TST publica o acórdão com a tese que veda a cumulação de adicionais de insalubridade e de periculosidade

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos n° TST-IRR-239-55.2011.5.02.0319, em que é Suscitante ALEXANDRE DE SOUZA AGRA BELMONTE – MINISTRO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Embargante ALEXANDRE ZANARDI TARDIN e Assistente Simples UNIÃO (PGU) e Suscitada SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Embargada AMERICAN AIRLINES INC. e são AMICI CURIAE FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PORTUÁRIOS, SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA PURIFICAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E EM SERVIÇOS DE ESGOTO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SINDIÁGUA/RS, SINDICATO DOS ODONTOLOGISTAS NO ESTADO DA BAHIA – SINDODONTO/BA, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO – ABAG.

Adoto o relatório do Exmo. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Relator:

“Trata-se de incidente de recurso repetitivo suscitado pelo Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, com fulcro nos arts. 896-B e 896-C, § 1º ao § 4º, da CLT e 2º, § 2º, da Instrução Normativa nº 38 do TST.

Em sessão ordinária, realizada no dia 5 de outubro de 2017, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho decidiu acolher a proposta de instauração de Incidente de Recurso Repetitivo apresentada pelo Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, afetando à Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST, com a participação de todos os ministros que a integram, a questão jurídica relativa ao tema ‘Cumulação de Adicionais de Periculosidade e de Insalubridade Amparados em Fatos Geradores Distintos e Autônomos’.

Ao formular a proposta de instauração do incidente, o Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte verifica a existência de decisões divergentes a respeito do tema ‘Cumulação de Adicional de Insalubridade e Periculosidade’ entre as Turmas desta Corte, havendo posição no sentido da cumulação, por parte das 3ª e 7ª Turmas, ao passo que as demais Turmas julgadoras se orientariam pela não cumulação.

Aprovada a proposta por unanimidade, na sessão ordinária de 5 de dezembro de 2017, sobreveio a distribuição do feito a este relator, que, mediante decisão singular, determinou sua reautuação, a fim de constar como processo principal do presente Incidente de Recurso Repetitivo (IRR) o processo tombado sob nº 239-55.2011.5.02.0319, com o apensamento, como representativos da controvérsia, dos processos sob nos 465-74.2013.5.04.0015, 10098-49.2014.5.15.0151 e 12030-26.2013.5.03.0027.

Instaurado o Incidente de Recurso Repetitivo, foi publicado em 13/12/2017 despacho, a fls. 3105-3106 dos autos eletrônicos, em que foram determinadas a suspensão de todos os processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho sobre a mesma matéria; a expedição de ofício aos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para prestarem informações; a expedição de edital a fim de cientificar pessoas com interesse em serem admitidas como amicus curiae; e o envio de cópia da decisão ao Ministro Presidente para fins dos arts. 896-C, § 3º, da CLT e 6º da Instrução Normativa nº 38/2015.

Como relator do presente Incidente, despachei nos seguintes termos:

 

De início, diante do procedimento de Incidente de Recursos Repetitivos, previsto no Código de Processo Civil vigente, determino a suspensão dos agravos de instrumento, recursos de revista e de recursos de embargos em tramitação no âmbito desta Corte que versem o tema aludido.

Nos termos do Código de Processo Civil, determino à Secretaria da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais que adote as seguintes providências:

