A greve, motivada pelo não pagamento da PLR, foi considerada legítima.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, considerou legítima a greve realizada pelos empregados da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em 11/4/2017. A seção também afastou a multa aplicada em razão do descumprimento de liminar que havia determinado a observância de contingente mínimo de ferroviários em serviço durante a paralisação.
O entendimento majoritário foi de que na greve de apenas 15 horas conduzida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo os ferroviários cumpriram os requisitos da Lei 7783/89 (Lei de Greve). A motivação foi a falta de pagamento do Plano de Lucros e Resultados (PLR).
Serviço essencial
No julgamento do dissídio coletivo de greve, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) declarou a não abusividade da greve, vedou o desconto das horas paradas, afastou a aplicação da multa por descumprimento da ordem liminar e concedeu estabilidade aos empregados.
No recurso ao TST, a CPTM insistiu no pedido de declaração da abusividade apontando a impossibilidade de realização de greve em serviços essenciais e o descumprimento da ordem liminar. Alegou que, ainda que seja legítimo o movimento em razão do descumprimento do acordo coletivo, “a inobservância da liminar constitui motivo bastante para justificar a abusividade da greve e a aplicação da multa prevista a esse título”.
Paralisação legítima
No exame do recurso, o ministro Mauricio Godinho Delgado assinalou que, embora a decisão liminar que fixou quantitativos mínimos de trabalhadores em serviço não tenha sido cumprida no único dia de paralisação, a greve não deve ser considerada abusiva por diversas razões. Na sua avaliação, a conduta sindical foi moderada e razoável e a paralisação, de curtíssima duração (greve de advertência), não acarretou sérios prejuízos aos usuários dos trens urbanos de São Paulo.
Outro ponto considerado foi a motivação legítima do movimento. “A empregadora, efetivamente, deu causa à deflagração do movimento paredista”, afirmou.
Multa
Em relação à decisão liminar, o relator entendeu que a CPTM contribuiu para o descumprimento da determinação, segundo constatado pelo TRT, por não enviar ao sindicato as escalas de convocação de empregados das linhas 7 e 10, locais onde foram constatados alguns problemas. “A decisão do TRT deve ser prestigiada porque a sua proximidade com a realidade dos fatos certamente forneceu uma visão mais precisa e aprofundada do conflito e melhores condições para a compreensão e a reflexão sobre suas repercussões”, concluiu.
O recurso recebeu a seguinte ementa:
RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. TRANSPORTE COLETIVO URBANO (ATIVIDADE ESSENCIAL). GREVE MOTIVADA PELA INADIMPLÊNCIA DA EMPREGADORA DE CLÁUSULA ECONÔMICA. MOVIMENTO PAREDISTA DE CURTA DURAÇÃO. CULPA RECÍPROCA PELO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO LIMINAR. GREVE CONSIDERADA LEGÍTIMA. O Texto Constitucional firma, sem dúvida, extensão bastante larga para o direito de greve no segmento privado. Diz a Constituição que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercer o direito e sobre os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º, caput ). A ordem jurídica infraconstitucional estabelece alguns requisitos para a validade do movimento grevista. Em seu conjunto, não se chocam com o sentido da garantia magna: apenas civilizam o exercício de direito coletivo de tamanho impacto social. Um desses requisitos, que se trata, mais precisamente, de uma limitação constitucional, regula o direito de exercício de greve nos serviços ou atividades essenciais. Nesse segmento destacado, cujo rol compete à lei definir, caberá a esta também dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º da CF). Saliente-se que a Lei de Greve (Lei 7.783/89) não prevê expressamente um determinado percentual de trabalhadores que deve se manter em atividade durante a greve para a preservação ” dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (art. 11), deixando claro que a obrigação dos grevistas é, efetivamente, manter os serviços mínimos. No caso concreto , trata-se de greve realizada em serviços essenciais (transporte coletivo). O TRT deferiu liminar pela qual fixou quantitativos mínimos de trabalhadores em serviço. Embora essa decisão liminar, de fato, não tenha sido cumprida no único dia de paralisação, a greve não deve ser considerada abusiva, em face das seguintes razões. Primeiro , porque o Sindicato representante da categoria profissional cumpriu todos os demais requisitos legais para a deflagração da greve, tais como a tentativa conciliatória, a convocação da categoria, a aprovação em assembleia e o aviso à empregadora com antecedência mínima de 72 horas (atividade essencial). Segundo , porque a greve foi motivada pelo atraso no pagamento da participação nos lucros e resultados no prazo previsto no acordo coletivo de trabalho 2016, ou seja, a Empregadora, efetivamente, deu causa à deflagração do movimento paredista. Terceiro , em razão da curtíssima duração da greve – apenas 15 horas -, a revelar a natureza moderada da conduta sindical. E quarto , a greve não causou sérios prejuízos aos usuários, conforme consignou o Tribunal de origem – uma das razões pelas quais, inclusive, o Tribunal a quo não aplicou a multa por descumprimento de decisão liminar. Registre-se que e sta SDC já manifestou entendimento de que a greve motivada pelo descumprimento patronal de norma coletiva propicia a mitigação da necessidade de cumprimento das formalidades legais para a sua deflagração . Nada obstante, como se vê, todos os requisitos formais aptos a legitimar o movimento foram cumpridos pela categoria profissional e o sindicato obreiro correspondeu eficazmente com as obrigações legalmente exigidas para a deflagração da greve. Em relação à decisão liminar que fixou quantitativo mínimo de trabalhadores em serviço, embora incontroverso o seu descumprimento (apenas no primeiro e único dia de greve), repisa-se, em contraponto, que o movimento paredista durou menos de 24 horas e não acarretou maiores prejuízos à comunidade. Além disso, a Empresa Suscitada contribui para o descumprimento da determinação, segundo constatado pelo TRT, na medida em que não enviou para o sindicato obreiro as escalas de convocação de seus funcionários das linhas 7 e 10, locais onde efetivamente houve algum problema. D iante de todas essas particularidades – o cumprimento dos requisitos prévios, a motivação por descumprimento patronal de cláusula normativa econômica, a conduta sindical moderada e razoável, a curtíssima duração (greve de advertência) e a culpa recíproca pelo descumprimento da decisão liminar (que, de toda forma, não acarretou prejuízos para os usuários) -, a maioria dos integrantes desta Seção Especializada entendeu que a greve foi conduzida de forma legítima e que é indevida a multa por descumprimento da decisão liminar, conforme decidiu o Tribunal de origem. A propósito, a decisão do TRT deve ser prestigiada por esta instância de revisão, uma vez que a proximidade do órgão a quo da realidade dos fatos certamente forneceu uma visão mais precisa e aprofundada do conflito e melhores condições para a compreensão e reflexão sobre suas repercussões. Recurso ordinário desprovido .
Por maioria, a SDC negou provimento ao recurso ordinário da CPTM. Ficaram vencidos as ministras Maria de Assis Calsing (aposentada) e Dora Maria da Costa e o ministro Ives Gandra Martins Filho.
Processo: RO-1001051-57.2017.5.02.0000