Empresa de navio de cruzeiros terá de indenizar camareira por exigir teste de HIV para admissão

Para a 1ª Turma, a conduta é discriminatória.

A Costa Cruzeiros Agência Marítima e Turismo Ltda., sediada em São Paulo (SP), terá de indenizar em R$ 5 mil uma camareira que, para ser admitida no emprego, teve de realizar teste de HIV. A decisão é da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que considerou a exigência discriminatória.

Intimidade

A camareira trabalhou por menos de um ano no navio e foi dispensada em janeiro de 2017. Um ano depois, ajuizou ação contra a ex-empregadora pedindo a condenação da agência por ter condicionado a contratação à realização de exames pré-admissionais de HIV. Segundo ela, a medida violava sua privacidade e sua intimidade.

Em contestação, a Costa Cruzeiros negou a exigência de realização de exames médicos (HIV e drogas) para a admissão.

Recibos

O caso foi analisado pelo juízo da 7ª Vara de Trabalho de Curitiba, que, em abril de 2021, decidiu de forma favorável à camareira, condenando a empresa a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais. Segundo a sentença, recibos de pagamento dos exames laboratoriais comprovavam a realização do teste de HIV I e II.

Alto-mar

A empresa recorreu, e o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) afastou a condenação. Segundo o TRT, os exames eram exigidos de todos, e a exigência era necessária para garantir a saúde dos próprios empregados, uma vez que os recursos disponíveis em alto-mar são limitados e restritos.

Abusivo

Já para o ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso da camareira ao TST, ficou configurado o dano extrapatrimonial. “Não há razão para a submissão dos trabalhadores a testes de HIV, levando em conta o avanço da medicina quanto ao controle dos sintomas da doença”, assinalou.

O ministro observou que as limitações dos serviços de saúde a bordo eram comuns a toda pessoa embarcada, mas não há registro de que a tripulação deveria se submeter ao mesmo procedimento. “A exigência representa critério abusivo e discriminatório que impede a contratação”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELAS RÉS. VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/17. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. CONTRATO FIRMADO NO BRASIL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.

1. Nos termos do art. 651, § 3º, da CLT, “Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços”.

2. Na hipótese, depreende-se da leitura do acórdão regional que a trabalhadora brasileira foi contratada no Brasil para prestação de serviços em navio de cruzeiro internacional.

3. Logo, tratando-se de trabalhadora brasileira, contratada no Brasil, a competência territorial para julgamento da demanda é da Justiça brasileira.

TRABALHADORA BRASILEIRA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEI DO PAVILHÃO. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR.

1. A ordem jurídica brasileira agasalha, no campo trabalhista, o princípio da norma mais favorável, mas não é possível esquecer a peculiaridade das atividades em embarcações marítimas que navegam em mares internacionais e mantém, convivendo no mesmo ambiente, trabalhadores de diversas nacionalidades e, teoricamente, sujeitos a tratamentos jurídicos diversificados.

2. A adoção de uma legislação única para disciplinar os contratos de trabalho de todos os tripulantes de um navio é providência salutar, na medida em que atende ao princípio universal da isonomia, impede que as contratações levem em consideração a nacionalidade do contratado em coordenação com a maior ou menor proteção conferida pela legislação de determinado país, bem como proporciona maior segurança jurídica aos contratos, valor muito valorizado no âmbito das relações internacionais.

3. O art. 281 da Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n. 18.791/1929) prevê que “as obrigações dos oficiais e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se à lei do pavilhão”, mas o caráter geral dessa Convenção (e do próprio artigo que diz respeito às obrigações dos tripulantes dentro no navio e não aos direitos dos prestadores de serviço contratados) prejudicou a eficácia extensiva da regra, principalmente porque não proporciona proteção aos trabalhadores, possibilitando que armadores (proprietários dos navios) escolham o “pavilhão” do país que tenha uma legislação trabalhista menos onerosa e de menores garantias aos contratados.

4. A lei do pavilhão, referida pelo Código de Bustamante, portanto, constitui regra idealizada para disciplinar as mais variadas condutas e relações jurídicas subjacentes às atividades que ultrapassem as fronteiras de um único país (envolve navios e aeronaves), porém, não é possível estender sua eficácia normativa para além das relações jurídicas definidas na própria Convenção de Direito Internacional Privado.

5. Somente no ano de 2006 foi aprovada a Convenção sobre Trabalho Marítimo, agora sim, voltada para a proteção e garantia de direitos mínimos aos trabalhadores e prestadores de serviço em embarcações com atuação internacional, abrangendo questões relacionadas à segurança e saúde no trabalho, seguridade social, idade mínima, recrutamento, jornada de trabalho e repouso, condições de alojamento, alimentação, instalações de lazer, bem-estar e proteção social.

