SEGUNDA SEÇÃO
Processo
AgInt no CC 186.813-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023, DJe 14/3/2023.
Ramo do Direito
DIREITO DO TRABALHO, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Conflito de competência. Juízo trabalhista e da recuperação. Art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101/2005. Cláusula do plano de recuperação. Cláusula negocial de exoneração dos coobrigados. Validade reconhecida pelo juízo universal. Juízo trabalhista não informado. Determinação de prosseguimento da execução contra os coobrigados. Regra geral de preservação do direito dos credores contra os coobrigados.
Destaque
Se o juízo trabalhista não é informado da cláusula negocial de exoneração dos coobrigados, aplica-se a regra geral de preservação do direito dos credores contra os coobrigados.
Informações do Inteiro Teor
Conforme entendimento pacífico, após o deferimento da recuperação judicial, a competência para o prosseguimento dos atos de execução relacionados a reclamações trabalhistas movidas contra a empresa é do juízo universal, vedada a prática de atos constritivos do patrimônio da empresa recuperanda.
Para configuração de conflito positivo de competência, deve ser demonstrado que a decisão supostamente conflitante impactou a competência de outro juízo.
Em regra, não existe conflito de competência entre o juízo da recuperação judicial e o juízo trabalhista que determina o prosseguimento da execução apenas contra os sócios ou coobrigados.
Na espécie, o Juízo da recuperação reconheceu a validade da cláusula do plano que exonerou também os coobrigados.
Conquanto determinado o prosseguimento das ações individuais contra esses mesmos coobrigados, observa-se que, tratando-se de cláusula negocial de exclusão de coobrigados, o Juízo trabalhista deveria ter sido informado da aprovação do plano, pois os credores, em regra, preservam os direitos contra os coobrigados do devedor em recuperação, conforme o § 1º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005.
Além disso, a cláusula do plano de recuperação judicial que estende a novação aos coobrigados, fiadores, obrigados de regresso e avalistas deve ser aprovada expressamente pelos credores detentores dessas garantias, não tendo eficácia para os que não compareceram à assembleia geral, abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra.
Assim, ausente manifesta resistência do juízo trabalhista ao comando do juízo da recuperação de reconhecer a validade da cláusula que exonerou os coobrigados, não há conflito de competência.
Informações Adicionais
Legislação
Lei n. 11.101/2005, art. 49, § 1º
Processo
AgInt nos EAREsp 2.095.061-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 30/5/2023, DJe 1º/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Embargos de divergência. Acórdão paradigma. Mesmo órgão julgador que proferiu a decisão embargada. Admissibilidade somente quando houver a alteração de mais da metade dos seus membros. Art. 1.043, § 3º, do CPC.
Destaque
A oposição de embargos de divergência fundado em acórdão paradigma do mesmo órgão julgador que proferiu a decisão embargada somente é admitida quando houver a alteração de mais da metade dos seus membros.
Informações do Inteiro Teor
Os embargos de divergência não foram admitidos, diante da impossibilidade de se discutir dissídio jurisprudencial no âmbito da própria Turma julgadora que prolatou o acórdão embargado. Isso porque o requisito da diversidade orgânica exige que os acórdãos embargado e paradigma tenham sido julgados por órgão fracionário diverso do que proferiu a decisão embargada.
Desse modo, os embargos de divergência se revelaram incabíveis, aplicando-se, por analogia, o óbice do enunciado da Súmula n. 353 do STF, que proclama a inadmissibilidade dessa espécie recursal quando deduzida com fundamento em divergência entre decisões da mesma Turma do Supremo Tribunal Federal.
Como se sabe, somente é possível a oposição de embargos de divergência fundado em acórdão paradigma da mesma Turma que proferiu a decisão embargada quando houver a alteração de mais da metade dos seus membros (art. 1.043, § 3º, do CPC), o que não ocorreu.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Civil (CPC), art. 1.043, § 3º
Processo
AgInt no CC 193.218-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 30/5/2023, DJe 1º/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Conflito de competência. Execução trabalhista e recuperação judicial. Seguro garantia judicial. Sinistro ocorrido em momento anterior ao pedido de recuperação judicial. Ocorrência. Possibilidade de execução pelo juízo laboral.
Destaque
O depósito da indenização (seguro garantia judicial), pela seguradora, no curso de execução trabalhista, somente pode ser exigido na hipótese de o sinistro ter ocorrido em momento anterior ao pedido de recuperação judicial da empresa executada.
Informações do Inteiro Teor
A jurisprudência do STJ assinala que, “no seguro-garantia judicial, a relação existente entre o garantidor (seguradora) e o credor (segurado) é distinta daquela existente entre credor (exequente) e o garantidor do título (coobrigado), visto que no primeiro caso a relação resulta do contrato de seguro firmado e, no segundo, do próprio título, somente sendo devida a indenização se e quando ficar caracterizado o sinistro” (CC 161.667/GO, Segunda Seção, DJe 31/8/2020).
