Condenação por litigância de má-fé não afasta direito de empregada doméstica à justiça gratuita

Cada instituto tem normatização própria e distinta.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar mandado de segurança impetrado por uma empregada doméstica de Natal (RN), entendeu que, mesmo tendo sido condenada por litigância de má-fé, ela continua a ter direito à concessão da justiça gratuita caso preencha os requisitos previstos em lei. Segundo o relator, ministro Douglas Alencar, cada instituto tem normatização própria e distinta.

Conduta desleal

Na reclamação trabalhista, a empregada doméstica, que trabalhou durante dez anos na residência da patroa, pediu o pagamento de indenização por dano moral. Disse que era alvo de ofensas racistas e que a empregadora não cumpria as obrigações trabalhistas. Com fundamento em elementos que demonstravam a boa relação da empregada com a família e nos documentos apresentados pela empregadora relativos aos pagamentos efetuados, o juízo da 5ª Vara do Trabalho de Natal (RN) julgou improcedentes os pedidos e aplicou a multa por litigância de má-fé de 2% do valor da causa. Segundo a sentença, a empregada teria agido de forma desleal. Indeferiu, ainda, o benefício da gratuidade da justiça, por considerá-lo incompatível com a violação do dever de lealdade.

Por não recolher as custas processuais, o recurso ordinário da empregada foi considerado deserto e teve seu seguimento rejeitado pelo juízo de primeiro grau. Em seguida, o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN) negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ela, mantendo assim a decisão.

O mandado de segurança impetrado pela empregada visando garantir o processamento do recurso ordinário foi extinto pelo TRT, com o entendimento de que, embora o prazo recursal não houvesse se esgotado, a lei não prevê recurso contra decisão em agravo de instrumento, o que caracterizaria coisa julgada formal.

Contornos absurdos

Ao julgar o recurso no mandado de segurança, o ministro Douglas Alencar Rodrigues observou que o acórdão em que o Tribunal Regional havia negado provimento ao agravo de instrumento na ação originária é irrecorrível, pois não é possível interpor recurso de revista contra acórdão proferido em sede de agravo de instrumento (Súmula 218 do TST). No entanto, no entender do relator, a decisão em que a concessão da justiça gratuita foi considerada incompatível com a litigância de má-fé vai contra a jurisprudência em torno do assunto. “Nas hipóteses em que a decisão judicial censurada assumir colorido absurdo ou teratológico, há de se reconhecer cabível o mandado de segurança, pois o valor Justiça deve prevalecer sobre a forma ditada pelas regras infraconstitucionais que concretizam o postulado do devido processo legal”, afirmou.

Compatibilidade

O ministro Douglas Alencar citou diversos precedentes para reiterar que o reconhecimento da litigância de má-fé não induz o indeferimento do benefício da justiça gratuita, diante da existência de normatização específica e distinta para cada um dos institutos, os quais não se comunicam. O indeferimento do benefício com o argumento da incompatibilidade, a seu ver, parece afrontar os postulados constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, da ampla defesa e da assistência jurídica integral, tornando viável, excepcionalmente, a utilização do mandado de segurança.

Por unanimidade, a SDI-2 determinou que o TRT prossiga no processamento e no julgamento do recurso ordinário na ação principal.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA EM VIRTUDE DA CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INVIABILIDADE DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO NO FEITO ORIGINÁRIO. CABIMENTO DO MANDAMUS. 1. Mandado de segurança impetrado contra acórdão lavrado pelo TRT da 21ª Região, que, na reclamação trabalhista originária, negou provimento ao agravo de instrumento em recurso ordinário da Impetrante (reclamante), por deserção. A Corte Regional, na ação subjacente, entendeu que o reconhecimento da litigância de má-fé constitui óbice à concessão do benefício da gratuidade de justiça. 2. O ato coator – acórdão em que o Regional negou provimento ao agravo de instrumento em recurso ordinário interposto na ação originária -, é irrecorrível, ante a impossibilidade de interposição de recurso de revista contra acórdão proferido em sede de agravo de instrumento em recurso ordinário, conforme diretriz da Súmula 218 do TST. 3. Nas hipóteses em que a decisão judicial censurada assumir colorido absurdo ou teratológico, há de se reconhecer cabível o mandamus, na linha já consagrada no âmbito desta Corte, pois o valor Justiça deve prevalecer sobre a forma ditada pelas regras infraconstitucionais que concretizam o postulado do devido processo legal. 4. No caso, o indeferimento da gratuidade de justiça, por incompatibilidade com a condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé, denota a excentricidade do ato apontado como coator, em sentido oposto à jurisprudência em torno do assunto, assumindo contornos teratológicos. Afinal, o reconhecimento da litigância de má-fé não induz o indeferimento do benefício da justiça gratuita, haja vista a existência de normatização específica e distinta para cada um dos institutos, os quais não se comunicam. 5. Vale ressaltar que, à época dos fatos e da prolação do ato tido como coator, o benefício da justiça gratuita era regulado pela lei 5.584/1970, ao passo que litigância de má-fé, regida pelas disposições do CPC de 2015. 6. Portanto, o indeferimento da justiça gratuita pelo Órgão judicante, ao fundamento de que o benefício não guarda compatibilidade com o reconhecimento da litigância de má-fé, parece afrontar os postulados constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, da ampla defesa e da assistência jurídica integral (CF, artigo 5°, XXXV, LV e LXXIV) tornando viável, excepcionalmente, a utilização do mandado de segurança. Recurso ordinário conhecido e provido.

Processo: RO-000177-61.2017.5.21.0000

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar