Funcionários anistiados da Conab ganham recomposição salarial no TST

Os funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) beneficiados pela anistia aos demitidos durante o Governo Collor têm direito à recomposição de nível salarial concedida pela empresa aos trabalhadores em atividade no período em que estiveram afastados. O entendimento é da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que acompanhou voto do ministro José Roberto Freire Pimenta.
No recurso analisado pela Turma, o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região pediu para que os cinco níveis de reenquadramento salarial concedidos sem necessidade de avaliação de desempenho entre 1994 e 1995 a todos os empregados em atividade na Conab (período de afastamento dos funcionários anistiados), fossem estendidos a esses trabalhadores a partir das suas respectivas datas de retorno. Nas instâncias ordinárias, a ação civil coletiva do MPT foi julgada improcedente, porque seria incompatível com o artigo 6º da Lei nº 8.878/1994 (Lei de Anistia) e com a Orientação Jurisprudencial Transitória nº 56 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, que estabelecem que os efeitos financeiros da anistia são devidos apenas a partir do efetivo retorno à atividade, proibindo a remuneração em caráter retroativo.
O julgamento no TST
Contudo, na avaliação do ministro José Roberto Freire Pimenta, o Ministério Público não pleiteou salários ou vantagens relativas ao período em que os empregados anistiados estavam afastados, e sim que os anistiados fossem readmitidos nos mesmos níveis salariais dos colegas de trabalho ocupantes dos mesmos cargos e funções que continuaram trabalhando, e o pagamento das consequentes diferenças salariais a partir das datas de retorno ao serviço. Para o relator, o MPT buscou tratamento isonômico entre os empregados dispensados e que retornaram à empresa após a anistia e os que permaneceram em atividade, pois a questão dizia respeito a vantagens (cinco níveis promocionais) concedidas genericamente ao conjunto dos trabalhadores da Conab no período de afastamento dos anistiados. Portanto, segundo o ministro, não é possível afirmar que a ação do MPT esbarra nas restrições da Lei de Anistia ou da orientação do TST.
O relator explicou que o artigo 1º da Lei nº 8.878/1994 concedeu anistia aos servidores públicos civis federais e aos empregados permanentes de empresas públicas e sociedades de economia mista demitidos no período de 16/03/1990 a 30/09/1992 por motivação política ou em decorrência de greve. E enquanto o artigo 2º da mesma lei assegurou o retorno do anistiado ao serviço no cargo ou emprego anteriormente ocupado, o artigo 6º vedou a geração de efeitos financeiros antes da data do efetivo retorno do anistiado à atividade e a remuneração em caráter retroativo.
De qualquer modo, como anistia significa perdão e esquecimento, ponderou o relator, a interpretação das leis de anistia não pode ser restritiva. Ao contrário, deve ser a mais ampla e generosa possível em favor dos anistiados, sob pena de não lhes dar eficácia e frustrar sua finalidade. Se, por um lado, não existe dúvida de que a Lei nº 8.878/1994 proíbe efeitos financeiros retroativos da anistia em discussão, por outro, não seria razoável a conclusão de que as vantagens de caráter geral concedidas aos empregados em atividade no período de afastamento dos anistiados não se aplicam ao pessoal readmitido porque a lei veda, afirmou o ministro.
Ainda de acordo com o relator, do ponto de vista jurídico, o período de afastamento do pessoal anistiado deve ser considerado como de suspensão do contrato de trabalho, quando não há obrigação de o empregado prestar serviços nem de o empregador pagar salários. Nessas condições, o ministro entende que deve ser aplicado ao caso o artigo 471 da CLT, que garante ao empregado afastado todas as vantagens atribuídas à categoria a qual pertence na empresa.
Assim, o ministro José Roberto Freire Pimenta concluiu que não se justifica o enquadramento dos empregados afastados em patamar inferior ao conjunto dos trabalhadores que desenvolvem a mesma função na empresa, pois caracterizaria uma situação anti-isonômica e discriminatória.
Ao final, o relator condenou a Conab a fazer o enquadramento dos empregados anistiados que retornaram ao serviço considerando os cinco níveis de progressão funcional que haviam sido concedidos aos trabalhadores em atividade no período do afastamento. O relator esclareceu ainda que as diferenças salariais devidas pela empresa serão calculadas a partir da data do efetivo retorno de cada anistiado ao emprego e que a recomposição salarial também beneficia os empregados aposentados.
A decisão da Segunda Turma foi unânime, com ressalva parcial de entendimento do ministro Guilherme Caputo Bastos, que defendeu o direito dos trabalhadores pelo fundamento da concessão das vantagens de caráter objetivo.
O recurso ficou assim ementado:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL COLETIVA. ANISTIA. LEI Nº 8.878/94. VANTAGENS DE CINCO NÍVEIS SALARIAIS SUCESSIVAMENTE CONCEDIDAS EM CARÁTER GERAL, PARA RECOMPOSIÇÃO SALARIAL, A TODOS OS TRABALHADORES DA CONAB, NO DECORRER DO PERÍODO DE AFASTAMENTO DE CADA ANISTIADO, ANTES DE SUA READMISSÃO AO SERVIÇO E DURANTE A SUSPENSÃO DE SEU CONTRATO DE TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DAS LEIS DE ANISTIA E CONCESSÃO DESSAS VANTAGENS AOS EMPREGADOS ANISTIADOS A PARTIR DA DATA DE SEU EFETIVO RETORNO AO SERVIÇO, SEM QUALQUER PAGAMENTO RETROATIVO. APLICABILIDADE DO ARTIGO 471 DA CLT, SEM CONTRARIEDADE À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL TRANSITÓRIA Nº 56 DA SBDI-1 DO TST.

