Para a 3ª Turma, escala de revezamento quinzenal deve ser observada para mulheres que trabalham aos domingos no comércio
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o restaurante Império Mineiro Ltda., de São Paulo (SP), ao pagamento em dobro das horas de serviço prestado no domingo mensal reservado ao descanso de uma empregada de cozinha. Para o colegiado, a não observância da escala de revezamento quinzenal prevista na CLT, resultando em apenas um domingo de folga por mês, gera prejuízo manifesto à convivência familiar e comunitária.
Folga
Na reclamação trabalhista, a empregada – contratada como saladeira – disse que só folgava aos domingos uma vez por mês, em desrespeito ao artigo 386 da CLT e a cláusula da norma coletiva da categoria. O restaurante confirmou essa informação, mas argumentou que a empregada sempre folgava uma vez por semana.
Descanso aos domingos
Para o juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), o gozo de um domingo de folga por mês está de acordo com o intuito da escala de revezamento quinzenal prevista na lei. Segundo o TRT, o descanso semanal remunerado não precisa ser sempre aos domingos, pois a Constituição Federal determina apenas que a folga seja preferencialmente nesse dia, o que foi atendido pela empresa uma vez a cada mês.
Folgas intercaladas
O relator do recurso de revista da empregada, ministro Mauricio Godinho Delgado, com base nos princípios da especialidade e da norma mais favorável, discordou da decisão do TRT. Ele argumentou que a lei prevê uma escala quinzenal de revezamento, o que significa que a mulher que trabalha em um domingo deve ter folga no domingo seguinte. No entanto, isso não ocorreu no caso.
Direito fundamental da mulher
Segundo o ministro, a previsão legal de escala quinzenal prevalece para as mulheres que trabalham no comércio aos domingos, garantindo não apenas o descanso, mas também o convívio familiar e social. Ele destacou que a Constituição Federal garante direitos fundamentais sociais especialmente destinados às mulheres, legitimando um tratamento diferenciado em relação aos homens.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . DIFERENÇAS SALARIAIS. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. O simples exercício de algumas tarefas componentes de uma outra função não traduz, automaticamente, a ocorrência de uma efetiva alteração funcional no tocante ao empregado. É preciso que haja uma concentração significativa do conjunto de tarefas integrantes da enfocada função para que se configure a alteração funcional objetivada. Contudo, conforme prevê o artigo 456, parágrafo único, da CLT: ” a falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal “. Insta salientar, ainda, que a CLT não exige a contratação de um salário específico para remunerar cada uma das tarefas desenvolvidas, assim como não impede que um único salário seja estabelecido para remunerar todo o elenco de atividades executadas, durante a jornada de trabalho. No presente caso , conforme se depreende dos trechos destacados no acórdão recorrido, o Tribunal Regional manteve a sentença, que indeferiu a pretensão da Reclamante, e aplicou o entendimento do art. 456, parágrafo único, da CLT, por verificar que não restou comprovado o acúmulo de função apto a justificar o deferimento do adicional pleiteado. Assim, para divergir da conclusão adotada pelo Colegiado Regional, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso nesta fase recursal, diante do óbice da Súmula 126/TST . Agravo de instrumento desprovido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . 1. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL QUE FUNCIONA AOS DOMINGOS. RESTAURANTE. ESCALA QUINZENAL DE REVEZAMENTO. PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. ART. 7º, XX, DA CF , E ART. 386 DA CLT. A discussão consiste em saber se é absoluta a previsão de o descanso semanal remunerado coincidir com o domingo, na hipótese do trabalho da mulher. A coincidência preferencial do descanso semanal com o domingo sempre foi enfatizada pela ordem justrabalhista. A CLT já a estabelecia (art. 67), a Lei n. 605/49 a reiterou (art. 1º), e a Constituição de 1988 determinou-a expressamente (art. 7º, XV). A coincidência, contudo, é preferencial , e não absoluta . Há empresas autorizadas a funcionar em domingos (desrespeitando, pois, licitamente, essa coincidência preferencial). Tais empresas deverão, porém, organizar uma escala de revezamento entre seus empregados, de modo a permitir a incidência periódica em domingos de um descanso semanal remunerado . Nessa escala de trabalho e folgas, é preciso que se respeite a coincidência preferencial com os domingos, determinada pela Constituição. O comércio em geral , embora não configure – em seu todo – atividade que, por sua natureza ou pela conveniência