Companheira de servidora do Ministério do Exército tem direito a pensão por morte

Uma decisão unânime da 8ª Turma Especializada do TRF2 obriga o Ministério do Exército a conceder benefício de pensão por morte, previsto na Lei 8.112/90, que estabelece as normas do funcionalismo público, à companheira e dependente de uma servidora com quem vivia em união estável homoafetiva desde 1997. A autora da causa sustentou que, atualmente, necessita do auxílio de amigos e familiares para prover sua subsistência, já que o Ministério do Exército negou-lhe o direito de requerer a pensão por morte, tendo se recusado, inclusive, “a protocolar o requerimento, por não vislumbrar a condição de união de fato”.
A decisão do Tribunal se deu em resposta a apelação cível apresentada pela União contra a sentença da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que já havia determinado o pagamento do benefício a partir da data da morte da funcionária pública, ocorrida em fevereiro de 2008. A relatora do caso no TRF2 é a juíza federal convocada Maria Alice Paim Lyard.
Vários documentos juntados ao processo dão conta de que a autora da ação viveu sob total dependência econômica da servidora por aproximadamente onze anos. Também está nos autos uma declaração assinada pela falecida, com firma reconhecida, atestando que as duas eram companheiras e que viviam maritalmente desde o ano de 1997.
Já a União argumentou que a autora não teria sido instituída, no Ministério do Exército, como beneficiária da falecida servidora, e que seu pedido não estaria amparado pela lei. No entanto, para a relatora do processo no TRF2, o direito deve ser aplicado de conformidade com os preceitos constitucionais e não apenas de acordo com a interpretação literal do artigo 226 da Constituição Federal e do artigo 217 da Lei 8.112/90, “eis que não houve, por parte do legislador, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito à pensão vindicada, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito”, afirmou.
Maria Alice Paim Lyard ressaltou, em seu voto, que ainda que o artigo 217 da Lei 8.112/90 não fale especificamente dos relacionamentos homoafetivos, o Sistema Geral de Previdência do país trata do tema. A Instrução Normativa nº 25 do INSS estabelece os procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual. No entendimento da magistrada, em respeito ao princípio da isonomia, “deve-se aplicar aos servidores públicos federais, por analogia, as disposições desse ato normativo”.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMPROVADA. NATUREZA DE ENTIDADE FAMILIAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 3º C/C ART. 5º, CAPUT E ART. 3º, IV, DA CF/ DE 1988. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE, DA IGUALDADE, DA NÃO DISCRIMINAÇÃO. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL PRODUZIDAS. CABIMENTO. ATRASADOS. TERMO INICIAL. DATA DO ÓBITO DA INSTITUIDORA. ART. 215 DA LEI N.º 8211/90. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20. § 4º , DO CPC. FAZENDA PÚBLICA. APRECIAÇÃO EQÜITATIVA DO JUIZ. – Trata-se de remessa necessária e de apelação cível interposta pela União Federal em face de sentença que julgou procedente pedido de concessão de pensão em razão do falecimento de servidora do Ministério do Exército, em favor da autora, na qualidade de companheira da instituidora do benefício, em relação homoafetiva. – Há que se aplicar o direito à luz de diversos preceitos constitucionais e não apenas atendo-se à interpretação literal do art. 226, § 3º da Constituição Federal e do art. 217 da Lei n.º 8.112/90, eis que não houve, por parte do legislador, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito à pensão vindicada, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito (STJ, RESP 395904, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 06/02/2006). – Conforme consignado pelo egrégio STF no julgamento da ADI 3300 MC/DF, a doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade, tem revelado percepção do significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual quanto à proclamação da legitimidade da união homoafetiva como entidade familiar, de forma a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. – Na hipótese, ainda que o art. 217 da Lei nº 8.112/90 não contemple especificamente a situação da autora, se o Sistema Geral de Previdência do país cogita de hipótese similar (IN n.º 25-INSS), que estabelece os procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual, em respeito ao princípio isonômico, deve-se aplicar aos servidores públicos federais, por analogia, as disposições desse ato normativo. Precedentes. – Ressalte-se que a jurisprudência de nossos tribunais superiores tem se posicionado no sentido de que a inexistência de regra que contemple a possibilidade da percepção de benefício de pensão por morte por companheira homossexual de servidora pública falecida não pode ser considerada como obstáculo para o reconhecimento da existência de um fato notório, para o qual a proteção jurídica é reclamada. – In casu, a farta documentação acostada aos autos e a prova oral colhida em audiência demonstram, plenamente, a existência do relacionamento homoafetivo (público, sólido e duradouro) entre a autora e a ex-servidora, por anos a fio, subsistente até a data do falecimento desta. Presentes os requisitos que configuram uma união estável da espécie homoafetiva, correta a sentença ao julgar procedente o pedido de concessão de pensão em tela. – As parcelas atrasadas são devidas a contar da data do óbito da instituidora, pois a presente ação foi ajuizada menos de 5 (cinco) anos após o falecimento deste, não havendo se falar em prescrição, e, a teor do art. 215, da Lei nº. 8.112/90, a pensão é devida a partir da data do óbito do servidor público. Precedente (TRF – 2ª R., AC n.º 200551010202610, 7ª T., Rel: Des. Federal Sergio Schwaitzer, DJU: 10/11/2008). – Honorários advocatícios fixados à taxa de 5% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 20, § 4º do CPC e atento aos parâmetros das alíneas “a”, “b” e “c” do § 3º do mesmo artigo, eis que vencida a Fazenda Pública. – Remessa necessária e apelação da União Federal desprovidas

Proc.:

2008.51.01.009157-6

0009157-47.2008.4.02.5101

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