Consoante a referida orientação, “na hipótese de haver o deferimento da recuperação judicial, a execução contra o devedor principal será extinta, haja vista a ausência de título a lhe dar suporte, somente sendo possível exigir o depósito da indenização pela seguradora se tiver ficado caracterizado o sinistro em momento anterior (ao do pedido de recuperação), observada a extensão dos riscos cobertos pela apólice” (CC 161.667/GO, Segunda Seção, DJe 31/8/2020).
Assim, no curso de execução trabalhista, o depósito da indenização (seguro garantia judicial), pela seguradora, somente pode ser exigido na hipótese de o sinistro ter ocorrido em momento anterior ao pedido de recuperação judicial.
TERCEIRA SEÇÃO
Processo
AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 24/5/2023, DJe 29/5/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CONSTITUCIONAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Conflito de competência. Inserção de dados falsos em sistema de dados federais. Ausência de indicação de ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas autarquias. Competência da Justiça comum estadual.
Destaque
A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal.
Informações do Inteiro Teor
Conforme orientação jurisprudencial desta Corte, “conquanto o Sistema DOF tenha sido instituído e implantado pelo IBAMA (art. 1º da Portaria/MMA n. 253/2006, c/c Instrução Normativa n. 112/2006 do IBAMA), o mero fato de o Sistema estar hospedado em seu site não atrai, por si só, a competência federal para o julgamento de delito de falsificação de Documento de Origem Florestal” (CC 168.575/MS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 9/10/2019, DJe 14/10/2019).
No caso, não foi indicado nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF (Documento de Origem Florestal), motivo pelo qual o feito deve ser processado e julgado pela Justiça comum estadual.
No mesmo sentido, “embora a emissão e o controle o DOF (Documento de Origem Florestal) recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar, tout court, que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema dessa autarquia (em qualquer de suas unidades) que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia. Isso porque a proteção ao meio ambiente é de competência comum e, em alguns casos, embora o registro seja feito no Ibama, o interesse envolvido é nitidamente estadual. Vale dizer, irregularidades no registro, oriundas de prática criminosa, por si, não têm o condão de atrair a competência federal. Raciocínio diverso ensejaria a competência federal para todo e qualquer caso, haja vista que a proteção, a fiscalização e a conservação ambiental são propósitos ínsitos à própria existência (criação) do Ibama” (CC 141.822/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 9/9/2015, DJe 21/9/2015).
Processo
Rcl 42.274-RS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 24/5/2023, DJe 26/5/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Tribunal do Júri. Decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Art. 593, III, d, do Código de Processo Penal (CPP). Tribunal de Justiça que analisa o recurso de apelação sem a devida análise das provas. Fundamentação insuficiente.
Destaque
Diante de recurso de apelação com base no art. 593, III, d, do CPP, é imprescindível que o Tribunal avalie a prova dos autos a fim perquirir se há algum elemento que ampare o decidido pelos jurados.
Informações do Inteiro Teor
É indiscutível que os jurados atuantes no Tribunal do júri julgam por íntima convicção, pois não precisam justificar as razões pelas quais responderam de um modo ou de outro os quesitos formulados. Todavia, essa premissa não impede que o Tribunal de origem exerça controle sobre a decisão dos jurados, sob pena de tornar letra morta o contido no art. 593, III, d, do CPP, que expressamente estipula cabimento de apelação contra decisão de jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Nesse sentido, é indispensável que o Tribunal avalie a prova dos autos, com fim de perquirir se há algum elemento que ampare o decidido pelos jurados. Trata-se de providência objetiva de cotejo do veredicto com a prova dos autos, sendo prescindível qualquer ingresso na mente dos jurados. Contudo, cabe ressaltar que, havendo duas versões jurídicas sobre os fatos, ambas amparadas no acervo probatório, deve ser preservada a decisão dos jurados, em atenção à soberania dos veredictos.
No caso, o apelo da acusação fez referência expressa a elementos do acervo probatório dos autos para concluir que houve excesso doloso, razão pela qual a decisão dos jurados seria manifestamente contrária à prova dos autos. Não é o caso de absolvição por clemência. Os jurados não absolveram o interessado, pois responderam negativamente ao quesito genérico. Houve, sim, reconhecimento de legítima defesa e o reconhecimento de seu excesso. O que se discute é se esse excesso foi culposo ou doloso.
Segundo o MPE, os jurados reconheceram o excesso culposo em legítima defesa sem nenhum respaldo nos autos. Considerou-se que o primeiro disparo contra a vítima já teria sido suficiente para deixá-la estirada ao solo na posição decúbito ventral, cessando a agressão. Quanto aos demais disparos, foram justificados pelo animus necandi. Os depoimentos de testemunhas presenciais, bem como fotografias e laudo pericial afastaram cabalmente a tese do interessado apresentada aos jurados, segundo a qual apenas efetuou outros disparos porque a vítima caiu segurando suas pernas.
Todavia, o Tribunal de origem, ao julgar o apelo – e também os embargos de declaração -, não citou elemento algum de prova para concluir que a decisão dos jurados não está manifestamente divorciada do acervo probatório, limitando-se a afirmar que os jurados acolheram a tese defensiva a eles apresentada em plenário por íntima convicção.
Por essa razão, a determinação de novo julgamento dos embargos de declaração é fundamental para que, ao amparo da prova produzida nos autos, o magistrado fundamente o seu convencimento sobre a decisão dos jurados ser ou não manifestamente contrária à prova dos autos.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 593, III, d
PRIMEIRA TURMA
Processo
AREsp 2.023.456-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Trabalho decente e crescimento econômico Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Benefício por incapacidade. Concessão por tutela provisória. Revogação da medida. Manutenção da qualidade de segurado. Possibilidade.
Destaque
A previsão legal de manutenção da qualidade de segurado, contida no art. 15, I, da Lei n. 8.213/1991, inclui os benefícios deferidos por decisão de caráter provisório, ainda que seja futuramente revogada.
Informações do Inteiro Teor
Em regra, a tutela antecipada ou de urgência figura como provimento judicial provisório e reversível (art. 273, § 2º, do CPC/1973 e arts. 296 e 300, § 3º, do CPC/2015), pelo que, a rigor, a revogação da decisão que concede o mandamento provisório produz efeitos imediatos e retroativos, impondo o retorno à situação anterior ao deferimento da medida, cujo ônus deve ser suportado pelo beneficiário da tutela.
Como o cumprimento provisório ocorre por iniciativa e responsabilidade do autor, cabe a este, em regra, suportar o ônus decorrente da reversão da decisão precária, na medida em que, a rigor, pode, de antemão, prever os resultados de eventual cassação da medida, escolher sujeitar-se a tais consequências e até mesmo trabalhar previamente para evitar ou mitigar os impactos negativos no caso de reversão.
Essa regra (de total reversibilidade/restituição ao estado anterior), porém, não pode ser aplicada em relação ao segurado em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laborativa, concedido por meio de tutela de urgência posteriormente revogada, na medida em que, nesses casos, o ônus (de perder a condição de segurado) não é completamente previsível, evitável ou mitigável.
Portanto, não é de todo previsível porque o art. 15, I, da Lei n. 8.213/1991 assegura que, independentemente de contribuições, quem está em gozo de benefício (qualquer que seja a natureza da concessão, porque o dispositivo não diferenciou), mantém a qualidade de segurado, sem limite de prazo, isto é, não seria razoável exigir do segurado de boa-fé considerar que tal previsão expressa fosse afastada automaticamente na ocasião da revogação da medida de caráter precário.
Ademais, o ônus (de perder a qualidade de segurado) não é mitigável ou evitável, pois enquanto o segurado está em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laborativa, concedido por meio de tutela de urgência, não pode recolher contribuições previdenciárias, uma vez que, em tal condição, não se insere na previsão dos arts. 11 ou 13 da Lei n. 8.213/1991.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 273, § 2º
Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 296 e 300, § 3º
Lei n. 8.213/1991, arts. 11, 13, 15, I
SEGUNDA TURMA
Processo
REsp 2.045.450-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Contrato verbal. Subcontratação sem autorização. Obrigação de o ente público efetuar o pagamento pelos serviços efetivamente prestados. Vedação ao enriquecimento ilícito.
Destaque
No caso de contrato verbal e sem licitação, o ente público tem o dever de indenizar, desde que provada a existência de subcontratação, a efetiva prestação de serviços, ainda que por terceiros, e que tais serviços se reverteram em benefício da Administração.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a definir se é devida ou não a indenização pelos serviços executados, bem como pelos subcontratados, ambos sem observância da Lei n. 8.666/1993 (vigente à época dos fatos).
A jurisprudência do STJ é no sentido de que, mesmo que seja nulo o contrato realizado com a Administração Pública, por ausência de prévia licitação, é devido o pagamento pelos serviços prestados, desde que comprovados, nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração.
O STJ reconhece, ademais, que, ainda que ausente a boa fé do contratado e que tenha ele concorrido para nulidade, é devida a indenização pelo custo básico do serviço, sem margem alguma de lucro.
Assim, a inexistência de autorização da Administração para subcontratação, não é suficiente para afastar o dever de indenizar, no caso, porque a própria contratação foi irregular, haja vista que não houve licitação e o contrato foi verbal.
Informações Adicionais
Legislação
Lei n. 8.666/1993, art. 59, parágrafo único
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.830.735-RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Penhora de bens do cônjuge do devedor. Cônjuge que não é parte no processo. Comunhão universal de bens. Possibilidade. Responsabilização de terceiro. Não configuração. Propriedade do próprio devedor. Embargos de terceiro. Presunção de comunicabilidade. Ônus probatório do cônjuge.
Destaque
É possível a constrição judicial de bens de cônjuge de devedor, casados sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que não tenha sido parte no processo, resguardada a sua meação.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível a penhora de valores em conta corrente da esposa do devedor, casados sob o regime da comunhão universal de bens, resguardando-se a respectiva meação.
No regime da comunhão universal, todos os bens que os cônjuges adquirirem antes e durante o matrimônio, bem como as respectivas dívidas, pertencerão a ambos, com exceção do disposto nos incisos I a V do art. 1.668 do Código Civil (CC).
De acordo com a doutrina, “através da comunhão universal forma-se uma massa patrimonial única para o casal, estabelecendo uma unicidade de bens, atingindo créditos e débitos e comunicando os bens pretéritos e futuros. Cessa a individualidade do patrimônio de cada um, formando-se uma universalidade patrimonial entre os consortes, agregando todos os bens, os créditos e as dívidas de cada um. É uma verdadeira fusão de acervos patrimoniais, constituindo um condomínio. Cada participante terá direito à meação sobre todos os bens componentes dessa universalidade formada, independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois das núpcias, a título oneroso ou gratuito”.
Dessa maneira, formando-se um único patrimônio entre os consortes, o qual engloba todos os créditos e débitos de cada um individualmente, com exceção das hipóteses do art. 1.668 do CC, revela-se perfeitamente possível a constrição judicial de bens do cônjuge do devedor, casados sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que não tenha sido parte no processo, resguardada, obviamente, a sua meação.
Não há que se falar em responsabilização de terceiro (cônjuge) pela dívida do executado, pois a penhora recairá sobre bens de propriedade do próprio devedor, decorrentes de sua meação que lhe cabe nos bens em nome de sua esposa, em virtude do regime adotado.
Caso a medida constritiva recaia sobre bem de propriedade exclusiva do cônjuge do devedor, o meio processual para impugnar essa constrição, a fim de se afastar a presunção de comunicabilidade, será pela via dos embargos de terceiro, a teor do que dispõe o art. 674, § 2º, inciso I, do Código de Processo Civil, cabendo à esposa o ônus de comprovar isso.
Informações Adicionais
Legislação
Código Civil (CC), arts. 1.667 e 1.668, I a V
Código de Processo Civil (CPC), art. 674, § 2º, I
Processo
REsp 2.038.495-GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por maioria, julgado em 20/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL, DIREITO AGRÁRIO
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Contrato de parceria rural agrícola. Cédula de produto rural. Registro anterior. Contrato ainda não registrado. Ausência de efeitos perante terceiros. Publicidade. Segurança jurídica. Boa-fé objetiva. Frustração da confiança. Expectativa legítima.
Destaque
Em contrato de parceria agrícola, o penhor sobre os frutos outorgado em benefício de terceiro prevalece sobre o direito da parceira outorgante, uma vez que as cédulas do produto rural foram registradas anteriormente à celebração da parceria, devendo prevalecer a boa-fé no negócio jurídico.
Informações do Inteiro Teor
A controvérsia está em decidir se o penhor sobre os frutos de parceria agrícola, constituído exclusivamente pelo parceiro outorgado em favor de terceiro, depende de consentimento do parceiro outorgante para recair sobre a sua cota, na hipótese em que o contrato de parceria foi firmado antes, mas registrado depois da garantia.
O art. 56 do Decreto n. 59.566/1966 não inclui, em sua redação, a eventual negociação jurídica anterior, devidamente registrada, referente à expedição de cédula de produto rural, portanto não se pode partir da presunção de que tal redação legal obrigatoriamente despreza uma entabulação como essa, pois tal proceder deixaria de respeitar princípios jurídicos de um negócio jurídico probo, como a boa-fé, a confiança legítima depositada entre as partes e a segurança jurídica.
O dispositivo em comento em nenhum momento afirma que a ausência de consentimento em contrato não registrado atinge anterior cédula de produto rural devidamente registrada, situação na qual não tinha como o terceiro prejudicado saber que anterior negociação eventualmente poderia ter sido entabulada. Então, tal possibilidade de situação fática, qual seja, anterior registro de cédula de produto rural, não está prevista na exceção inserta no referido dispositivo legal, não podendo haver dedução de tal conclusão jurídica desconectada dos princípios que regem o proceder das contratações, conforme o sistema civil previsto no Código Civil.
Conforme o princípio da boa-fé objetiva, brocardo jurídico sustentáculo do desenho dos negócios jurídicos, deve-se garantir confiança e expectativas legítimas entre as partes em todas as fases da contratação. É relevante lembrar do teor do art. 422 do Código Civil, o qual nos ensina que os contratantes são obrigados a guardar os princípios de probidade e boa-fé, tanto na conclusão do contrato como em sua execução.
