Especial Meio Ambiente: há 14 anos, STF barrava importação de pneus usados

A decisão, em favor da saúde e do equilíbrio ambiental, foi tomada no julgamento da ADPF 101, que foi objeto da segunda audiência pública realizada na Corte.

Em junho de 2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a importação de pneus usados para serem reformados e revendidos no mercado interno. A questão era bastante polêmica e foi objeto da segunda audiência pública realizada na história da Corte, convocada pela ministra Cármen Lúcia, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101.

A ação foi ajuizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra decisões da Justiça Federal em vários estados e instâncias que permitiram a importação de pneus usados e remoldados. Segundo a AGU, 34 empresas importadoras haviam conseguido autorização judicial para trazer pneus usados da Comunidade Europeia para o Brasil. Elas alegavam incoerência da legislação brasileira, que permitia a compra de membros do Mercosul para insumo e uso em recapeamento, mas proibia a importação de outros países.

Passivo milionário

O governo informou na ação que, apenas em 2005, foram importados cerca de 12 milhões de pneus usados com base em decisões judiciais. O Brasil gerava, naquela época, um passivo de aproximadamente 40 milhões de unidade de pneus usados, e precisava dar a destinação correta a eles, a fim de prevenir danos ambientais maiores.

Audiência pública

A importação de pneus usados era proibida no Brasil desde 1992, quando foi ratificada a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito e publicada a Portaria 138-N do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No ano seguinte, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) reforçou a proibição.

Como o julgamento da ação envolvia questões ambientais, de saúde, econômicas, políticas e sociais, a ministra Cármen Lúcia convocou a audiência pública, realizada em 27 de junho de 2008. Quem defendeu os argumentos apresentados na ação foi o então advogado-geral da União, Dias Toffoli, hoje ministro do STF.

Precaução

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia destacou a necessidade de adotar o princípio da precaução quando está em jogo risco de danos ambientais e à saúde. Esse princípio consta da Declaração do Rio de Janeiro, assinada ao final da ECO/92. “A Constituição brasileira, como todas as que vigoram democraticamente hoje, não confere direitos fundamentais mediante fatura a ser paga com vidas humanas”, afirmou.

Mau negócio

A ministra rechaçou argumentos de alguns países em favor da importação, como a geração de empregos, observando que eles, com problemas ambientais e um passivo de três bilhões de pneus, resolvem vendê-los a preço de miséria para o Brasil. Segundo a relatora, os pneus usados desses países são vendidos a países em desenvolvimento por preços entre 20 e 60 centavos de dólar. “Portanto, não parecem um negócio tão bom”, ressaltou.

Riscos à saúde

Sobre o alegado risco de desemprego, Cármen Lúcia disse que quem mais sofre com a toxicidade dos depósitos de pneus e com os riscos à saúde (dengue, malária) provocados pelo mosquito transmissor dessas doenças, que costuma abrigar-se em pneus velhos, é justamente a parte mais desfavorecida da população. Ela citou estudos mostrando que a decomposição do produto pode levar até 100 anos e que sua desintegração é de alto custo. Além disso, sua queima, que pode durar dias ou meses, libera uma série de resíduos tóxicos.

Lixo ambiental

O ministro Ricardo Lewandowski destacou a proibição da importação de qualquer pneu, inclusive vindos da América do Sul. Joaquim Barbosa e Ayres Britto também acompanharam o entendimento de que se trata de lixo ambiental. Ficou vencido apenas o ministro Marco Aurélio, que fundamentou seu voto no livre exercício de qualquer atividade econômica.

Leia a íntegra do acórdão da ADPF 101

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