6. Verifica-se, entretanto, que nem mesmo a Convenção sobre o Trabalho Marítimo impõe a observância da legislação do pavilhão para os prestadores de serviço, tanto que quando trata do contrato de trabalho marítimo (regra A2.1) estabelece, no inciso II, que, “Quando o contrato de trabalho marítimo é constituído total ou parcialmente por uma convenção colectiva, um exemplar dessa convenção deve ficar disponível a bordo. […]”.

7. Significa dizer que, embora seja bastante salutar um tratamento contratual uniforme para todos os prestadores de serviço de um navio, essa uniformidade não é imposta pelo Código de Bustamante, tampouco pela Convenção sobre o Trabalho Marítimo, cabendo ao armador negociar, com a entidade sindical que representa os trabalhadores, um Acordo Coletivo tendente a promover essa almejada isonomia.

8. Na ausência desse instrumento negocial coletivo, cabe ao Poder Judiciário aplicar o regramento normativo próprio e não o do país do pavilhão da embarcação, salvo quando o próprio normativo nacional preveja essa solução.

9. Logo, considerando que o normativo nacional protege o trabalhador brasileiro aqui contratado, ainda que para prestar serviços no exterior, determinando que o contratante observe “a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria” (art. 3º, II, da Lei n. 7.064/82), tem-se como irrefutável a pretensão que, invocando a legislação brasileira, como sendo a mais favorável, objetive a sua incidência.

10. Assim, tendo em conta que a autora, brasileira, foi contratada no Brasil, ainda que para trabalhar em cruzeiro marítimo internacional, prevalece, no caso específico, a legislação brasileira sobre a legislação do pavilhão do navio, por ser mais favorável (premissa firmada no acórdão regional).

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) FIRMADO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT) QUE AFASTA A APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. IMPOSSIBILIDADE.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público do Trabalho (MPT), prevendo a aplicação da legislação do navio, em detrimento da legislação brasileira, não se afigura como instrumento hábil para definir o direito material aplicável às relações de trabalho marítimo internacional, não afastando, portanto, a incidência da legislação nacional.

Agravo de instrumento não provido.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA AUTORA. NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TEMA 339 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF.

1. No Tema 339 de Repercussão Geral, o STF adotou a seguinte tese jurídica: “O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas”.

2. No caso dos autos, a prestação jurisdicional foi entregue de forma plena, em extensão e profundidade, tendo a Corte Regional proferido decisão em sintonia com o citado precedente.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. SAZONALIDADE CARACTERIZADA. CONTRATOS POR PRAZO CERTO E DETERMINADO. UNICIDADE CONTRATUAL NÃO CONFIGURADA.

1. A agravante insiste na tese de que a atividade empresarial não é transitória, mas o enquadramento jurídico dado pelo regional foi o da alínea “a” do art. 443, § 2º, da CLT, de modo que não é a interrupção da atividade empresarial que justifica a contratação a termo, mas as peculiaridades da prestação de serviços, umbilicalmente ligadas ao período de temporada da embarcação a que está contratualmente vinculado.

2. Logo, na hipótese, não há como reconhecer a unicidade contratual, uma vez que o labor a bordo de cruzeiro marítimo é sazonal, cuja atividade transitória autoriza a contratação por prazo determinado. Ademais, o próprio art. 452 da CLT faz a ressalva quanto à possibilidade de contratos de prazo determinado sucessivos, mesmo que em prazo inferior a seis meses entre cada um deles, nos casos em que a expiração do contrato depender da execução de serviço especializado ou da realização de certos acontecimentos, que é o caso dos autos, quando ocorre o término da viagem.

Agravo de instrumento não provido, nos tópicos.

CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. CABIMENTO.

Evidenciada a contrariedade à Súmula nº 463, I, do TST, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o julgamento do recurso de revista.

LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES INDICADOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

Ante a potencial violação do art. 840, § 1º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o julgamento do recurso de revista.

INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAMES ADMISSIONAIS DE HIV E TOXICOLÓGICOS. CAMAREIRA. PROVIMENTO.

Em razão da potencial violação do art. 5º, X, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.

Agravo de instrumento conhecido e provido, nos temas.

III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA AUTORA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA.

1. A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de que, mesmo após a vigência da Lei n.º 13.467/2017, o trabalhador que recebe salário superior ao fixado no art. 790, § 3º, da CLT poderá comprovar sua insuficiência econômica pela declaração de não ter condições de suportar o ônus das despesas processuais sem prejuízo do sustento familiar, nos termos do item I da Súmula n° 463 do TST.

2. Terá, então, direito aos benefícios da gratuidade judiciária, salvo se demonstrado nos autos que a declaração não é verdadeira.

Recurso de revista conhecido e provido, com ressalva de entendimento pessoal deste Relator.

LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES INDICADOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.

1. O TST aprovou a Instrução Normativa n.º 41/2018, que regulamenta a aplicação das normas processuais contidas na CLT, alteradas ou acrescentadas pela Reforma Trabalhista, cujo art. 12, § 2º, estabelece que: “Para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil”.

2. Desse modo, o fato de a novel legislação estabelecer que o pedido deva ser “certo, determinado e com indicação de valor”, não impede que a indicação do valor seja realizada por estimativa e, se o autor assim registrar na peça de ingresso, a indicação não importará em limitação do “quantum debeatur”.

Recurso de revista conhecido e provido.

SALÁRIO FIXADO EM MOEDA ESTRANGEIRA. ILEGALIDADE. CONVERSÃO PELO CÂMBIO DA DATA DA CONTRATAÇÃO.

1. O entendimento pacificado deste Tribunal Superior é no sentido de que a fixação do salário em moeda estrangeira não é válida, devendo ser considerado, para efeito de cálculo, o valor em reais de acordo com o câmbio da data da contratação, observados os reajustes periódicos da categoria e o princípio da irredutibilidade salarial.

2. Tendo o acórdão regional determinado a conversão da moeda pela data da contratação, decidiu em harmonia com a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte, motivo pelo qual incide no presente caso os óbices do art. 896, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho e da Súmula n.º 333 do TST.

Recurso de revista não conhecido, no particular.

INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE EXAMES ADMISSIONAIS DE HIV E TOXICOLÓGICOS. CAMAREIRA. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA.

1. Não obstante a Corte de origem tenha consignado que “a exigência de tais exames era destinada a todos os empregados e era necessária para garantir a saúde dos próprios empregados, uma vez que os recursos disponíveis em alto mar são limitados e restritos”, não há razão para a submissão dos trabalhadores a testes de HIV, levando em conta o avanço da medicina quanto ao controle dos sintomas da doença.

2. Nesse contexto, resta configurado o dano extrapatrimonial, pois a exigência de teste de HIV como requisito para admissão no emprego constitui conduta discriminatória vedada pela ordem jurídica, violando a intimidade e a privacidade do trabalhador, nos termos do art. 1º da Lei n.º 9.029/95.

3. Demonstrado ainda mais o caráter abusivo e discriminatório da demanda quando não há registro nos autos no sentido de que os tripulantes deveriam se submeter ao mesmo procedimento, em que pese as alegadas limitações dos serviços de saúde fossem comuns a toda e qualquer pessoa embarcada.

4. Conclui-se no mesmo sentido em relação ao exame toxicológico, haja vista que a atividade desempenhada pela autora (assistente de garçom) não se equipara às atividades de segurança pública ou de motorista profissional, tornando-se tal exigência apenas mais um critério discriminatório obstativo à contratação.

Recurso de revista conhecido e provido.

INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. JORNADA EXTENUANTE. COMPROVAÇÃO EFETIVA DO DANO. NECESSIDADE.

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SbDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, em sessão realizada no dia 29 de outubro de 2020, no julgamento do E-RR-402-61.2014.5.15.0030, firmou entendimento de que o cumprimento de jornada extenuante pela prestação de horas extras habituais, por si só, não resulta em dano existencial, sendo imprescindível a demonstração efetiva de prejuízo ao convívio familiar e social.

Recurso de revista não conhecido, no tema.

HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ADI 5.766/DF. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE E NÃO ISENÇÃO. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA.

1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 20/10/2021, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.766), declarou inconstitucional o § 4º do art. 791-A da CLT, introduzido pela Lei n.º 13.467/2017, quanto à possibilidade de execução dos honorários sucumbenciais quando o beneficiário da justiça gratuita obtivesse em juízo, mesmo que em outro processo, créditos capazes de suportar as despesas.

2. O princípio da sucumbência, instituído no “caput” do art. 791-A, permaneceu hígido e justifica o deferimento dos honorários advocatícios pelo fato objetivo da derrota na pretensão formulada.

3. A exigibilidade da obrigação é que fica vinculada à concessão ou não dos benefícios da justiça gratuita. Rejeitados, ela é exigível de imediato. Concedidos, embora a parte seja condenada ao pagamento de honorários advocatícios, a exigibilidade fica suspensa.

4. Não se pode compreender, portanto, que a concessão dos benefícios da justiça gratuita provoque a liberação definitiva da responsabilidade pelos honorários sucumbenciais, pois a situação econômica do litigante diz respeito ao estado da pessoa e pode alterar com o passar do tempo. Quem é beneficiário da Justiça Gratuita hoje, poderá deixar de ser no período legal de suspensão de exigibilidade.

Recurso de revista conhecido e parcialmente provido, no tema.

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-302-07.2018.5.09.0007

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