pública, deva ser exercida aos domingos (parágrafo único do art. 68 da CLT), passou a ser favorecido pela possibilidade de elidir a coincidência preferencial enfatizada pela ordem jurídica . Desde a MP n. 388, de 2007 (convertida na Lei nº. 11.603/2007), a escala de coincidência dominical foi aperfeiçoada , devendo o descanso semanal remunerado coincidir com o domingo ao menos uma vez no período máximo de três semanas. É, pois, o que prevalece no art. 6º, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.101/2000 . Não se desconhece que o art. 6º da Lei nº 10.101/2000 consiste em norma jurídica especial – trabalhadores do comércio em geral -, regente de um segmento especial de trabalhadores. Não se trata de uma norma geral que, necessariamente, não tenha a aptidão de se confrontar com norma especial previamente divulgada. Não obstante, o legislador excepcionou expressamente, da Lei nº 10.101/2000, as mulheres que trabalham aos domingos, elevando o art. 386 da CLT, inserido no Capítulo III, que trata da Proteção do Trabalho da Mulher, à categoria de legislação especial. Nesse contexto de proteção especial ao mercado de trabalho das mulheres prevista na Constituição Federal de 1988, além do art. 7º, XX, da CF/88, existem disposições que garantem um núcleo protetivo de direitos fundamentais sociais das mulheres e legitimam tratamento diferenciado em relação aos homens, como o art. 5º, I, que estabelece o princípio da igualdade, o art. 7º, XVIII, que prevê a licença-maternidade de 120 dias, e o art. 226 que valoriza a instituição familiar. Além disso, diversas normas buscam garantir um padrão moral e educacional adequado para crianças e adolescentes, como evidenciado no art. 227 da CF/88. De par com isso, qualquer situação que envolva efetivas considerações e a máxima efetividade das normas constitucionais permite tratamento normativo diferenciado, à luz de critério jurídico valorizado pela própria Constituição da República. Assim, por força do critério da especialidade (conforme o art. 2º, § 2º, da LINDB) e do princípio da norma mais favorável, deve prevalecer o império do art. 386 da CLT em favor das mulheres que se ativam no comércio aos domingos , a fim de garantir não apenas o descanso, mas também o convívio da mulher com sua família, parentes e amigos, já que, em regra, desfrutam de folgas também aos domingos. Cumpre mencionar também a tese consagrada pelo Tribunal Pleno desta Corte na apreciação da inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Conforme Incidente de Inconstitucionalidade em Recurso de Revista IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5, o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal. Por analogia, o mesmo entendimento deve ser aplicado ao art. 386 da CLT . Nesse sentido, os recentes julgados da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais e das Turmas do TST. Outrossim, reafirmando a importância da escala de revezamento quinzenal, a Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, não trouxe alterações ao texto do art. 386 da CLT. É válido ressaltar também que o não cumprimento do intervalo estabelecido no art. 386 da CLT não acarreta apenas penalidades administrativas, mas também implica o pagamento de horas extras correspondentes a esse período. Isso se deve ao fato de que a medida prevista nesse artigo está relacionada à higiene, saúde e segurança do trabalhador. Portanto, com base nos fatos apresentados no acórdão regional, nos quais é evidente a concessão de apenas um descanso semanal remunerado por mês, coincidindo com o domingo, há clara violação ao art. 386 da CLT. A conduta empresarial descrita na decisão do TRT implica desrespeito à exigência legal da escala quinzenal de revezamento, causando um prejuízo manifesto à trabalhadora, que teve sua convivência familiar e comunitária parcialmente prejudicada. Recurso de revista conhecido e provido. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RECLAMANTE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 791-A, § 4º, DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI 13.467/2017. JULGAMENTO DA ADI-5766 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO: “DESDE QUE NÃO TENHA OBTIDO EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO, CRÉDITOS CAPAZES DE SUPORTAR A DESPESA” . A hipossuficiência econômica ensejadora do direito à gratuidade judiciária consiste na insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem comprometer o mínimo dispensável à própria subsistência ou de sua família, expressão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). No âmbito do direito processual do trabalho, a realização do acesso à Justiça ao trabalhador hipossuficiente e beneficiário da justiça gratuita busca assegurar, no plano concreto, a efetividade dos direitos sociais