Assim, não se pode perquirir tão somente acerca da segurança jurídica dos contratantes do contrato de parceria agrícola, mas também se deve levar em conta a segurança jurídica do contratante da cédula de produto rural que, mediante conduta pautada pela boa-fé, entabulou negócio jurídico, sem nenhuma ciência de outros terceiros que pudessem ser afetados, até por que não tinha como sabê-lo. Se o contrato de parceria rural nem sequer havia sido registrado, era impossível, o conhecimento por parte de terceiros. Ademais, a Lei n. 6.015/1973 prescreve que o registro determina a prioridade do título.
Informações Adicionais
Legislação
Código Civil (CC), art. 422
Decreto n. 59.566/1966, art. 56
Lei n. 6.015/1973
Processo
REsp 2.066.868-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Procedimento. Prazo para formulação do pedido principal. Inobservância. Medida concedida. Perda da eficácia. Extinção sem exame do mérito.
Destaque
Não atendido o prazo legal de 30 dias para formulação do pedido principal em tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a medida concedida perderá a sua eficácia e o procedimento de tutela antecedente será extinto sem exame do mérito.
Informações do Inteiro Teor
O autor, conforme o CPC/2015, no âmbito da tutela provisória de urgência de caráter antecedente, tem o ônus de deduzir o pedido principal no prazo de 30 dias da efetivação da tutela cautelar (art. 308).
A controvérsia a respeito da natureza do prazo de 30 dias da efetivação da tutela cautelar (art. 308), isto é, se processual ou decadencial, instaurou-se em razão das alterações promovidas pelo novo diploma processual civil no procedimento para requerimento de medidas cautelares antes da formulação do pleito de concessão da tutela definitiva satisfativa.
O CPC/2015, ao estabelecer que o pedido principal deverá ser formulado nos mesmos autos em que requerida a tutela cautelar antecedente (art. 308), inovou no ordenamento jurídico, extinguindo a autonomia do processo cautelar. O prazo de 30 dias não é mais destinado ao ajuizamento de uma nova ação para buscar a tutela do direito assegurado pela medida cautelar, mas à formulação do pedido de tutela definitiva no processo já existente. Ou seja, a dedução do pedido principal é um ato processual, que produz efeitos no processo em curso.
Consequentemente, o lapso temporal previsto no art. 308 do CPC/2015 têm natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015). Nesse sentido, a doutrina disciplina que é “mais adequado classificá-lo como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual). (…). Aplica-se para a contagem do trintídio o art. 224 do CPC, excluindo-se o dia do começo (efetivação) e incluindo-se o dia do final. E aplica-se, também, o disposto no art. 219 do CPC, vez que se trata de prazo para a prática de ato processual (formulação do pedido principal), sendo, portanto, contado em dias úteis”.
Anota-se, ainda, a lição doutrinária de que “a concessão e efetivação da tutela cautelar, em caráter antecedente, impõe ao autor o ônus processual de formular o requerimento do pedido principal no prazo de trinta dias, sendo esse prazo preclusivo, não permitindo dilatação, a não ser em virtude de justa causa (art. 223, caput) (…). Na contagem dos prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis (art. 219, caput), com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento (art. 224, caput), salvo se esses dias forem não úteis, caso em que serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, bem assim se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica (art. 224, § 1º). Essas normas devem ser observadas também no procedimento urgente cautelar”.
Em julgamento recente, a Quarta Turma do STJ, no REsp n. 1.763.736/RJ, examinou a presente questão, oportunidade em que decidiu pela natureza processual e não decadencial do prazo de 30 dias instituído no art. 308 do CPC/2015.
Não atendido o prazo legal, a medida cautelar concedida perderá a sua eficácia (art. 309, I, do CPC/2015) e o procedimento de tutela cautelar antecedente será extinto sem exame do mérito. Em verdade, “a extinção opera ipso jure, cabendo ao juiz simplesmente declará-la, pondo fim ao processo sem resolução do mérito”. “Inexiste sentido para a preservação do curso do pedido de cautelar antecedente após o trintídio legal, mormente porque a parte poderá, oportunamente, apresentar o pedido principal em outra demanda”.
Desse modo, efetivada integralmente a tutela cautelar requerida em caráter antecedente, incumbe ao autor formular o pedido principal dentro de 30 dias, o qual é contado na forma do art. 219 do CPC/2015, sob pena de perda da eficácia da tutela provisória e de extinção do procedimento sem resolução do mérito.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Civil (CPC), arts. 308 e 309, I
QUARTA TURMA
Processo
REsp 1.833.445-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, Dje 22/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO FALIMENTAR
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Falência. Decreto-Lei 7.661/1945. Diretores. Responsabilidade pelos atos de quebra. Não reconhecimento. Extensão dos efeitos. Impossibilidade. Autonomia patrimonial da sociedade.