  1. a) a expedição de ofícios aos demais Ministros e aos órgãos fracionários da Corte, noticiando a instauração do presente Incidente de Recurso Repetitivo e a determinação de suspensão dos agravos de instrumento, recursos de revista e recursos de embargos que tratem do tema acima mencionado;
  2. b) expedição de ofícios aos Presidentes ou aos Vice-Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para que, no prazo de quinze dias, prorrogáveis por igual período, prestem as informações que julgarem relevantes ao deslinde da questão jurídica identificada;
  3. c) determinação aos Presidentes ou Vice-Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho que selecionem dois ou mais recursos representativos da controvérsia para encaminhamento a esta Corte e suspendam o trâmite de todos os feitos pendentes no âmbito da admissibilidade dos recursos de revista nos respectivos tribunais, aduzindo que preferencialmente a seleção dos processos deverá recair sobre recursos de revista admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida;
  4. d) publicação em edital, que deverá permanecer destacado no sítio eletrônico deste Tribunal na Rede Mundial de Computadores (internet), oportunizando aos interessados a apresentação de manifestação acerca do tema objeto da controvérsia, inclusive quanto ao propósito de sua admissão no feito como amicus curiae;
  5. e) comunicação ao Ministério Público do Trabalho para ciência e acompanhamento do incidente instaurado, nos termos da lei, diante da natureza homogênea dos interesses dos trabalhadores;
  6. f) expedição de carta-convite a pessoas, órgãos e entidades nominados por este Relator em lista apartada.

 

O edital de intimação, a fls. 3108, foi publicado em 18 de dezembro de 2017 e em 19 de dezembro de 2017, o edital de intimação dos interessados para apresentarem manifestações.

Em resposta aos ofícios enviados aos Presidentes dos vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho, nos moldes do art. 896-C, § 7º, da CLT, foram remetidas a este relator as seguintes informações, pelos Presidentes dos Tribunais Regionais:

  1. a) 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 13ª, 14ª, 16ª, 17ª, 18ª, 19ª, 20ª, 22ª, 23ª, 24ª Regiões (fls. 3349, 3351, 4205, 4211, 4249, 4257, 4481, 4497, 4618, 4624, 4632, 4640, 4646, 4691, 4810): informam que não há recursos de revista em tramitação no seu âmbito cujas matérias versem a questão jurídica ‘Cumulação de Adicionais de Periculosidade e de Insalubridade Amparados em Fatos Geradores Distintos e Autônomos’;
  2. b) 11ª Região (fls. 3682): indica que se trata de matéria uniformizada no âmbito daquela Corte pela Tese Jurídica Prevalente, segundo a qual ‘deve-se considerar que a proibição de acumulação dos adicionais incide apenas nas hipóteses em que o mesmo fato caracteriza, simultaneamente, situação de insalubridade e de periculosidade, não se aplicando aos casos em que o empregado está sujeito a fatores de risco provenientes de causas diversas e independentes, ocasião em que será devida a percepção cumulativa dos adicionais peio trabalhador’, sendo enviada a documentação que ensejou tal entendimento;
  3. c) 15ª Região (fls. 4229): indica que se trata de matéria uniformizada no âmbito do TRT pela Tese Jurídica Prevalente, segundo a qual, ‘Nos termos do art. 193, § 2º, da CLT, o recebimento dos adicionais de periculosidade e insalubridade não pode ser cumulado, devendo o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico.’, noticiando a remessa de recursos de revista (processos nos 0010673-67.2015.5.15.0007 e 0011136-72.2014.5.15.0062);
  4. d) 2ª Região (fls. 3973): noticia a remessa de recursos de revista (processos nos 1000004-33.2015.5.02.0254 e 1002529-96.2013.5.02.0467);
  5. e) 3ª Região (fls. 4463): noticia a remessa de recurso de revista (processo nº 0012053-86.2016.5.03.0052);
  6. f) 4ª Região (fls. 4103): noticia a remessa de recursos de revista (processos nos. 0000917-60.2013.5.04.0702 e 0020919-69.2014.5.04.0523) e indica, a fls. 4383, que se trata de matéria uniformizada no âmbito do TRT pela Tese Jurídica Prevalente, segundo a qual ‘O pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade encontra óbice no artigo 193, § 2º da CLT, o qual faculta ao empregado o direito de optar pelo adicional mais favorável. Inexistência de violação aos incisos XXII e XXIII, do artigo 7º da Constituição Federal.’;
  7. g) 21ª Região (fls. 4263): noticia a remessa do recurso de revista (processo nº 0000317-23.2016.5.21.0003);
  8. h) 12ª Região (fls. 4271): noticia a remessa de recursos de revista (processos nos. 0000840-72.2016.5.12.0007 e 0000631.06.2016.5.12.0007);
  9. i) 1ª Região (fls. 4219): noticia a remessa de recurso de revista (processo nº 0000629-90.2014.5.01.0531).

