Os equipamentos tinham a finalidade de controlar o tempo dos empregados
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou duas empresas de limpeza de Mauá (SP) a indenizar um encarregado de produção que tinha o tempo de uso dos banheiros e vestiários controlado por meio de câmeras de vigilância. Segundo o colegiado, submeter o empregado a vexame, ainda que restrito ao ambiente de trabalho, é comportamento típico de assédio moral.
Constrangimento
O encarregado foi contratado pela microempresa Distrilimp Indústria e Comércio de Produtos de Limpeza e Derivados para prestar serviços à Dona Clara Comércio de Produtos de Limpeza Ltda, do mesmo grupo econômico. Na reclamação trabalhista, ele disse que as câmeras de segurança, instaladas na porta de entrada do banheiro e do vestiário, geravam constrangimento, tolhiam a sua liberdade e seu direito de utilizar o banheiro e feriam sua dignidade. Segundo ele, sempre que o proprietário observava funcionários conversando, ligava para o setor e chamava a atenção.
Segurança
As empresas, em sua defesa, alegaram má-fé do encarregado e sustentaram que as câmeras de circuito interno e externo visavam a segurança física e patrimonial.
Poder diretivo
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Mauá (SP) negou o pedido de indenização, por entender que não se pode concluir que o fato de haver câmeras de vigilância na porta do banheiro e do vestiário viole o direito de personalidade do empregado. Para o juiz, ainda que os equipamentos sejam utilizados também para fiscalizar as atividades dos empregados, isso está dentro do poder diretivo do empregador. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a sentença.
Tratamento desrespeitoso
O relator do recurso de revista do trabalhador, ministro Cláudio Brandão, observou que a satisfação de necessidades fisiológicas é ligada a fatores de natureza pessoal e não pode ser aferida de modo objetivo e, menos ainda, partindo-se do pressuposto de que é uma forma de escamotear a produção. “A boa-fé deve nortear o direcionamento das relações interpessoais e profissionais, e tratar o empregado de forma vil e desrespeitosa não se inclui entre as prerrogativas atribuídas ao empregador, como decorrência do seu poder diretivo”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017 . 1. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. CONFISSÃO FICTA DESCONSTITUÍDA POR PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. SÚMULA Nº 74 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo de instrumento conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa .
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. CONTROLES DE TEMPO E DE USO DOS BANHEIROS E VESTIÁRIOS POR MEIO DE CÂMERAS DE VIGILÂNCIA FIXADAS NO ACESSO DESTAS INSTALAÇÕES. CONFISSÃO FICTA DO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 186 do CC .
3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA NA ADI Nº 5.766. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA . Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 790, §4º, da CLT .
RECURSO DE REVISTA . LEI Nº 13.467/2017 . 1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AOS EMPREGADOS. CARACTERIZAÇÃO. CONTROLES DE TEMPO E DE USO DOS BANHEIROS E VESTIÁRIOS POR MEIO DE CÂMERAS DE VIGILÂNCIA FIXADAS NO ACESSO DESTAS INSTALAÇÕES. CONFISSÃO FICTA DO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na “[…] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral”. Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. A restrição ao uso dos banheiros não pode ser considerada atitude voltada para a produção em si. Evidentemente que abusos podem e devem ser punidos, mas desde que se possa limitar à pessoa que exerceu um direito, mas ultrapassou os seus limites. A satisfação de necessidades fisiológicas é ligada a fatores de natureza pessoal e não pode ser aferida de modo objetivo e menos ainda partindo-se do pressuposto de que representa forma de escamotear a produção. A boa-fé deve nortear o direcionamento das relações interpessoais e profissionais. Tratar o empregado de forma vil e desrespeitosa não se inclui entre as prerrogativas atribuídas ao empregador, como decorrência do seu poder diretivo. No caso , o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela a confissão ficta do empregador no tocante à alegada instalação de câmeras de vigilância no acesso aos banheiros e vestiários, com a finalidade de controlar o tempo de uso destas instalações pelos empregados. Submeter o empregado a vexame, ainda que restrito ao ambiente de trabalho, mostra comportamento típico de assédio moral, perfeitamente indenizável. Evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser reformado o acórdão regional para condenar a ré a indenizá-lo. Recurso de revista conhecido e provido.
2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PARTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. APLICAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA NA ADI Nº 5.766. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA . O exame atento da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 5.766, no contexto dos debates travados durante todo o julgamento e, em especial, a partir do voto do Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, Redator Designado do acórdão, revela que a ratio decidendi admitiu a condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento de honorários sucumbenciais, mas vedou a subtração dos valores dos créditos reconhecidos ao empregado na própria ação, ou mesmo em ação futura, por mera presunção de que a obtenção desses valores lhe retiraria a hipossuficiência econômica . Permanece a suspensão da exigibilidade pelo prazo de 2 anos a partir do trânsito em julgado da condenação . Recurso de revista conhecido e parcialmente provido .
Por unanimidade, a Turma fixou a indenização em R$ 3 mil, com juros e correção monetária.
Processo: RR-1000028-23.2018.5.02.0362