Destaque
A responsabilidade solidária e a extensão dos efeitos da falência ao sócio diretor de sociedade anônima somente são admitidas mediante declaração em sentença prévia proferida em processo autônomo reconhecendo a prática de atos que tenham resultado na quebra da pessoa jurídica.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a determinar, na vigência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, a possibilidade de estender aos diretores os efeitos da falência, se não houve constatação de responsabilidades desses pela falência da sociedade.
A responsabilidade pessoal do sócio da pessoa jurídica submetida ao procedimento falimentar tem como pressuposto a subsidiariedade decorrente da separação de personalidades e, por consequência, de patrimônio. Assim, não pode a personalidade civil da pessoa física do sócio ser confundida com a personalidade jurídica da pessoa jurídica, sob pena de se estabelecer verdadeira confusão patrimonial acerca das obrigações contraídas, em especial daquelas oriundas do procedimento falimentar. Essa dualidade de personalidades da pessoa física e da pessoa jurídica impõe, como regra, a orientação acerca da incomunicabilidade entre o patrimônio do sócio e o patrimônio da sociedade empresarial.
No caso das sociedades de responsabilidade limitada, a responsabilização dos sócios e administradores da sociedade falida, via de regra, pode ocorrer em duas situações distintas. A primeira diz respeito aos atos praticados perante a sociedade, o que acarretaria a responsabilidade perante a massa falida, exigindo-se, para tanto, ação de responsabilidade própria, nos termos do art. 6º do Decreto-Lei n. 7.661/1945. A segunda diz respeito à responsabilidade dos sócios perante os credores da massa, o que exigiria procedimento incidente relacionado à desconsideração da personalidade jurídica, conforme disposto no art. 82 da Lei n. 11.101/2005.
As duas hipóteses não se confundem, mas ambas exigem a caracterização específica da responsabilidade, motivo pelo qual a incidência da solidariedade do art. 37 do Decreto-Lei n. 7.661/1945 não pode se dar de forma automática nos autos.
Dessa maneira, a ausência de processo autônomo em que se tenha comprovado a existência de responsabilidade pela prática de atos que tenham relação direta ou indireta com a quebra da sociedade empresária inviabiliza o reconhecimento da solidariedade a respeito das obrigações oriundas do procedimento falimentar, o que impede a extensão dos efeitos da falência aos sócios diretores e a manutenção da anotação de seus nomes junto ao cartório extrajudicial.
Não há cabimento para a responsabilidade objetiva do sócio de responsabilidade limitada, sem que tenha sido demonstrada a prática de atos de falência ou o descumprimento de deveres no bojo do procedimento falimentar.
Informações Adicionais
Legislação
Decreto-Lei n. 7.661/1945, arts. 6°, 14, 37 e 136
Processo
REsp 1.822.287-PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Embargos de declaração. Prazo. Interrupção. Apresentação de defesa. Art. 1.026 do Código de Processo Civil. Interpretação extensiva. Não cabimento. Art. 994 do CPC. Rol taxativo. Impugnação a cumprimento de sentença. Prazo. Não interrupção.
Destaque
Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do Código de Processo Civil a fim de estender o significado de recurso a quaisquer defesas apresentadas.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a determinar se a oposição de embargos de declaração interrompe o prazo para apresentação de qualquer defesa, em interpretação extensiva do art. 1.026 do Código de Processo Civil, segundo o qual, “os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso”.
Essa espécie de interpretação decorre da carência de amplitude da lei, que não abrange o necessário para atender o caso concreto. Trata-se de uma técnica interpretativa na qual o magistrado amplia o sentido da norma, de forma a alcançar uma situação que, a princípio, não seria objeto dela. Ela não cria direito novo, mas apenas identifica o verdadeiro conteúdo e alcance da lei, que não teria sido suficientemente expresso no texto normativo.
Nessa perspectiva, é forçoso concluir pelo não cabimento de interpretação extensiva da regra contida no art. 1.026 do CPC, sob pena de verdadeira usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o termo “recurso” não dá margem para o intérprete validamente extrair o sentido de “defesa ajuizada pelo devedor”.
No mais, esta Corte Superior possui entendimento pacífico de que o rol de recursos, previsto no art. 994 do CPC, é taxativo. Assim, por serem taxativas as hipóteses legais de recurso, não é possível atribuir interpretação extensiva ao texto normativo. Desse modo, confere-se previsibilidade e coerência na aplicação da lei, em observância à segurança jurídica que deve permear a hermenêutica das normas processuais.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 994 e 1.026
Processo
REsp 2.053.868-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Cumprimento de sentença. Parte executada. Fase de conhecimento. Procurador. Não constituição. Revelia. Verificação. Intimação. Imprescindibilidade. Carta com Aviso de Recebimento (AR). Expressa disposição legal.
