Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que deve prevalecer a data mais favorável ao beneficiário de seguro de vida quando houver divergência com a seguradora sobre o início da vigência do contrato. Para os ministros, os preceitos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) devem ser aplicados nesse tipo de relação.
No recurso especial, os beneficiários – mãe e irmão de militar morto em acidente de trânsito – pleiteavam o pagamento da indenização estipulada no contrato. Eles também pediam reparação por danos morais pelo descumprimento contratual por parte da seguradora.
O contratante era oficial da Força Aérea Brasileira e faleceu em 17 de janeiro de 2011, aos 22 anos. Após dez meses da morte do militar, os beneficiários procuraram receber o valor, mas a seguradora negou o pedido, alegando que a data do sinistro foi anterior ao início da vigência do seguro.
Os familiares ajuizaram ação argumentando que em dezembro de 2010 o militar realizou todos os procedimentos necessários à concretização do contrato. Citaram cláusula da apólice que estabelecia que o seguro começaria 24 horas após o protocolo de recebimento da proposta de adesão na seguradora.
No entanto, a empresa afirmou que outra cláusula instituía o início da vigência às 24h do dia 24 do mês em que feito o primeiro desconto no contracheque do militar, o que cairia após o acidente.
Relação de consumo
A ação foi julgada improcedente em primeiro grau, pois o magistrado concluiu que o sinistro ocorreu antes da entrada em vigor do seguro contratado. A apelação também não foi provida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que acolheu os argumentos da seguradora.
Para o relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, houve no caso a estipulação de duas datas diferentes vinculadas a uma mesma proposta. Ele ressaltou que a corte local considerou a relação como de consumo, não tendo, no entanto, utilizado os preceitos consumeristas na solução do conflito.
A interpretação do acórdão recorrido, segundo o ministro, ofende os princípios da boa-fé e da equidade, norteadores da proteção ao consumidor. “A falta de clareza e a dubiedade em relação a elemento essencial ao aperfeiçoamento da contratação impõem ao julgador uma interpretação favorável ao consumidor, parte presumidamente hipossuficiente da relação de consumo”, disse Moura Ribeiro em seu voto.
Para o relator, o acórdão do TJRJ, ao interpretar o contrato de seguro de forma desfavorável aos beneficiários, acabou por ofender o artigo 47 do CDC, “revestindo-se, portanto, de ilegalidade, visto que negou o direito dos herdeiros à indenização contratualmente estabelecida”.
Dessa forma, o ministro determinou o pagamento integral do valor da apólice de seguro de vida, na proporção nela estabelecida para cada um dos beneficiários: 30% para a mãe e 70% para o irmão, corrigidos desde a data da negativa de cobertura. O relator fixou também em R$ 10 mil para cada um o valor dos danos morais.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE COBRANÇA DE COBERTURA SECURITÁRIA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE PARTE DAS ALEGAÇÕES. SÚMULA 211 DO STJ. PROPOSTA DE SEGURO QUE ESTIPULA PRAZO DIFERIDO PARA O INÍCIO DA VIGÊNCIA DO CONTRATO. APÓLICE VINCULADA À PROPOSTA QUE APONTA PARA OUTRO TERMO A QUO DE VIGÊNCIA DO SEGURO. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. ART. 54 DO CDC. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Apesar de o art. 1.025 do NCPC ter consagrado o prequestionamento ficto, ao determinar que se consideram incluídos no acórdão embargado os elementos destacados nas razões do recurso integrativo, é necessário que o recorrente suscite, nas razões do recurso especial, a existência de violação ao art. 1.022 do NCPC (art. 535 do CPC/73), de molde a possibilitar a aferição de eventual negativa de prestação jurisdicional, o que não ocorreu na hipótese considerada em relação a uma parte das teses ventiladas no apelo nobre.
3. Uma vez que a Corte local reputou que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, forçosa sua submissão aos preceitos de ordem pública da Lei n. 8.078/90, a qual elegeu como premissas hermenêuticas a interpretação mais favorável ao consumidor (art. 47), a nulidade de cláusulas que atenuem a responsabilidade do fornecedor, ou redundem em renúncia ou disposição de direitos pelo consumidor (art. 51, I), ou desvirtuem direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato (art. 51, §1º, II) (REsp nº 1.106.827/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 23/10/2012).
4. Sendo evidente a existência de datas diferentes relacionadas a uma mesma proposta de seguro, a condição contratual mais benéfica ao consumidor deve ser prestigiada.
5. A dubiedade em relação a elemento essencial ao aperfeiçoamento da contratação reclama do julgador uma interpretação favorável ao consumidor, parte presumidamente hipossuficiente da relação de consumo.
6. Ao interpretar o contrato de seguro de forma desfavorável ao consumidor, o acórdão vergastado acabou por ofender o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, revestindo-se de ilegalidade, visto que negou o direito dos herdeiros beneficiários à indenização contratualmente estabelecida.
7. Recurso especial provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1726225