Banco deverá indenizar cliente por cobrança de dívida prescrita em local trabalho

A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal manteve decisão que condenou o Banco PAN S/A ao pagamento de indenização a cliente por ligações excessivas no ambiente de trabalho para cobrança de dívida prescrita. Além da reparação por danos morais, no valor de R$ 2 mil, o banco deverá deixar de ligar em outro número que não seja o telefone particular do devedor.

De acordo com processo, um homem contraiu dívida com a instituição no valor de R$ 1.128,39. Contudo, em razão de  ter transcorrido o período de 5 anos, a dívida se encontrava prescrita, conforme prevê o Código Civil Brasileiro. Mesmo assim, o banco realizava sucessivas ligações ao cliente, especialmente no seu ambiente e horário de trabalho.

O devedor alegou que sempre atendia as chamadas direcionadas ao seu telefone e informou a empresa que assim que tivesse condições financeiras iria quitar o débito. Argumentou ainda que as ligações passaram a ser destinadas para o telefone da empresa, onde trabalha. Ao condenar o banco em 1ª instância, o magistrado destacou que. em razão da conduta da ré, o cliente estava sob “risco de perder o emprego, o que agravaria ainda mais sua situação financeira”.

Ao julgar o recurso, a Turma Recursal explicou que a instituição bancária não pode mais exigir do cliente o cumprimento da obrigação. Porém, nada impede que ela o convença ao pagamento. Por fim, o colegiado entendeu que em razão dos aborrecimentos suportados pelo devedor, em seu ambiente de trabalho, inclusive lhe causando perturbação do seu sossego “[…]vislumbro violação aos direitos de personalidade do autor/recorrido hábil a compor uma indenização por dano moral”.

O recurso ficou assim ementado:

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA DE DÍVIDA PRESCRITA. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS DIRECIONADAS AO AMBIENTE DE TRABALHO. CONSTRANGIMENTO. DANO MORAL. CABIMENTO. ASTREINTES. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA.

1. Acórdão lavrado de acordo com a disposição inserta nos artigos 2º e 46, da Lei 9.099, de 26.09.1995 e artigo 60, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno das Turmas Recursais. Presentes os pressupostos específicos, conheço do recurso.

2. Trata-se de recurso inominado interposto pelo réu contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, para condená-lo ao pagamento de R$ 2.000,00, a título de danos morais, em virtude de ligações telefônicas excessivas realizadas no ambiente de trabalho do autor, para cobrança de dívida prescrita, além da obrigação de não fazer, consistente na abstenção de realizar qualquer novo contato que não seja em número telefônico particular do autor, sob pena de astreintes.

3. Inicialmente, sem razão quanto à tese lançada em contrarrazões de inovação recursal quanto à preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo réu/recorrente somente em recurso inominado, tendo em vista a natureza de ordem pública da matéria, que pode ser conhecida, inclusive, de ofício. Nesse sentido: acórdão 1671671, 07400244320228070016, Rel. Daniel Felipe Machado, Terceira Turma Recursal, julgado em 06/03/2023, dje 14/03/2023.

4. No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis deve ser prestigiada a teoria da asserção, segundo a qual, o exame das condições da ação deve ser feito com abstração dos fatos demonstrados no processo, evitando-se, assim, o inconveniente de se extinguir o processo sem apreciação do mérito. Precedentes no STJ (REsp 879188 REsp 2006/0186323-6 – Relator: Ministro Humberto Martins) e também no TJDFT (2006 01 1 047168-6 APC – 0000976-28.2006.807.0001, Relator: Angelo Passareli). Ademais, a análise probatória relativa aos fatos imputados ao réu/recorrente confunde-se com o próprio mérito, que deve ser enfrentado em momento oportuno. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada.

5. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob a ótica do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).

6. Consigne-se que incumbe ao réu/recorrente a demonstração da regularidade das cobranças, lastreadas em dívidas legitimamente constituídas, o que não se comprovou no particular, dada a prescrição da dívida, que fulmina a pretensão, isto é, a possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação (judicial e extrajudicialmente), ressalvado o direito ao convencimento do pagamento, o qual não pode ser exercido por artifícios que, na prática, caracterizam uma exigência, a propósito, confira-se: acórdão 1325167, 07156356220208070016, rel. Edilson Enedino das Chagas, Primeira Turma Recursal, julgado em 05/03/2021, dje 26/03/2021. Outrossim, cabe ao réu/recorrente a demonstração de que as ligações abusivas não teriam sido por ele realizadas, por ser-lhe mais fácil referida produção probatória, sobretudo considerando que o fornecedor de serviços deve suportar os ônus do sistema de “call center” (telemarketing).

7. Na espécie, comprovaram-se as ligações telefônicas em volume excessivo realizadas pelo réu/recorrente e direcionadas para o ambiente de trabalho do autor/recorrido, para cobrança de dívida prescrita, consoante “prints” do sistema interno do empregador (ID 44859630), o que configura abuso de direito e evidente constrangimento, os quais não são tolerados nas relações negociais, nos termos do art. 42, do CDC.

8. Dada a narrativa fática, vislumbro violação aos direitos de personalidade do autor/recorrido hábil a compor uma indenização por dano moral. Isso porque, patentes os aborrecimentos perpassados que suplantam os toleráveis, causando perturbação do trabalho e do sossego, com reflexos à psique. Na esteira da recente jurisprudência deste colegiado: “A insistência da recorrente em importunar a autora com excessivas ligações em diversos horários e dias da semana, inclusive com vários números no mesmo minuto (…) configura prática comercial abusiva e nítida violação à dignidade da autora a justificar reparação por dano moral.”. (acórdão 1618478, 07041924620228070016, Rel. FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Primeira Turma Recursal, julgado em 16/09/2022, dje 28/09/2022).

9. A fixação do valor a título de dano moral deve levar em conta critérios doutrinários e jurisprudenciais, tais como o efeito pedagógico e inibitório para o ofensor e a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido ou empobrecimento do ofensor. Ainda, a indenização deve ser proporcional à lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido, às circunstâncias que envolvem o fato, às condições pessoais e econômicas dos envolvidos, e à gravidade objetiva do dano moral. Nesse ínterim, sob tais critérios, entendo adequado o valor de R$ 2.000,00 fixado na origem.

10. Por fim, a fixação de astreintes objetiva compelir o devedor ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta, e se dá rebus sic stantibus, podendo, portanto, seu valor ser reduzido ou majorado. Nesse diapasão, a par da ausência de preclusão quanto à modulação do valor da multa cominatória, que poderá ser ajustada aos parâmetros proporcionais e razoáveis em hipótese de excesso, em sede de cumprimento de sentença, não entrevejo exorbitância das astreintes no particular, fixadas à razão de R$ 1.000,00 por descumprimento, até o limite de R$ 10.000, considerando a baixa complexidade da obrigação a ser empreendida e os reflexos de sua inação.

11. Conheço do recurso e lhe nego provimento. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. Sentença mantida.

12. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação, na forma do art. 55 da Lei 9.099/95.

A decisão da Turma Recursal foi unânime.

Acesse o PJe2 e confira o processo: 0709386-63.2022.8.07.0004

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