Destaque
É imprescindível a intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença, devendo ser realizada por intermédio de carta com Aviso de Recebimento (AR) nas hipóteses em que o executado estiver representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a determinar se é necessária a intimação da parte executada na fase de cumprimento de sentença, quando, apesar de citada na fase de conhecimento, não constitui procurador, verificando-se a revelia.
O artigo 513, § 2º, II, do Código de Processo Civil (CPC/2015) dispõe que o devedor será intimado para cumprir a sentença “por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV”.
A norma processual é clara e não permite nenhum outro entendimento a respeito do tema, sendo, por conseguinte, causa de nulidade a ausência de intimação da parte revel em fase de cumprimento de sentença, não obstante ter sido devidamente citada na ação de conhecimento.
Portanto, nas hipóteses em que o executado revel estiver sendo representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos, a intimação deve ocorrer por carta com Aviso de Recebimento (AR).
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Civil (CPC/2015, art. 513, § 2º, II
QUINTA TURMA
Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/6/2023, DJe 7/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Acordo de não persecução penal. Oferecimento. Discricionariedade do parquet. Pedido de sobrestamento do julgamento de ações penais em curso na origem até a apreciação do recurso interposto perante o órgão superior do Ministério Público. Inviabilidade. Inexistência de previsão legal. Recurso administrativo sem efeito suspensivo. Manifestação revisora do órgão superior do Ministério Público atendida. Art. 28-A, § 14, do CPP.
Destaque
No caso de recusa de oferecimento do acordo de não persecução penal pelo representante do Ministério Público, o recurso dirigido às instâncias administrativas contra o parecer da instância superior do Ministério Público não detém efeito suspensivo capaz de sustar o andamento de ação penal.
Informações do Inteiro Teor
O § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal garantiu a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos a órgão superior do Ministério Público nas hipóteses em que a acusação tenha se recusado a oferecer a proposta de Acordo de Não Persecução Penal na origem.
No caso, verifica-se que, diante da recusa do representante do Ministério Público Federal em primeiro grau para propor o acordo, a defesa pugnou pela reapreciação do tema pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – MPF, o que foi deferido no próprio âmbito administrativo.
Contudo o órgão superior do Ministério Público ratificou o entendimento acerca da impossibilidade concreta da propositura do acordo aos acusados. Nesse caso, por ausência de previsão legal, afasta-se a obrigatoriedade de suspensão das duas ações penais em curso na origem diante da pendência do julgamento de recurso administrativo interposto pela defesa no âmbito interno do Ministério Público Federal. Isso porque cumpre ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a propositura, ou não, do ANPP (art. 28-A do CPP).
Além disso, não há ilegalidade pelo fato de o órgão acusatório sequer ter iniciado diálogo com a defesa sobre o tema, notadamente porque, de forma fundamentada, explicitou as razões pelas quais entendeu não ser viável a propositura do acordo. O oferecimento submete-se à discricionariedade do Ministério Público como titular da ação penal. Não constitui direito subjetivo do acusado a oferta do acordo. Por fim, também não cabe ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público a obrigação de ofertá-lo.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A, § 14
SEXTA TURMA
Processo
REsp 2.037.491-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Redução das desigualdades Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Tráfico de drogas. Silêncio do acusado na etapa investigativa seguido de negativa de comissão do delito em juízo. Violação direta do art. 186 do CPP. Raciocínio probatório enviesado. Equivocada facilitação probatória para a acusação a partir de injustificada sobrevaloração do testemunho dos policiais. Múltiplas injustiças epistêmicas contra o réu. Insatisfação do standard probatório próprio do Processo Penal.
Destaque
O exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las.
Informações do Inteiro Teor
O direito ao silêncio, enumerado na Constituição Federal como direito de permanecer calado, é sucedâneo lógico do princípio nemo tenetur se detegere. Nesse sentido, é equivocado qualquer entendimento de que se conclua que seu exercício possa acarretar alguma punição ao acusado. A pessoa não pode ser punida por realizar um comportamento a que tem direito. O art. 5º, inc. LXIII, da CF, não deixa dúvidas quanto à não recepção do art. 198 do CPP, quando diz que o silêncio do acusado, ainda que não importe em confissão, poderá se constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Esse reprovável subterfúgio processual foi enfrentado no julgamento do HC 330.559/SC, em 2018. Consta, na ementa daquela decisão que: “3. Na verdade, qualquer pessoa ao confrontar-se com o Estado em sua atividade persecutória, deve ter a proteção jurídica contra eventual tentativa de induzir-lhe à produção de prova favorável ao interesse punitivo estatal, especialmente se do silêncio puder decorrer responsabilização penal do próprio depoente”. (HC n. 330559/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 9/10/2018).
