Intervalo intrajornada de portuário não pode ser concedido no fim do expediente

Para a 3ª Turma, a concessão no final da jornada desvirtua a finalidade do intervalo e equivale a sua supressão

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválida a norma coletiva de trabalhadores portuários que previa a concessão do intervalo intrajornada no fim do expediente. Segundo o colegiado, o intervalo visa à recuperação das energias durante a prestação dos serviços e, por isso, sua concessão ao término da jornada desvirtua a sua finalidade e equivale à sua supressão.

Jornada reduzida

O juízo da 3ª Vara do Trabalho do Rio Grande (RS) julgou improcedente o pedido de um portuário avulso de condenação do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo) do porto local ao pagamento de horas extras, por descumprimento do intervalo intrajornada de 15 minutos. De acordo com a sentença, a cláusula que estabelecia uma jornada de trabalho de 5 horas e 45 minutos, com intervalo de 15 minutos no final do expediente, seria válida e benéfica para o trabalhador, e a redução seria preferível à extensão do trabalho por mais tempo, ou seja, por 6 horas e 15 minutos.

Finalidade do intervalo

Para o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), porém,  as normas coletivas com esse conteúdo são nulas porque frustram a finalidade do intervalo, que é proporcionar repouso durante a jornada, e não ao final. Como resultado, o Ogmo foi condenado a pagar as horas de intervalo suprimidas, acrescidas do adicional de horas extras.

Higidez física e mental

O relator do recurso de revista do órgão, ministro Mauricio Godinho Delgado, ressaltou que os curtos períodos do intervalo intrajornada existem fundamentalmente para recuperar as energias durante a prestação do serviço e, por isso, são relevantes para preservar a higidez física e mental do trabalhador.