trabalhistas, conferindo-lhes real sentido, com a consequente afirmação da dignidade da pessoa humana, da paz social e da redução das desigualdades sociais. Em vista da relevância do direito à gratuidade da justiça, com embasamento em preceitos da Constituição Federal de 1988, este Relator sempre entendeu pela flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88, por afronta direta ao art. 5º, XXXV, LXXIV, da CF/88. Isso porque a efetividade da norma contida no caput do artigo 791-A da CLT não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do acesso à Justiça e da justiça gratuita (art. 5º, XXXV e LXXIV, da CF) – integrantes do núcleo essencial da Constituição da República e protegidos pela cláusula pétrea disposta no art. 60, § 4º, IV, da CF -, que visam a equacionar a igualdade das partes dentro do processo e a desigualdade econômico-social dos litigantes, com o fim de garantir, indistintamente, a tutela jurisdicional a todos, inclusive aos segmentos sociais vulneráveis, hipossuficientes e tradicionalmente excluídos do campo institucionalizado do Direito. Em virtude disso, inclusive, este Relator havia suscitado o incidente de inconstitucionalidade de referido dispositivo no âmbito desta 3ª Turma. Ocorre que, com o advento do recente julgamento da ADI 5766, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, declarou inconstitucionais o caput e o § 4º do artigo 790-B da CLT, bem como do artigo 791-A, § 4º, da CLT, houve uma compreensão preliminar, pelo TST, a partir do teor da certidão de julgamento publicada em 20/10/2021, que a decisão abarcaria a inconstitucionalidade integral dos referidos dispositivos legais. Em razão disso, a matéria suscitada perante o Pleno no TST perdeu o objeto, tendo sido proferidas decisões no âmbito desta Corte. Sucede que, publicado o acórdão principal do STF prolatado na ADI 5766, da lavra do Ministro Alexandre de Moraes, redator designado, e esclarecidos os pontos suscitados pela AGU nos Embargos de Declaração, verificou-se que a inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT não teve a extensão vislumbrada inicialmente pela jurisprudência desta Corte. Da leitura das decisões proferidas pelo STF, infere-se que a declaração de inconstitucionalidade abrangeu, em relação ao § 4º do art. 791-A da CLT, apenas a expressão “desde que não tenha obtido em Juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” . Assim, especificamente em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, depreende-se dos acórdãos prolatados na ADI 5766 que o § 4º do art. 791-A da CLT passou a vigorar com a seguinte redação: vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado, esse prazo, tais obrigações do beneficiário . Certo que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não pode ser aquilatada a partir dos ganhos advindos de processo judicial. Assim, a modificação havida no § 4º do art. 791-A da CLT diz respeito à compreensão de que créditos judiciais – recebidos em qualquer processo – não são computáveis e não interferem na qualificação do obreiro como hipossuficiente. O estado de aptidão financeira do Reclamante deverá ser aferida – e provada pelo credor – por meio da existência de outros recursos financeiros alheios à percepção de créditos judiciais. Ademais, para a execução da obrigação, o credor tem o prazo de dois anos – após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito às obrigações decorrentes da sucumbência – para produzir a prova que lhe compete, ficando os encargos do devedor, nesse interregno, sob condição suspensiva de exigibilidade. Após o transcurso desse prazo, extinguem-se as obrigações do beneficiário da justiça gratuita. Dessa forma, na presente hipótese , reconhecida pela Instância Ordinária a qualidade de hipossuficiente econômico da Reclamante, com a concessão do benefício da justiça gratuita, a sua condenação ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais a incidirem sobre os créditos obtidos na presente ação ou em outro processo implica ofensa direta ao artigo 5º, XXXV e LXXIV, da CF. Em respeito à decisão proferida pelo STF na ADI 5766, reafirmada na decisão proferida em embargos de declaração, conclui-se que, em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, fica suspensa a exigibilidade do seu pagamento pela Reclamante, beneficiária da justiça gratuita, que somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que certificou as obrigações decorrentes de sua sucumbência, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, a referida obrigação da Reclamante. Repise-se que a alteração da condição de hipossuficiência econômica do(a) trabalhador(a), ônus probatório do credor, não se verifica pela percepção de créditos advindos de processos judiciais. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-1000582-83.2019.5.02.0018