CEF terá de devolver valores pagos por arrendatários de imóveis com defeito

A Caixa Econômica Federal (CEF) deve reparar os vícios de construção apresentados em imóveis de moradores do Residencial Estuário do Potengi, em Natal, e devolver os valores pagos pelos arrendatários que optaram por desfazer o negócio. O empreendimento faz parte do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), do governo federal.

O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e confirmou posição das instâncias inferiores em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em razão dos vícios construtivos nos imóveis.

O residencial estava incluído no PAR, disciplinado pela Lei 10.188/01, que tem como objetivo o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda. A CEF é o agente gestor do Fundo de Arrendamento Residencial.

Qualidade discutível

Os autos descrevem que o residencial foi construído com materiais de qualidade questionável, com redes de abastecimento de gás e energia elétrica precárias, além de fossa séptica mal dimensionada. Menos de um ano depois da entrega, os imóveis também apresentavam infiltrações nas lajes e escadas, alagamento durante chuvas e outros vícios.

O juiz de primeira instância reconheceu que a CEF foi negligente na fiscalização da obra – o que era sua obrigação na qualidade de executora de um programa habitacional do governo – e responsabilizou-a pelos reparos necessários, além de autorizar o desfazimento do negócio por parte daqueles que assim optassem, com direito à devolução de todo o dinheiro pago a título de taxa de arrendamento.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) confirmou a sentença por entender que a CEF, gestora do fundo e encarregada da construção da obra, tinha a responsabilidade de entregar aos arrendatários “bens imóveis aptos à moradia, respondendo por eventuais vícios de construção”.

Enriquecimento sem causa

No recurso ao STJ, a CEF alegou que a obrigação de devolver o dinheiro aos que optassem por desfazer o negócio, mesmo eles tendo ocupado os imóveis nesse período, configuraria enriquecimento sem causa, proibido pelos artigos 884 e 885 do Código Civil.

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, citou precedente (REsp 1.102.539) em que o STJ já estabeleceu a distinção da responsabilidade da CEF quando atua apenas como agente financeiro ou como agente executor das políticas habitacionais do governo – caso dos autos.

Ele rebateu a alegação da CEF sobre enriquecimento sem causa. Para o magistrado, “inegavelmente” existe causa que enseja a devolução aos arrendatários “dos valores por eles despendidos para residir em imóvel que apresentou assomados problemas”.

Incúria

Segundo Sanseverino, os incômodos sofridos pelos moradores e aqueles que ainda virão – porque as obras de reparo com certeza levarão tempo – “são suficientes para fazer resolvido o contrato e devolvidos os arrendatários que assim optarem ao seu status anterior”.

O relator disse que os moradores optaram pelo arrendamento, sistema que lhes permitiria ao final adquirir os imóveis, mas foi a CEF, por sua própria incúria na fiscalização da obra, quem inviabilizou essa aquisição futura e, assim, deu causa à resolução dos contratos.

O ministro afirmou ainda que as alternativas conferidas aos adquirentes desses imóveis estão previstas no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, que “regula os efeitos dos vícios de qualidade do produto”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSUMIDOR. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR). RESPONSABILIDADE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
1. Controvérsia em torno da responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF) por vícios de construção em imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial, cujo objetivo, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.188⁄2001, é o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra.
2. Como agente-gestor do Fundo de Arrendamento Residencial, a CEF é responsável tanto pela aquisição como pela construção dos imóveis, que permanecem de propriedade do referido fundo até que os particulares que firmaram contratos de arrendamento com opção de compra possam exercer este ato de aquisição no final do contrato.
3. Compete à CEF a responsabilidade pela entrega aos arrendatários de bens imóveis aptos à moradia, respondendo por eventuais vícios de construção.
4. Farta demonstração probatória, mediante laudos, pareceres, inspeção judicial e demais documentos, dos defeitos de construção no “Conjunto Residencial Estuário do Potengi” (Natal-RN), verificados com menos de um ano da entrega.
5. Correta a condenação da CEF, como gestora e operadora do programa, à reparação dos vícios de construção ou à devolução dos valores adimplidos pelos arrendatários que não mais desejem residir em imóveis com precárias condições de habitabilidade.
6. Inexistência de enriquecimento sem causa por se cuidar de medidas previstas no art. 18 do CDC
7. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Leia o voto do relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1352227

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