A 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF manteve a sentença que condenou o Distrito Federal a ressarcir a filha de um paciente pelos custos com o tratamento de saúde iniciado na rede privada. O colegiado observou que a responsabilidade do ente distrital com as despesas ocorre diante da comprovação de indisponibilidade de atendimento na rede pública.
Narra a autora que o pai acordou passando mal e com dores intensas na perna esquerda, o que a fez acionar o Corpo de Bombeiros e o Samu. Conta que, por não haver viaturas disponíveis, o levou ao Hospital Regional de Ceilândia. Afirma que não havia profissionais que pudessem recebê-lo na emergência e que foi informada de que não havia vagas. Por conta disso, a autora levou o pai a um hospital da rede privada, onde recebeu os primeiros atendimentos e permaneceu até ser transferido ao Hospital de Base, onde veio a óbito. Pede que o Distrito Federal restitua os valores pagos, arque com as despesas hospitalares na rede privada e a indenize pelos danos morais sofridos .
Em primeira instância, os pedidos foram julgados procedentes em parte. O DF recorreu pedindo a reforma da sentença ou que fosse considerada a tabela do SUS, para fins de ressarcimento. Asseverou ainda que não há dano moral a ser indenizado. A autora também recorreu.
Ao analisar os recursos, a Turma observou que o TJDFT adota o entendimento de que, nos casos em que não é possível “a prestação do serviço médico-hospitalar em unidade da rede pública de saúde, deve o Distrito Federal suportar as despesas decorrentes da internação e tratamento do paciente em hospital da rede particular, desde que provada a negativa ou omissão, por parte do ente federado, na prestação do serviço do qual necessitava o paciente”.
Segundo o relator, no caso dos autos, “Ficou comprovado que a pessoa enferma (pai da parte autora), ao passar mal, foi levada primeiramente ao hospital público e, ante a falta de atendimento imediato e dada a urgência da situação, foi levado ao hospital particular, onde recebeu os primeiros atendimentos, que geraram a dívida discutida, antes da sua transferência para o Hospital de Base, configurando a omissão estatal inicial e transitória, referente à recepção e primeiros atendimentos necessários ao enfermo”, registrou.
Quanto ao pedido de indenização por danos morais, a Turma entendeu não ser cabível, uma vez que a autora não comprovou que houve “prática de conduta danosa por parte dos agentes do públicos que capaz evidenciar a obrigação do Estado de reparar os danos morais que a demandante alega ter sofrido”. Quanto ao valor a ser pago ao hospital particular, o colegiado observou que a fixação deve ocorrer em procedimento próprio.
Dessa forma, a Turma manteve a parte da sentença que condenou o Distrito Federal a pagar R$ 184,83, o que corresponde ao que foi gasto pela autora em exames e tratamentos realizados pelo pai quando esteve na rede particular. O réu deverá arcar com as despesas hospitalares do paciente Hospital das Clínicas. A definição e execução desses valores deverão se dar em procedimento administrativo ou por meio de ação autônoma.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. ATENDIMENTO INICIADO NA REDE PRIVADA – RESPONSABILIDADE DO DISTRITO FEDERAL ANTE A COMPROVAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE ATENDIMENTO NA REDE PÚBLICA. DANOS MORAIS – NÃO COMPROVADOS. RESPONSABILIDADE DO DISTRITO FEDERAL EM RELAÇÃO ÀS DESPESAS REALIZADAS EM HOSPITAL PARTICULAR – INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES CONSTANTES DO IRDR Nº 3, 20160020245629IDR. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO DO DISTRITO FEDERAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de recursos inominados interpostos pelo Distrito Federal e pela parte autora contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais e condenou o Distrito Federal ao ?pagamento da quantia de R$ 184,83 (cento e oitenta e quatro reais e oitenta e três centavos), em favor da parte autora, com correção a contar de cada desembolso? e, a ?arcar com as despesas hospitalares do genitor da autora no Hospital das Clínicas, as quais totalizam a quantia de R$ 1.388,86 (Id 80125091 – Pág. 3), cuja execução deverá se dar em procedimento administrativo ou por meio de ação autônoma, conforme o entendimento firmado pela Câmara de Uniformização deste Tribunal por ocasião do julgamento do IRDR n. 20160020245629IDR?. 2. Pretende o Distrito Federal que sejam rejeitados os pedidos autorais ou, subsidiariamente, que seja observada a tabela do SUS, ou que sejam observados os gastos efetivamente comprovados. A parte autora pretende o recebimento de indenização por danos morais. 3. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 4. Dito de outro modo, cabe ao Estado a adoção de medidas e políticas voltadas à efetivação da saúde da população, notadamente para aqueles indivíduos que não dispõem de condições financeiras para custear o tratamento. Trata-se de verdadeira proteção à dignidade humana. 5. Portanto, é de responsabilidade do Distrito Federal a manutenção da estrutura de saúde que garanta o direito acima referido, como forma de preservação da vida e saúde humanas, de modo mais amplo (hospitais, corpo clínico, equipamentos médicos, etc.). 