Federação Nacional dos Portuários apresenta, a fls. 3363, pedido de ingresso na lide na condição de amicus curiae e juntada de documento consubstanciado em trabalhos científicos intitulados de ‘Gerenciamento de Riscos Socioambientais no Complexo Portuário de Santos na Ótica Ecossistêmica’, ‘Percepção dos trabalhadores avulsos sobre os riscos ocupacionais no porto do Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil’, ‘Riscos à Saúde dos Trabalhadores na Operação Portuária’ e ‘Trabalhador portuário: perfil de doenças ocupacionais diagnosticadas em serviço de saúde ocupacional’.

Em petição, a fls. 3694-3704, Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes – ABIEC requereu sua habilitação como amicus curiae e se manifesta no sentido da impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade.

Confederação Nacional da Indústria – CNI, a fls. 3721, requereu sua admissão na causa na qualidade de amicus curiae.

A sociedade Leite, Tosto e Barros Advogados Associados pretendeu seu ingresso na lide como amicus curiae, a fls. 3817-3832.

A fls. 3875-3878, Wladimir Vieira da Silva apresentou suas manifestações sobre o tema em debate.

Por petição a fls. 3880-3891, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul – SINDIÁGUA/RS requereu sua inclusão na demanda como amicus curiae e que seja reconhecida a inconstitucionalidade do art. 193, § 2º, da CLT ante a nova ordem constitucional, bem como declarada a inaplicabilidade do referido dispositivo por conflitar com o art. 8º, III, da Convenção nº 148 da OIT e com o art. 11, ‘b’, da Convenção nº 155 da OIT, a fim de que seja reconhecido o direito à cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.

Sindicato dos Odontologistas no Estado da Bahia – SINDODONTO/BA, a fls. 3929-3947, apresentou sua manifestação e requereu sua admissão no feito como amicus curiae.

O Ministério Público do Trabalho, a fls. 4269-4270, requereu sua intimação para se manifestar nos autos, após cumpridas as providências instrutórias e prestadas as informações solicitadas pelo ministro relator, em cumprimento ao disposto no art. 896-C, § 9º, da CLT.

Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG pleiteou, a fls. 4279-4302, seu ingresso voluntário como amicus curiae e se manifestou pela impossibilidade de cumulação de adicionais de periculosidade e de insalubridade amparados em fatos geradores distintos e autônomos.

Associação Nacional dos Hospitais Privados – ANAHP, a fls. 4505-4514, apresentou sua manifestação, indicando que não há que se falar em pagamento cumulativo de adicional de periculosidade e de insalubridade.

ANAMATRA, por petição a fls. 4584-4590, propugnou sua admissão nos autos na qualidade de amicus curiae e se pronunciou no sentido da possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.

A fls. 4707-4725, Associação Brasileira de Indústrias Químicas – ABIQUIM requereu o deferimento de seu ingresso nos autos na qualidade de amicus curiae, inclusive para fins de sustentação oral, bem como a manutenção da jurisprudência há muito consolidada no sentido da vedação de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade.

No exame dos requerimentos de ingresso na lide como amicus curiae, tempestivamente ofertados, indeferi o pleito formulado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, por entender que a referida associação, como entidade de classe representativa da categoria dos magistrados, tem por força de estatuto a finalidade de ‘congregar magistrados do trabalho em torno de interesses comuns; II – promover maior aproximação, cooperação e solidariedade entre os associados; III – defender e representar os interesses e prerrogativas dos associados perante as autoridades e entidades nacionais e internacionais; IV – pugnar pelo crescente prestígio da Justiça do Trabalho.’ – atuações corporativas que não correspondem à pretensão apresentada. Na espécie, não há correlação da amicus curiae suscitada com nenhum interesse da categoria, da mesma forma que a atuação dos magistrados no incidente é de cunho jurisdicional e não sindical e se encontra corporificada no processo de uniformização do Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos pela apresentação de recursos representativos indicados pelos Tribunais Regionais e Ministros da Corte.

