A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que um acusado de contrabandear gasolina deve ser absolvido e reformou sentença da 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima (SJRO) que condenou o denunciado a um ano de reclusão pela importação de 100 litros de gasolina da Venezuela.
Em seu apelo ao TRF1, o réu alegou atipicidade formal do delito porque a gasolina seria para consumo próprio, e não para revenda (o que não ficou comprovado). O acusado pediu a aplicação do princípio da insignificância e sua absolvição.
Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Ney Bello, afirmou que embora as jurisprudências dominantes sejam no sentido da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de contrabando, “analisando-se melhor o fato típico descrito no art. 334 do Código Penal, deve-se dar novo entendimento à questão da possibilidade de se aplicar a bagatela nos casos de contrabando de gasolina, sem fins lucrativos, até 100 litros”.
Nesses casos, sustentou o magistrado, a conduta do acusado deve ser punida apenas na esfera administrativa. “O Direito Penal somente deve incidir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo o aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões de pouca importância, insignificantes e sem adequação social”, finalizou o desembargador federal.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO. ART. 334 DO CP. COMBUSTÍVEL DE ORIGEM ESTRANGEIRA. CIGARRO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA PARA ABSOLVÊ-LO DA IMPUTAÇÃO DELITIVA. 1. Inocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado pela pena in concreto (art. 110, CP). 2. A conduta do réu configura o crime de contrabando, visto a gasolina ser produto de importação e comercialização proibidas pelo ordenamento jurídico, de modo que não há como eximir o apelante da imputação da prática do crime tipificado no art. 334 do CP. 3. Embora as jurisprudências dominantes sejam no sentido da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de contrabando, analisando-se melhor o fato típico descrito no art. 334 do Código Penal, deve-se dar novo entendimento à questão da possibilidade de se aplicar a bagatela nos casos de contrabando de gasolina, sem fins lucrativos, até 100 litros. Esse é o caso dos autos. 4. Nesses casos, a apenação da conduta deve ser punida apenas na esfera administrativa. O direito penal somente deve incidir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo o aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões de pouca importância, insignificantes e sem adequação social. 5. O Direito Penal é a ultima ratio do sistema punitivo. A insignificância no campo penal funciona como elemento prévio de identificação do que deve e do que não deve ser objeto de tutela penal. 6. A insignificância é entendida como um princípio por ser um vetor interpretativo de toda a teoria do delito e de toda dogmática penal. Afinal, o princípio da insignificância funciona como elemento prévio de aferição da tipicidade material, servindo de orientação para a aplicação das regras do Direito Penal e de filtro de contenção à pretensão punitiva do Estado. 7. A jurisprudência do STF e do STJ estabeleceu as balizas gerais de aplicação do princípio da insignificância em matéria penal: a) mínima ofensividade da conduta; b) falta de periculosidade da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta; d) lesão inexpressiva ao bem jurídico tutelado. 8. Proliferam no Brasil visões de mundo que idealizam o Direito Penal como o grande elemento de controle social e político da sociedade, quando na verdade as limitações impostas pelos novos desenhos teóricos e institucionais mostram que o Direito Penal não pode, e nem nunca quis, ser a panaceia para a solução de todos os problemas sociais para os quais o direito nem sempre tem ou terá resposta. 9. A capacidade de punir deve estar limitada àquelas situações que causam dano ao Estado, à comunidade. Consequentemente, é preciso impedir a punição daquelas condutas cujo bem jurídico é minimamente afetado ou daqueles fatos e atos socialmente irrelevantes para fins de tipicidade objetiva. 10. Caso em que, revendo posicionamento até então firmado pelo Relator, aplica-se o princípio da bagatela. 11. Consoante o art. 99, §3º, do CPC, para se obter o benefício da assistência judiciária gratuita, basta a simples afirmação da parte de que não poderá arcar com as custas do processo e os honorários de advogado. 12. Apelação do réu provida, para absolvê-lo pela aplicação do princípio da insignificância.
Seu voto pela reforma da sentença para aplicar o princípio da insignificância e absolver o réu foi acompanhado pela Turma.
Processo: 0002811-84.2014.4.01.4200