No caso, a absolvição em primeira instância foi revista pelo Tribunal que, acolhendo a apelação interposta pela acusação, condenou o réu pela prática do delito incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Na linha argumentativa desenvolvida a negativa do réu em juízo quanto à comissão do delito seria estratégia para evitar a condenação. As exatas palavras utilizadas no acórdão recorrido foram que: “Fosse verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o réu a teria apresentado perante a autoridade policial, quando entretanto, valeu-se do direito constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um lado não pode prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa é mera tentativa de se livrar da condenação”. Houve, portanto, violação direta ao art. 186 do CPP.
O raciocínio enviesado que concedeu inequívoco valor de verdade à palavra dos policiais e que interpretou a negativa do acusado em juízo como mentira, teve o silêncio do réu em sede policial como ponto de partida. A instância de segundo grau erroneamente preencheu o silêncio do réu com palavras que ele pode nunca ter pronunciado, já que, do ponto de vista processual-probatório, tem-se apenas o que os policiais afirmaram haver escutado, em modo informal, ainda no local do fato.
Decidiu o Tribunal estadual, então, que, se de um lado havia razões para crer que o réu mentia em juízo, de outro, estavam os desembargadores julgadores autorizados a acreditar que os policiais é que traziam relatos correspondentes à realidade, ao afirmarem: 1) que avistaram o acusado descartando as drogas que foram encontradas no chão, 2) que a balança de precisão que estava no interior de um carro abandonado seria do acusado e, adicionalmente, 3) que ainda na cena do crime, o recorrente haveria confessado informalmente que, sim, traficava.
Essa narrativa toma como verídica uma situação em que o investigado ofereceu àqueles policiais, desembaraçadamente, a verdade dos fatos, em retribuição à empatia com que fora tratado por eles; como se houvesse confidenciado um segredo a novos amigos, e não confessado a prática de um delito a agentes da lei. Se é que de fato o acusado confirmou para os policiais que traficava por passar por dificuldades financeiras, é ingenuidade supor que o tenha feito em cenário totalmente livre da mais mínima injusta pressão.
O Tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos.
Nesse contexto, é preciso reconhecer que, se se pretende aproveitar a palavra do policial, impõe-se a exigência de respaldo probatório que vá além do silêncio do investigado ou réu. O silêncio não descredibiliza o imputado e não autoriza que magistrados concedam automática presunção de veracidade às versões sustentadas por policiais.
Por fim, ante a manifesta escassez probatória que – em violação ao art. 186 do CPP – se extraiu do silêncio do acusado inferências que a lei não autoriza extrair, impõe-se reconhecer que o standard probatório próprio do processo penal, para a condenação, não foi superado.
Informações Adicionais
Legislação
Constituição Federal (CF), art. 5º, LXIII
Código de Processo Penal (CPP), art. 186
Lei n. 11.343/2006, art. 33, caput
Processo
AgRg no HC 805.493-SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 20/6/2023, DJe 23/6/2023.
Ramo do Direito
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema
Prisão preventiva. Mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos. Tráfico de entorpecentes. Garantia da ordem pública. Gravidade concreta. Quantidade de droga. Prisão domiciliar. Fundamentação idônea para negar o pleito. Crime cometido dentro da residência da agravante. Caso dos autos encontrado nas exceções estabelecidas pelo STF no HC 143.641/SP. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância.
Destaque
O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do CPP, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
Informações do Inteiro Teor
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que a validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
Não bastasse a compreensão já sedimentada nesta Casa, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 143.641/SP, concedeu habeas corpus coletivo “para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício (…)” (STF, HC 143.641/SP, relator Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 21/2/2018).
No caso, a prisão preventiva está justificada, pois, segundo a decisão que a impôs, foi apreendida grande quantidade e variedade de drogas, a saber, 2kg (dois quilos) de maconha, 8g (oito gramas) de crack e 18g (dezoito gramas) de cocaína. Dessarte, evidenciadas a periculosidade da ré e a necessidade da segregação como forma de acautelar a ordem pública. Ademais, o decreto de prisão preventiva salienta que, embora a autuada não possua antecedentes criminais, a elevada quantidade de drogas apreendidas invibializa a concessão da liberdade provisória (art. 310, II, CPP).
Com efeito, a negativa da prisão domiciliar à acusada teve como lastro o fato de o delito ter sido cometido em sua própria residência, com armazenamento de grande quantidade e variedade de drogas em ambiente onde habitava com os filhos, colocando-os em risco, circunstância apta a afastar a aplicação do entendimento da Suprema Corte.
Informações Adicionais
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 318, V
A Seção de Informativo de Jurisprudência – SIJUR informa que, após a publicação da edição n. 778, retificou o destaque da nota referente ao AgInt nos EAREsp 1.817.714-SC, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 15/3/2023.
Para conferir, clique aqui.