Recebi como memorial a petição, a fls. 3875-3878, do advogado Wladimir Vieira da Silva, no sentido de ‘que em havendo o labor em condições penosas, insalubres e periculosas, as mesmas são passíveis de indenizações diferenciadas, através dos adicionais consagrados pelos incisos XXII e XXIII do artigo 7º da CRFB/88’. Da mesma forma, recebi como memorial a petição da Associação Nacional dos Hospitais Privados – ANAHP, a fls. 4505-4514.

Indeferi o pedido formulado pela requerente Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.

Restou admitida a habilitação como amicus curiae dos seguintes postulantes: Federação Nacional dos Portuários, Sindicatos dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul – SINDIÁGUA/RS, Sindicato dos Odontologistas no Estado da Bahia – SINDODONTO/BA, Confederação Nacional da Indústria – CNI, Associação Brasileira de Indústrias Químicas – ABIQUIM e Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG.

Foi indeferido o pedido de ingresso das seguintes postulantes: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes – ABIEC e Associação Nacional dos Hospitais Privados – ANAHP.

Por despacho, determinei o apensamento dos processos nos. 0010673-67.2015.5.15.0007, 0011136-72.2014.5.15.0062, 1000004-33.2015.5.02.0254, 1002529-96.2013.5.02.0467, 0012053-86.2016.5.03.0052, 0000917-60.2013.5.04.0702, 0020919-69.2014.5.04.0523, 0000317-23.2016.5.21.0003, 0000840-72.2016.5.12.0007, 0000631.06.2016.5.12.0007 e 0000629-90.2014.5.01.0531, representativos de controvérsia.

O Ministério Público do Trabalho, em parecer exarado a fls. 9702-9706, se manifesta no sentido de que os adicionais de periculosidade e de insalubridade que possuam distintos fatos geradores, caso ocorram simultaneamente, devem ser considerados de modo cumulativo, para que o trabalhador seja compensado pela exposição individualizada a cada um deles.

É o relatório.”

V O T O

INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS

 

Reproduzo as circunstâncias da instauração do incidente, conforme expostas pelo Exmo. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Relator

 

“1 – INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE – NOVA INTERPRETAÇÃO DO TEMA A PARTIR DE JULGADOS DAS 3ª E 7ª TURMAS DESTA CORTE

Como relatado, o presente incidente foi instaurado em decorrência do acolhimento de proposta formulada pelo Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, que, confrontado com o julgamento de três embargos à SBDI-1 (465-74.2013.5.04.00115; 10098-49-2014.5.15.0151; e 12030-26.2013.5.03.0027), noticiou a existência de divergência entre as Turmas desta Corte a respeito da matéria em exame.

Referida divergência se materializa a partir do lançamento de nova tese interpretativa a respeito do tema, calcada na não recepção do art. 193, § 2º, da CLT pela ordem constitucional vigente. Entendimento corroborado por meio de acurada excursão no estudo de controle de constitucionalidade e de convencionalidade da referida norma.

A tese foi abraçada de forma precursora pela 7ª Turma desta Corte, seguida pela 3ª Turma, em oposição ao entendimento tradicionalmente fixado pelas próprias 3ª e 7ª Turmas, bem como pelas demais Turmas julgadoras do TST, que conferiam aplicação regular e literal ao mencionado dispositivo legal.

Porque representativas do entendimento das Turmas que suscitam a tese nova, transcrevem-se as seguintes ementas:

 

RECURSO DE REVISTA. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. CONVENÇÕES NOS 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTEGRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger. A regulamentação complementar prevista no citado preceito da Lei Maior deve se pautar pelos princípios e valores insculpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma. Outro fator que sustenta a inaplicabilidade do preceito celetista é a introdução no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais nos 148 e 155, com status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal, como decidido pelo STF. A primeira consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho e a segunda determina que sejam levados em conta os ‘riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes’. Nesse contexto, não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, § 2º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. (TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384, 7ª Turma, Rel. Min. Cláudio Brandão, DEJT de 3/10/2014)