1. A Lei nº 8.878/94, em seu artigo 1º, concedeu anistia aos servidores públicos civis federais, dentre os quais os empregados permanentes de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União, que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido exonerados, demitidos, despedidos ou dispensados com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de norma coletiva de trabalho, por motivação política devidamente caracterizada ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista. Seu artigo 2º, por sua vez, assegurou o retorno do anistiado ao serviço no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação, ficando vedada, por seu artigo 6º, a geração de efeitos financeiros antes da data do seu efetivo retorno à atividade e remuneração desses em caráter retroativo.

2. No caso, o Ministério Público do Trabalho da 10ª Região ingressou com ação civil coletiva em defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos e indisponíveis dos empregados anistiados da CONAB que a ela foram readmitidos por força da Lei nº 8.878/94, noticiando que eles foram readmitidos ao serviço nos mesmos cargos e funções que antes ocupavam sem, no entanto, que lhes houvessem sido assegurados os cinco níveis de reenquadramento salarial que a reclamada incontroversamente concedeu a todos os seus empregados em atividade no decorrer do período de seu afastamento, sob o rótulo de promoções por merecimento , mas de forma linear e com dispensa da avaliação individual de desempenho, postulando a concessão a eles, a partir de suas respectivas datas de retorno ao serviço, das diferenças salariais e suas repercussões nas demais verbas trabalhistas decorrentes daquela recomposição salarial.

3. As instâncias ordinárias julgaram improcedente o referido pedido inicial, por o considerarem incompatível com o artigo 6º da referida Lei de Anistia e com a Orientação Jurisprudencial Transitória nº 56 da SBDI-1 desta Corte, que dispõem que “os efeitos financeiros da anistia concedida pela Lei nº 8.878/94 somente serão devidos a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração em caráter retroativo” . Não atentaram, porém, para a circunstância peculiar, claramente registrada no acórdão regional, de que o Ministério Público do Trabalho em nenhum momento pretendeu que os empregados anistiados da CONAB recebessem salários e demais vantagens relativos ao período em que estiveram afastados do serviço , e sim, tão somente, que fossem eles readmitidos exatamente nos mesmos níveis salariais assegurados, a título de promoções por merecimento, mas de forma linear e sem nenhuma avaliação de desempenho, a todos os seus colegas de trabalho ocupantes dos mesmos cargos e funções e que continuaram em serviço, sendo postulado o pagamento das consequentes diferenças salariais e suas repercussões apenas a partir das datas de seus respectivos retornos ao serviço.