6. Não sendo possível a prestação do serviço médico-hospitalar em unidade da rede pública de saúde, deve o Distrito Federal suportar as despesas decorrentes da internação e tratamento do paciente em hospital da rede particular, desde que provada a negativa ou omissão, por parte do ente federado, na prestação do serviço do qual necessitava o paciente. Este tem sido o entendimento predominante nesta Casa de Justiça, como ilustram os acórdãos nº 752.467, relator Hector Valverde Santanna, DJE 24/01/14 e 1077615, relator Fabrício Fontoura Bezerra, DJE 26/02/18. 7. Na situação dos autos, conforme se observa da instrução processual realizada, ficou comprovado que a pessoa enferma (pai da parte autora), ao passar mal, foi levada primeiramente ao hospital público e, ante a falta de atendimento imediato e dada a urgência da situação, foi levado ao hospital particular, onde recebeu os primeiros atendimentos, que geraram a dívida discutida, antes da sua transferência para o Hospital de Base, configurando a omissão estatal inicial e transitória, referente à recepção e primeiros atendimentos necessários ao enfermo: ?Há, nos autos, provas de que a parte autora procurou, primeiramente, a rede pública de saúde para o seu tratamento de seu genitor. A testemunha compromissada, Senhor Paulo, afirmou que, no dia dos fatos, viu a autora se dirigindo ao pronto-socorro do Hospital Público de Ceilândia com algumas pessoas em seu veículo. Além disso, o depoimento da Senhora Sandra corrobora a alegação da autora de que teria buscado atendimento médico no hospital público, mas que em razão de estar lotado, necessitou ir ao nosocômio requerido, onde ocorreu o atendimento do paciente.? 8. Por outro lado, após ser transferido para o Hospital de Base, o pai da autora recebeu o tratamento necessário, sendo que, a despeito disso, dada a gravidade da situação, faleceu. Como destacado na sentença recorrida, a parte autora não comprovou os fatos constitutivos do seu direito, quanto aos danos morais, pois, ?não há nos autos qualquer elemento robusto que comprove a prática de conduta danosa por parte dos agentes públicos capaz de evidenciar a obrigação do Estado de reparar os danos morais que a demandante alega ter sofrido?. 9. Quanto ao pedido subsidiário recursal do Distrito Federal, verifica-se que na estipulação da responsabilidade pela inação do Estado, incidem as disposições constantes do acórdão que decidiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 3, Acórdão 1023716, 20160020245629IDR, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, Câmara de Uniformização, data de julgamento: 29/5/2017, publicado no DJE: 12/6/2017: ?[…] XXIII. Da mesma forma, nas ações de internação em leito de UTI, caso não haja leitos de unidade de terapia intensiva na rede pública, diante do pedido subsidiário formulado pela parte ou até mesmo de ofício, o juiz determina a internação em leitos da rede privada às expensas do poder público, mas deve ficar frisado que o hospital privado que, porventura, forneceu o leito não participou da lide e, em consequência, não pode ser afetado e nem pedir nada naquele processo. XXIV. A discussão de valores devidos à rede particular será objeto de procedimento administrativo, e se houver alguma espécie de controvérsia nos valores entre o ente público e o hospital particular poderá haver o ajuizamento, mas, bom que se repise, de outra ação e não aquela do cidadão que, ratifico, apenas discute o direito a prestação do serviço público de saúde. (negritei) XXV. Nesse trilhar é claro que o que se está a discutir não é qualquer indenização, mas apenas a obrigação de fazer estatal, qual seja, a de prestar o serviço público de saúde de qualidade, com todos os meios e encargos a ele inerentes. […]? 10. Ante o caráter público das verbas que serão eventualmente despendidas para a satisfação do débito existente, a discussão dos valores em procedimento próprio, quer seja administrativo ou judicial, bem como a verificação da incidência das determinações legais e judiciais aplicáveis à resolução do imbróglio, que, por lógica jurídica, deverão ser indicadas e estabelecidas no próprio procedimento, em respeito as suas especificidades, conforme já indicado no próprio dispositivo da sentença recorrida. 11. Além disso, observa-se que, como a fixação dos valores devidos pelo Distrito Federal ao hospital particular deverá ocorrer em procedimento próprio, conforme critérios fixados pelo STF no julgamento do Tema nº 1.033/STF, não há como estipular, a priori, o valor a ser pago, devendo ser suprimido, do dispositivo da sentença, a taxativa indicação da quantia a ser adimplida ao hospital particular. 12. Assim, o item 2 do dispositivo da sentença terá a seguinte redação: ?2) CONDENAR o Distrito Federal a arcar com as despesas hospitalares do genitor da autora no Hospital das Clínicas, cuja definição de valores e execução deverá se dar em procedimento administrativo ou por meio de ação autônoma, conforme o entendimento firmado pela Câmara de Uniformização deste Tribunal por ocasião do julgamento do IRDR n. 20160020245629IDR.? 13. Defiro a gratuidade de justiça requerida pela parte autora. 14. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO DO DISTRITO FEDERAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, conforme supra. 15. Decisão proferida na forma do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. 16. Sem custas, nem honorários.
A decisão foi unânime.
Acesse o PJe2 e saiba mais sobre o processo: 0754944-90.2020.8.07.0016