A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o recurso do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) contra a decisão que aceitou a reintegração de um servidor público ao cargo que ocupava antes de ser demitido.
Em seu recurso ao TRF1, o instituto afirmou que não se vislumbra qualquer comprovação da suposta ilegalidade dos atos praticados no processo administrativo disciplinar (PAD).
Já o servidor alegou ter sido indiciado em um PAD pelo instituto após uma denúncia anônima afirmar que ele emitiu uma certidão falsa mediante pagamento de “propina”, atestando erroneamente que determinada pessoa residia na Reserva Extrativista Chico Mendes.
De acordo com o servidor, apesar de nenhum valor ter sido comprovado, ele foi demitido, pois a comissão disciplinar concluiu que agiu negligentemente no cumprimento de suas funções.
Ao examinar o agravo, o relator, desembargador federal Morais da Rocha, enfatizou que embora o Poder Judiciário não possa revisar o mérito das decisões da Administração Pública, é essencial analisar as circunstâncias que possam indicar possíveis equívocos na aplicação das sanções administrativas.
O desembargador observou que a decisão estava devidamente fundamentada, uma vez que o magistrado examinou as provas apresentadas no processo. Ele citou os fundamentos apresentados pelo juiz de primeira instância. “Da análise das provas produzidas no âmbito administrativo e das conclusões da comissão processante, conjugadas com as trazidas pelo autor na inicial, ressoa evidente que a demissão do autor foi ilegal, já que não foi respeitado o devido processo legal em seu sentido material, notadamente em razão de os julgadores administrativos terem feito uma análise visivelmente parcial (no sentido literal da palavra, atentando para apenas parte e não para o todo) das provas que embasaram a demissão do servidor público em questão”.
Ato isolado – Segundo os autos, confiando em uma declaração de uma diretora da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Brasiléia e Epitaciolândia (AMOPREBE), o servidor deixou de verificar que uma pessoa não constava no banco de dados oficial dos moradores da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, o que, para o instituto, teria se traduzido em falta dos deveres funcionais previstos nos incisos I e III do artigo 116 e em prática de ato administrativo proibido no inciso XV do artigo 117 (proceder de forma desidiosa).
Porém, segundo o relator, pode-se verificar que houve uma análise parcial das provas produzidas nos autos, pelos julgadores administrativos. Ademais, para o magistrado, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento segundo o qual para se justificar a aplicação da pena de demissão em decorrência de conduta desidiosa, necessário um padrão de comportamento ilícito reiterado, persistência infracional ou continuidade na prática de atos ilícitos, e não um ato isolado, como aconteceu no presente caso.
Por fim, o magistrado destacou que a pena de demissão imposta ao servidor foi desproporcional.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONDUTA DESIDIOSA. PENA DE DEMISSÃO. COMPORTAMENTO ILÍCITO REITERADO. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REQUISITOS DA CONCESSÃO DE TUTELA PRESENTES. RECURSO IMPROVIDO.
1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, contra decisão que deferiu o pedido de tutela provisória para determinar a reintegração da parte autora ao cargo que ocupava ao tempo de sua demissão, com o consequente pagamento de sua remuneração, sob o fundamento de que a comissão processante analisou parcialmente as provas produzidas, no âmbito do processo administrativo, que embasaram a demissão do servidor.
2. Apesar de ser vedado ao Poder Judiciário adentrar no mérito das decisões da Administração Pública, é necessário analisar os elementos e as circunstâncias que se apresentaram no curso do respectivo procedimento administrativo, circunstâncias que poderiam levar à correção, pelo Poder Judiciário, da possível inobservância, pela Administração, de princípios como os da razoabilidade e da proporcionalidade quando da aplicação das sanções administrativas. Precedentes.
3. Segundo o Relatório Final da Comissão Disciplinar, a conduta do autor, de ter emitido a Certidão n. 067/2019 RCM, de 11 de julho de 2019, em nome de Manoel Rios de Oliveira, confiando em uma declaração de uma Diretora da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Brasiléia e Epitaciolândia – AMOPREBE, Luiza Carlota da Silva Caldas, sem verificar que o senhor Manoel não constava no banco de dados oficial dos moradores da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, teria se traduzido em falta dos deveres funcionais previstos nos incisos I e III do artigo 116, e em prática de ato administrativo proibido no inciso XV do artigo 117 (proceder de forma desidiosa). A comissão processante recomendou a demissão do autor por uma única certidão emitida, com base em declaração apresentada pela AMOPREBE, uma das Concessionárias da RESEX, para servidor sem nenhum registro funcional e desabonador prévio. Como fundamento para a demissão, a comissão processante considerou imprescindível para a emissão da referida certidão a necessidade de consulta ao cadastro de moradores da RESEX.
4. Como bem analisado pelo MM. Juízo a quo, pode-se verificar que houve uma análise parcial das provas produzidas nos autos, pelos julgadores administrativo, já que, com base nos mesmos depoimentos dos servidores do ICMBio colhidos no âmbito do processo administrativo, além de demonstrar a conduta praticada pelo autor, evidenciou-se também que a) não era de praxe fazer a verificação in loco, considerando as dificuldades logísticas e estruturais; b) a consulta da veracidade da informação era feita apenas com base no banco de dados, que nem sempre estava disponível, considerando a qualidade da internet no município; c) o banco de dados era totalmente on-line e o sistema era fornecido e administrado por urna pessoa privada; d) eventualmente o sistema ficava totalmente indisponível, aumentando, portanto, ainda mais as dificuldades de consulta, restando, portanto, como única ferramenta a declaração da associação, que era a entidade responsável, enquanto concessionária pelo reconhecimento dos beneficiários; e) a associação, por algumas ocasiões, também, comparecia junto ao ICMBio na pessoa da presidência ou de um diretor para, verbalmente informar o histórico do interessado e que, diante disso, a certidão era emitida ou não; f) que não existe nenhum dispositivo legal que oriente os procedimentos a serem adotados para a emissão de certidões desta RESEX, ficando praticamente a cargo de cada servidor averiguar a veracidade dos fatos; e g) que o cadastro de moradores de 2009 estava disponível na internet, de forma precária, até o ano de 2017.
5. Ademais, a Primeira Seção do STJ firmou entendimento segundo o qual para se justificar a aplicação da pena de demissão, em decorrência de conduta desidiosa, necessário um padrão de comportamento ilícito reiterado, persistência infracional ou continuidade na prática de atos ilícitos, e não um ato isolado, como aconteceu no presente caso. Nessa situação, impõe-se afastar a caracterização desidiosa que serviu para tipificar o comportamento do servidor, sem que isso importe em minimizar os efeitos prejudiciais da sua atuação funcional. Precedentes.
6. A probabilidade do direito se mostra presente através da análise dos documentos juntados nos autos deste agravo de instrumento e do processo de referência, em que, em exame de cognição sumária é possível constatar suposta desproporcionalidade na aplicação da pena de demissão decorrente de única conduta praticada pelo servidor. O periculum in mora se torna evidente diante dos resultados advindos da pena de demissão. Desse modo, verifica-se a presença dos requisitos necessários para a manutenção da tutela provisória deferida, não merecendo reforma a decisão impugnada.
7. Agravo de instrumento improvido.
O voto do relator foi acompanhado pelo Colegiado.
Processo: 1027109-69.2021.4.01.0000