Nesse contexto, ele concluiu que a concessão do intervalo no início ou no fim da jornada não atende à razão de existir da pausa e equivale a sua própria supressão.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . 1. PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. EXIGÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DOS FUNDAMENTOS EM QUE SE IDENTIFICA O PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA OBJETO DE RECURSO DE REVISTA. ÓBICE ESTRITAMENTE PROCESSUAL. 2. TRABALHADOR AVULSO. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO AO FINAL DA JORNADA. NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE . O princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva traduz a noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal . Tal poder excepcional conferido pela ordem jurídica aos sujeitos coletivos trabalhistas (art. 7º, XXVI, da CF) desponta, certamente, como a mais notável característica do Direito Coletivo do Trabalho – circunstância que, além de tudo, influencia a estruturação mais democrática e inclusiva do conjunto da sociedade, tal como objetivado pela Constituição (art. 1º, II e III, 3º, I e IV, da CF). Não obstante a Constituição da República confira à negociação coletiva amplos poderes, não se trata jamais de um superpoder da sociedade civil, apto a desconsiderar, objetivamente, os princípios humanísticos e sociais da própria Constituição Federal, ou de, inusitadamente, rebaixar ou negligenciar o patamar de direitos individuais e sociais fundamentais dos direitos trabalhistas que sejam imperativamente fixados pela ordem jurídica do País. Desse modo, embora extensas as perspectivas de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, tais possiblidades não são plenas e irrefreáveis. Há limites objetivos à criatividade jurídica na negociação coletiva trabalhista. Neste ponto, desponta como instrumento imprescindível para avaliação das possibilidades e limites jurídicos da negociação coletiva o princípio da adequação setorial negociada, por meio do qual as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional, não podem prevalecer se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação), bem como se concernentes a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput , CF/88). No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.). Registre-se que, embora a Lei n. 13.467/2017 tenha alargado o elenco de parcelas de indisponibilidade apenas relativa – inclusive, em muitos casos, em arrepio e desprezo ao estuário normativo da Constituição de 1988 (vide o amplo rol de temas constantes no art. 611-A da CLT) -, ela não buscou eliminar a fundamental distinção entre direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Tanto é assim que o art. 611-B, em seus incisos I a XXX, projeta o princípio da adequação setorial negociada, ao estabelecer limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista, proibindo a supressão ou a redução dos direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta ali elencados. Em verdade, a doutrina e a jurisprudência deverão cotejar os objetivos precarizadores dos novos preceitos, onde couber, com o conjunto dos princípios e regras do próprio Direito do Trabalho, a par do conjunto dos princípios e regras da Constituição da República, no sentido de ajustar, pelo processo interpretativo e /ou pelo processo hierárquico, a natureza e o sentido do diploma legal novo à matriz civilizatória da Constituição de 1988, além do conjunto geral do Direito do Trabalho. A propósito, o Supremo Tribunal Federal , ao julgar o ARE 1.121.633/GO – leading case do Tema 1.046 de Repercussão Geral cujo título é “Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente” -, em decisão plenária concluída no dia 14/6/2022, fixou tese jurídica que reitera a compreensão de que existem limites objetivos à negociação coletiva, delineados a partir da aplicação dos critérios informados pelo princípio da adequação setorial negociada e pela percepção de que determinados direitos são revestidos de indisponibilidade absoluta. Eis a tese: ” S ão constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis “. Cumpre salientar que, passadas mais de três décadas de experiência jurídica e cultural intensa desde o advento da Constituição (de 1988 a 2023), a jurisprudência trabalhista já tem, contemporaneamente, aferido de modo bastante objetivo e transparente a adequação setorial negociada. Nessa linha, de maneira geral, tem considerado que, estando a parcela assegurada por regra estatal imperativa, ela prevalece soberanamente, sem possibilidade jurídica de supressão ou restrição pela negociação coletiva trabalhista, salvo se a própria regra heterônoma estatal abrir espaço à interveniência da regra coletiva negociada. No caso concreto , examinam-se normas coletivas que transacionaram sobre intervalo intrajornada (art. 71 da CLT) . Para avaliar a questão , primeiro deve se atentar que as normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica da jornada e duração do trabalho são, de maneira geral, no Direito Brasileiro, normas imperativas. Embora exista um significativo espaço à criatividade autônoma coletiva privada, hábil a tecer regras específicas aplicáveis em contraponto ao quadro normativo heterônomo, há claros limites. Convém destacar, aliás, que a Suprema Corte, no julgamento do ARE 1.121.633, asseverou a necessidade de se observar a jurisprudência consolidada do TST e do próprio STF no exame judicial dos limites da negociação coletiva e na definição dos direitos trabalhistas considerados indisponíveis , por já existir algum consenso nos Tribunais sobre a identificação de certos direitos no grupo normativo formador do patamar mínimo civilizatório dos trabalhadores. Nesse sentido, na “tabela que sintetiza os principais julgados do TST e do STF” , ilustrada pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto condutor, o STF cita expressamente e ratifica a jurisprudência pacífica desta Corte sobre a invalidade de cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada, conforme a Súmula 437, II/TST. Na presente hipótese , a controvérsia gira em torno da validade de norma coletiva que dispôs sobre a concessão do intervalo intrajornada de quinze minutos apenas ao final da jornada. Ressalte-se ser pacífico, nesta Corte, o entendimento de que também em relação ao trabalhador portuário avulso se aplicam as regras relativas ao intervalo mínimo intrajornada, independentemente de o trabalho ser prestado a tomadores distintos, porquanto a norma que regulamenta a concessão de tal intervalo é de ordem pública (art. 71, caput , CLT), garantida aos avulsos por força da extensão prevista no art. 7º, XXXIV, da CF. Definem-se os intervalos intrajornadas como lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados no interior da duração diária de trabalho , em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador. Os intervalos intrajornadas, em virtude de seus próprios curtos limites temporais situados dentro da jornada de trabalho, visam, fundamentalmente, a recuperar as energias do empregado, no contexto da concentração temporal de trabalho que caracteriza a jornada cumprida a cada dia pelo obreiro. Seus objetivos, portanto, concentram-se essencialmente em torno de considerações de saúde e segurança do trabalho, como instrumento relevante de preservação da higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços. Assim, a concessão do intervalo de 15 minutos no início ou no fim da jornada não atende aos objetivos do intervalo intrajornada, de preservação da higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços, e, portanto, não retira do trabalhador o direito ao intervalo para descanso no interior da duração diária de trabalho. Desse modo, considerando o direito trabalhista a um intervalo intrajornada de 15 minutos para descanso que deve entremear jornadas de trabalho de 4 a 6 horas (art. 71, §1º, CLT) e de no mínimo de 1 (uma) hora, para jornadas de trabalho contínuo superior a 6 horas (art. 71, caput , da CLT), sem qualquer regra estatal fixando ressalva acerca da possibilidade de diminuição ou supressão por negociação coletiva, considera-se inválida a cláusula normativa que estabelece a concessão do intervalo intrajornada de 15 (quinze) minutos apenas ao final da jornada, por equivaler à supressão do descanso intrajornada. Portanto, à luz do § 1º do art. 71 da CLT, nas jornadas que não ultrapassam o período de 6 horas de labor, é devida a concessão de intervalo intrajornada de 15 minutos. Registre-se, ainda, que este TST possui entendimento pacífico no sentido de que, ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, conforme a diretriz contida no item IV da Súmula 437 do TST. Assim, a prorrogação dos turnos de forma habitual resulta no direito ao intervalo mínimo intrajornada de uma hora, com espeque na Súmula 437, IV, desta Corte. Por fim, conforme a jurisprudência desta Corte, o desrespeito ao mencionado período de descanso acarreta o pagamento das horas suprimidas, acrescidas do adicional, independentemente de a prestação do serviço ter beneficiado um único operador portuário. Agregue-se que a nova redação da CLT aprovada pela Lei nº 13467/2017 (art. 611 a-, III), não autoriza a supressão dos pequenos intervalos intrajornadas (caso dos autos, em que o intervalo, como tal, foi suprimido, passando a ser descontado no término da jornada). Pelo novo texto legal, a negociação coletiva pode apenas reduzir o intervalo de sessenta minutos, direcionado à refeição e descanso, para trinta minutos – o que não é, repita-se, o caso dos autos. Recurso de revista não conhecido .

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. PRESCRIÇÃO BIENAL. MARCO INICIAL. CANCELAMENTO DA OJ 384/SBDI-1/TST . O trabalhador avulso corresponde à modalidade de trabalhador eventual, que oferta sua força de trabalho, por curtos períodos de tempo, a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a qualquer um deles, ofertando sua força de trabalho em um mercado específico – o setor portuário-, através de uma entidade intermediária. Embora seja trabalhador sem vínculo empregatício, a regra prescricional estabelecida pela Constituição lhe é aplicável, já que o dispositivo constitucional se refere a relações de trabalho. Ademais, o art. 7º, XXXIV, da CF, garante a ” igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso “. Em razão de o trabalhador avulso ofertar sua força de trabalho a distintos tomadores de serviço, não é viável estabelecer um termo prescricional a partir de cada prestação avulsa de serviço. Nessa linha, esta Corte, na sessão extraordinária do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012, cuja publicação se deu no DEJT divulgado em 25.09.2012, cancelou a OJ 384/SBDI-1/TST, que aplicava a prescrição bienal ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço. Agravo de instrumento desprovido .

A decisão foi unânime.

Processo: ARR-20449-35.2018.5.04.0123

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