Golden Cross é condenada a pagar mais de 45 mil reais a herdeiros de segurada

A segurada teve negada cobertura do plano de saúde para tratamento de câncer no pâncreas
A 2ª Turma Cível confirmou sentença da juíza da 13ª Vara Cível de Brasília, que condenou a Golden Cross a ressarcir despesas com cirurgia, tratamento quimioterápico e medicamento aos herdeiros de uma segurada falecida em consequência de câncer no pâncreas. Além das despesas materiais, no valor de R$ 25.512,00, a empresa foi condenada a pagar 20 mil reais a título de danos morais por ter se negado a prestar assistência médico-hospitalar à associada, que mantinha plano de saúde com a ré desde 1992.
Consta dos autos que, em 2004, a autora foi acometida por um câncer no pâncreas, tendo que se submeter a cirurgia de emergência. Buscou a cobertura da Golden Cross, mas foi informada que o plano não cobriria o tratamento, já que tanto o médico quanto o hospital responsáveis pelo procedimento cirúrgico não eram credenciados. Diante da negativa, a autora informou e comprovou que arcou com todas as despesas médicas, hospitalares e quimioterápicas. Pelos transtornos sofridos, requereu na Justiça indenização por danos morais no valor de 100 mil reais.
No decorrer do processo, ajuizado em 2005, a autora veio a óbito e seus herdeiros necessários passaram a figurar no pólo ativo da demanda. De acordo com a juíza de 1ª Instância, “a despeito da morte da autora, não há que se falar em perda do objeto do pleito, haja vista persistir, em tese, o dever de a ré arcar com o tratamento e conceder os medicamentos até a data efetiva do óbito”.
Em contestação, a Golden Cross alegou impossibilidade jurídica do pedido sob o argumento de que a prestação de assistência à saúde é moldada por obrigação pontual definida pelas cláusulas contratuais livremente celebradas, em perfeita adequação e vigência ao princípio da autonomia da vontade civil do contratante. Não poderia, também, arcar com o tratamento quimioterápico sob pena de quebra do contrato entabulado entre as partes.
Ao decidir o processo, a magistrada deferiu, em parte, os pedidos formulados na inicial, concedendo integralmente o ressarcimento dos danos materiais e arbitrando a indenização por danos morais em 20 mil reais. Na sentença, a juíza esclarece que a relação entre as partes rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor e que o contrato entabulado entre elas feriu de forma direta o art. 54, § 4º, do CDC, ao colocar o consumidor em desvantagem exagerada perante o fornecedor.
A Golden Cross recorreu da decisão, mas a 2ª Turma Cível, à unanimidade, manteve a condenação.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.656/98. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO OXIPLATINA. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO E CIRURGIA. AÇÃO COMINATÓRIA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. A expressa previsão constitucional de proteção ao consumidor, mais precisamente nos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, inciso V, consubstanciada na Política Nacional das Relações de Consumo, objetiva resguardar as necessidades e os interesses dos consumidores. Sob tal perspectiva, contratos de prestação de assistência médico-hospitalar devem ser lidos sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos artigos 2º e 3º da referida legislação. Esse é o entendimento já consolidado na doutrina e na jurisprudência.
2. Contrato de plano de saúde celebrado antes da vigência da Lei n. 9.656/98; as regras insertas na referida lei só se aplicam aos contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como para os contratos que, celebrados anteriormente, foram adaptados para seu regime (REsp 735.168/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 11/03/2008, DJe 26/03/2008). Não devem prevalecer, portanto, as disposições da citada legislação naqueles contratos em que, em decorrência da autonomia da vontade, foram mantidos nos seus termos originais. Esse é o postulado do art. 35 do referido diploma legal, o qual faculta aos consumidores com contratos anteriores à vigência da lei a possibilidade de optar pela adequação do ajuste ao novo sistema previsto. Dessa maneira, a contrario sensu, as avenças que voluntariamente não forem adaptadas estão excluídas do âmbito de incidência da Lei n. 9.656/98.
3. Os contratos de plano de saúde que não se submetem ao regime da Lei n. 9.656/98 são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque o CDC regula os efeitos presentes de ajustes de trato sucessivo em razão da natureza pública e do interesse social de seu conteúdo. Não se trata de hipótese de retroatividade da lei, alcançando relações jurídicas perfeitas à luz da legislação anterior, mas considera-se o alcance das normas consumeristas a negócio jurídico automaticamente renovado perante a nova lei, em face de sua execução continuada. Não há, pois, qualquer afronta ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI).
4. Não é razoável que a fornecedora do serviço decida, segundo critérios exclusivamente seus, quando irá se obrigar ou não a reembolsar o consumidor. Tal disposição viola o princípio da boa-fé objetiva, inerente às relações jurídicas de consumo, pois a seguradora, valendo-se da sua posição privilegiada, não pode se negar a indenizar serviços médicos prestados em estados emergenciais.
5. Devem ser extirpadas do contrato as cláusulas eivadas de vícios, violadoras do Diploma Consumerista, e deferido o reembolso postulado porque a pretensão amolda-se à boa-fé objetiva e à equidade contratual regentes das relações de consumo. Ademais, deve-se destacar que as cláusulas que excluem coberturas, em sede de pactos de assistência médico-hospitalar, devem ser interpretadas de acordo com as expectativas criadas pelo conjunto das disposições contratuais.
6. A caracterização do dano moral independe da comprovação de inquietações anímicas ou de prejuízos materiais. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que o dano moral é in re ipsa. O dano moral emerge da conduta lesionadora, prescindindo de prova. Para o homem de bem, ser considerado mau pagador constitui dano moral que merece ressarcimento.
7. A injusta negativa de reembolso da cirurgia oncológica, bem como posterior recusa indevida ao custeio do tratamento quimioterápico, no momento em que a consumidora mais necessitava dos serviços da fornecedora de assistência médico-hospitalar, não pode ser encarada como mero dissabor do cotidiano. A tranquilidade e o bem-estar da paciente são essenciais para o sucesso do tratamento médico. Assim, as preocupações decorrentes da quebra da boa-fé e da lealdade contratual por parte da ré indubitavelmente ocasionaram dano moral à autora.
8. Para a fixação do quantum indenizatório devido a título de danos morais, a jurisprudência pátria tem consagrado a dupla função: compensatória e penalizante, bem assim que a referida verba deve ser arbitrada com moderação, evitando o enriquecimento sem causa. Indenização por danos morais fixada no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
9. Recurso conhecido, negou-se-lhe provimento

Nº do processo: 2005011001355-4

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