementado:
I. AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. IMPERTINÊNCIA NA APLICAÇÃO DO REGIME RECURSAL. Trata-se de recurso regido pela Lei 13.015/2014, uma vez que a publicação do acórdão regional em que apreciados os recursos ordinários do Autor e do Reclamado ocorreu em 04/04/2017, nada obstante a oposição de cinco embargos de declaração posteriores. Assim, revela-se equivocado o exame do requisito da transcendência, inaugurado com o advento da Lei 13.467/2017, na decisão agravada (Instrução Normativa 41/2018). Evidenciada, assim, a impertinência na aplicação do regime recursal disciplinado na Lei 13.467/2017 na análise do agravo de instrumento, e considerando, ainda, que a adequação ao rito encerra matéria de ordem pública, impõe-se o provimento do agravo para prosseguir no julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo conhecido e provido.
II. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. ACÓRDÃO REGIONAL EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REJULGAMENTO DA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. NULIDADE. TEMA NÃO EXAMINADO NA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE REGIONAL. PRECLUSÃO. INSTRUÇÃO NORMATIVA 40 DO TST. 1. Irresignação contra a decisão em que providos os primeiros embargos de declaração opostos pelo Autor, para conferir efeito modificativo ao acórdão, reverter a validade da despedida por justa causa do atleta e restabelecer a sentença em que reconhecida a dispensa por iniciativa do Reclamado, sem que tenha havido demonstração de omissão, contradição ou obscuridade. A questão atinente à suposta prolação de acordão teratológico não foi examinada na decisão de admissibilidade regional, prolatada após o cancelamento da Súmula 285/TST. 2. Nos termos do artigo 1º, § 1º, da Instrução Normativa nº 40/2016, “se houver omissão no juízo de admissibilidade do recurso de revista quanto a um ou mais temas, é ônus da parte interpor embargos de declaração para o órgão prolator da decisão embargada supri-la (CPC, art. 1024, § 2º), sob pena de preclusão” . 3. O Clube Reclamado, todavia, não opôs embargos de declaração em face da decisão de admissibilidade regional, restando preclusa a oportunidade de reiteração do tema, no agravo de instrumento. Julgado da SbDI-1 do TST. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento. 2. ATLETA PROFISSIONAL. JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE ESPECIFICAÇÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES, POR ESCRITO, NA RESCISÃO. PREVISÃO EM CCT. DISPENSA FUNDAMENTADA EM MOTIVO DESCONSTITUÍDO POR PROVA TESTEMUNHAL . A Corte Regional fundamentou-se na previsão contida na Cláusula 6ª da CCT 2013/2015, segundo a qual a despedida por justa causa do atleta deveria ser precedida de especificação dos motivos determinantes, por escrito, no ato da rescisão contratual. Ressaltou, todavia, que o motivo alegado pelo Réu e informado por escrito ao Autor no ato da rescisão, qual seja, a participação em jogos e campeonatos por outra instituição sem o prévio conhecimento e, muito menos, autorização do Clube, foi desconstituído pela prova testemunhal produzida nos autos, segundo a qual houve permissão por parte do diretor “Chumbinho” para tanto. Concluiu o TRT, portanto, que o real motivo para a motivação da dispensa do jogador foi o uso indevido da imagem ao utilizar uniforme de outro time, patrocinado por casa noturna de eventos eróticos, motivação não alegada quando da rescisão. Diante da fundamentação utilizada pelo Regional, pautada, repita-se, na desconstituição do motivo alegado para a dispensa e constante do termo de rescisão, não se constata ofensa aos artigos 482, “b”, da CLT e 35, II, da Lei 9.615/98, que preceituam, respectivamente, a incontinência de conduta e o mau procedimento como fatores para configuração da dispensa por justo motivo e o dever que compete ao atleta profissional de preservar suas condições físicas para participar das competições desportivas. Nego provimento . 3. ATLETA PROFISSIONAL. CLÁUSULA COMPENSATÓRIA DESPORTIVA. CONTRATO ESTABELECIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 9.615/98 E EXTINTO APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 12.395/2011. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO MULTA EM FAVOR DO ATLETA. 1. Caso em que o contrato de trabalho do Autor, iniciado em 15/07/2010, foi celebrado com prazo determinado até 13/07/2015. No entanto, vigorou até 15/01/2014, quando foi rescindido por justa causa, decisão empresarial que foi posteriormente revertida pelo TRT de origem. Portanto, o atleta foi contratado sob a égide da Lei 9.615/98 e dispensado após a alteração legislativa promovida pela Lei 12.395/2011. 2. Acerca do artigo 28 da Lei 9.615/98, em sua antiga redação, anterior à alteração promovida pela Lei 12.395/11, a jurisprudência do TST firmou-se no sentido de que a cláusula penal, prevista no artigo 28 do diploma legal, era unilateral, pois se destinava a indenizar tão somente a entidade desportiva, em caso de extinção contratual por iniciativa do empregado, em razão do investimento feito no atleta. Com a mudança promovida pela Lei 12.395/2011 à redação do artigo 28 da Lei 9.615/1998, extinguiu-se a cláusula penal, substituindo-a pela cláusula indenizatória desportiva , em favor dos clubes, por descumprimento contratual imotivado dos atletas, sendo também criada a cláusula compensatória desportiva , a ser aplicada em favor dos jogadores, por descumprimento contratual desmotivado pelos clubes (despedidas sem justa causa). 3. No caso, considerando que o contrato de trabalho desportivo foi colhido pela vigência da Lei 12.395/2011, inexiste óbice à aplicação da novel legislação desportiva, na fração alusiva ao direito à indenização compensatória desportiva, devida pela entidade de futebol ao atleta, dispensado imotivadamente. Julgados da 1ª, 3ª e 6ª Turmas desta Corte. 4. Nesse cenário, não merece reparo a decisão regional, em que aplicadas as disposições contidas no § 3º do artigo 28 da Lei Pelé (com redação conferida pela Lei 12.395/2011). Incólumes os artigos 31, § 3º, da Lei 9615/98 e 479 da CLT. O único aresto transcrito não impulsiona o processamento do recurso de revista porque oriundo de Turma deste Tribunal Superior. Incidência da alínea “a” do artigo 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido.
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-AIRR-20485-19.2014.5.04.0026