4. Anistia significa perdão e esquecimento: por isso mesmo, e como é absolutamente consensual na doutrina mais autorizada de Pontes de Miranda, Carlos Maximiliano e Heleno Cláudio Fragoso, a interpretação das leis de anistia não pode ser restritiva, devendo ser, ao contrário, a mais ampla e generosa possível em favor dos anistiados, sob pena de não se lhes dar a devida eficácia, especialmente em face dos motivos que terão ensejado sua edição.

5. A readmissão dos empregados anistiados em cinco níveis salariais abaixo daqueles em que se encontram enquadrados os demais empregados da reclamada que atuam nos mesmos cargos e funções não se afigura justificada , nem razoável, causando inexplicável distorção nos próprios quadros funcionais da empresa pública reclamada. Como se sabe, é exatamente a falta de razoabilidade de uma distinção entre dois sujeitos o que caracteriza a existência de uma situação anti-isonômica ou discriminatória.

6. Por fim, não se pode ignorar que, quando o artigo 6º da Lei nº 8.878/94 estabeleceu que a anistia aos empregados por ela beneficiados só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade e vedou sua remuneração em caráter retroativo, assegurando-lhes, desse modo, seu direito apenas à sua readmissão ao serviço (e não sua reintegração), não deixou de lhes assegurar a repristinação do mesmo contrato de trabalho original que cada um deles mantinha com os entes públicos federais (tanto que é absolutamente pacífico que seu retorno ao serviço não exige sua nova aprovação em concurso público). Se assim é, o período de seu afastamento do serviço (ou seja, o período depois de sua dispensa e antes de seu retorno ao trabalho), deve, necessariamente, ser considerado, do ponto de vista jurídico, um período de genuína suspensão do único contrato de trabalho mantido pelas partes (em que, como se sabe, não há, por parte do empregado, a obrigação de prestar serviços, mas também, em contrapartida e como regra geral, não há obrigação, por parte do empregador, de lhe pagar salários). Isso, por sua vez, exige que se observe o disposto no artigo 471 da CLT , que, na qualidade de regra geral aplicável a todos os casos de suspensão e de interrupção do contrato de trabalho e que foi editada exatamente com a finalidade de dar aplicação prática ao princípio da isonomia nessas situações, dispõe que “ao empregado, afastado do emprego, são asseguradas, por ocasião de sua volta, todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa” – fundamento legal que, aplicando-se ao caso dos autos, é por si só mais do que suficiente para determinar a procedência do pedido inicial em exame.

7. Na hipótese, portanto, não há nenhuma incompatibilidade da pretensão inicial em tela com a Lei da Anistia e a Orientação Jurisprudencial Transitória nº 56 da SBDI-1 desta Corte, sendo perfeitamente possível, após o conhecimento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, condenar a reclamada a proceder ao enquadramento funcional e salarial de todos os empregados anistiados que a ela retornaram ao serviço, nos termos da Lei nº 8.878/94, considerando aqueles cinco níveis de progressão funcional concedidos sob o rótulo de promoção por merecimento, nos termos e para os efeitos do artigo 471 da CLT, bem como a pagar-lhes as diferenças salariais em razão dessas promoções ocorridas, nos termos em que foram concedidas aos seus demais empregados em atividade e somente a partir da data do efetivo retorno de cada anistiado ao emprego, com reflexos desses valores sobre as demais vantagens trabalhistas decorrentes de lei e de normas coletivas de trabalho, parcelas vencidas e vincendas, tudo como se apurar em liquidação .

Recurso de revista conhecido e provido .

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