A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de reconhecimento de uso indevido da marca de pilhas Duracell em produtos da linha Rayovac, que utilizou a imagem do produto concorrente em embalagens e peças publicitárias comparativas. De forma unânime, o colegiado entendeu que a publicidade não violou o direito do consumidor ou trouxe prejuízo à marca Duracell.
A ação de violação de direito de marca foi proposta pelas empresas Gilette Company e Procter & Gamble, que buscavam fazer cessar o uso da marca Duracell nas pilhas Rayovac, fabricadas pela Microlite.
Segundo as autoras, a empresa ré utilizou injustificadamente a marca Duracell em produtos e nas campanhas publicitárias da Rayovac, além de praticar concorrência desleal ao divulgar mensagens comerciais como “A guerra contra o coelho está declarada”, em alusão à mascote da Duracell.
Concorrência permitida
O pedido foi julgado improcedente em primeira instância. Para o magistrado, a publicidade produzida pela Microlite estaria dentro dos limites estabelecidos pelo mercado publicitário e, além disso, a divulgação de pesquisa comparativa não fez a empresa incorrer em concorrência desleal, pois houve apenas divulgação de informação. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Em análise do recurso especial apresentado pelas empresas proprietárias da Duracell, a ministra relatora, Nancy Andrighi, explicou inicialmente que é característica inerente à publicidade comparativa o enaltecimento de qualidade ou preço do produto ou serviço em relação a outros similares.
Apesar de a prática estar normatizada na Resolução 126 do Mercosul, a ministra esclareceu que a legislação brasileira não regulou a modalidade de forma expressa. No âmbito do direito privado, todavia, a ministra lembrou que o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária estabelece a possibilidade da publicidade comparativa, desde que respeitados alguns limites, como o esclarecimento do consumidor e a comprovação dos elementos submetidos à comparação.
Livre concorrência
A ministra reconheceu a existência de tensão entre as normas que asseguram proteção à marca e aquelas que garantem a livre concorrência. Por esse motivo, afirmou, a avaliação da licitude da publicidade comparativa deve considerar, caso a caso, os direitos assegurados na Lei de Propriedade Industrial à luz de princípios constitucionais como a liberdade de comunicação e o direito de acesso à informação, entre outros.
“É possível, portanto, afirmar com segurança que, em relação aos direitos de propriedade industrial, a existência de menção específica à marca registrada por terceiro em anúncio publicitário não pode, isolada das circunstâncias da hipótese concreta, ser considerada ilícita”, disse Nancy Andrighi.
Propósito informativo
Sob o aspecto do direito concorrencial, a ministra também entendeu que a publicidade comparativa só poderia ser considerada ilícita caso denegrisse a imagem da marca concorrente, causasse confusão ou configurasse uso indevido, o que, segundo as instâncias ordinárias, não ficou comprovado no processo.
“De tudo isso, infere-se que a publicidade comparativa, no particular, não violou os ditames da boa-fé, foi realizada com propósito informativo e em benefício do consumidor. Não foi constatada a prática de atos de concorrência desleal, tampouco de atos que tenham denegrido a marca ou a imagem dos produtos das recorrentes”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO, CONCORRENCIAL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA, REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282⁄STF. PUBLICIDADE COMPARATIVA. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. PONDERAÇÃO ENTRE OS INTERESSES DO TITULAR DA MARCA COMPARADA E OS DO PÚBLICO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE NÃO DESTOAM DAS PREMISSAS LEGAIS E TEÓRICAS ORA FIXADAS.1- Ação ajuizada em 31⁄3⁄2010. Recurso especial interposto em 17⁄12⁄2013 e atribuído ao Gabinete em 25⁄8⁄2016.2- O propósito recursal é definir se a estratégia de marketing utilizada pela recorrida, baseada em publicidade comparativa, violou direito marcário titulado pelas recorrentes.3- A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede, quanto às normas por eles veiculadas, o conhecimento do recurso especial.4- A publicidade comparativa pode ser definida como método ou técnica de confronto empregado para enaltecer as qualidades ou o preço de produtos ou serviços anunciados em relação a produtos ou serviços de um ou mais concorrentes, explícita ou implicitamente, com o objetivo de diminuir o poder de atração da concorrência frente ao público consumidor.5- A despeito da ausência de abordagem legal específica acerca da matéria, a publicidade comparativa é aceita pelo ordenamento jurídico pátrio, desde que observadas determinadas regras e princípios concernentes ao direito do consumidor, ao direito marcário e ao direito concorrencial, sendo vedada a veiculação de propaganda comercial enganosa ou abusiva, que denigra a imagem da marca comparada, que configure concorrência desleal ou que cause confusão no consumidor. Precedentes.6- Na hipótese dos autos, conforme as premissas fáticas assentadas pelo juízo de origem – soberano no exame do acervo probatório –, verifica-se que a publicidade comparativa veiculada pela recorrida não violou os ditames da boa-fé, foi realizada com propósito informativo e em benefício do consumidor, não tendo sido constatada a prática de atos de concorrência desleal, tampouco de atos que tenham denegrido a marca ou a imagem dos produtos das recorrentes.7- Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.