 

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 193, § 2º, DA CLT PELO ART. 7º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 8.3 DA CONVENÇÃO 148 DA OIT E ART. 11-B DA CONVENÇÃO 155 DA OIT. ‘STATUS’ DE NORMA SUPRALEGAL. A ciência do Direito informa que a Constituição representa fonte normativa dotada de prevalência na ordem jurídica. Ela é que confere validade – fundamento e eficácia – a todas as demais normas jurídicas existentes em determinado contexto jurídico nacional. Observe-se que o fundamento de validade surge, em geral, por abstração negativa, o que significa que a norma infraconstitucional será válida e eficaz desde que não agrida o comando ou princípio constitucional estabelecido. O cotejo das normas jurídicas infraconstitucionais com os princípios e regras constitucionais provoca, como se sabe, distintos fenômenos relevantes. Trata-se da revogação, da recepção e da invalidação. A revogação ocorre quando a antiga norma infraconstitucional é suprimida da ordem jurídica, tácita ou expressamente, por não se compatibilizar com o novo quadro constitucional emergente. A recepção, por sua vez, acontece quando a antiga norma infraconstitucional preserva-se na ordem jurídica, por se mostrar compatível com o novo quadro constitucional emergente. Finalmente, a invalidação se passa quando a norma produzida choca-se com a ordem constitucional em vigor, esterilizando-se por declaração de inconstitucionalidade. Em resumo, se a norma for editada após o advento da nova ordem constitucional, a avaliação circunscreve-se à declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade das leis e atos normativos. Se a norma infraconstitucional for anterior à nova Constituição e com ela compatível, será recepcionada; se incompatível, será revogada. Trata-se, essa última hipótese, do fenômeno da ‘não recepção’ das normas jurídicas infraconstitucionais. Na presente hipótese avalia-se a recepção do art. 193, § 2º, da CLT, ali inserido pela Lei 6.514/77, pela Constituição Federal promulgada em 1988. E a resposta é negativa. Os incisos XXII e XXIII do art. 7º da CF resguardam o direito dos trabalhadores ao recebimento dos adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade sem qualquer restrição quanto à cumulação, remetendo à lei ordinária a sua regulação, a qual se dá pela CLT e demais normas infraconstitucionais. Trata-se, assim, de norma de eficácia limitada, ou seja, depende de emissão de uma normatividade futura para alcançar plena eficácia. Esse preceito, entretanto, possui relevante eficácia jurídica, isto é, tem aptidão para obstar a edição de normas infraconstitucionais em sentido antitético ou incompatível ao incorporado no preceito constitucional vigorante, invalidando – ou revogando, como na hipótese – tais normas antagônicas. Além da força vinculante da Constituição, a República Federativa do Brasil incorporou ao ordenamento jurídico interno as Convenções Internacionais 148, promulgada por meio do Decreto n. 93.413, de 15.10.86, com vigência a partir de 14.01.83, e 155, promulgada pelo Decreto n. 1.254, de 29.9.94, com vigência a partir de 18.5.1993, ambas da OIT. A Convenção nº 148 estabelece diversas propostas relativas ao meio ambiente de trabalho, notadamente em relação à contaminação atmosférica, ruído e vibrações. Por sua vez, a Convenção 155 trata da segurança e saúde dos trabalhadores, adotando diversas proposições relativas à segurança, à higiene e ao meio ambiente do trabalho. Ressalta-se que, no Direito do Trabalho, as Convenções da OIT, quando ratificadas pelo Estado brasileiro, têm se tornado importantes fontes formais justrabalhistas no País. Não há dúvidas de que a jurisprudência do País (STF), por décadas, considerou que esses diplomas internacionais, ao ingressarem na ordem jurídica interna, fazem-no com o status infraconstitucional. Isso significa que se submetem, inteiramente, ao crivo de constitucionalidade; nesta medida podem ser declarados inválidos, mesmo após ratificados, se existente afronta a regra ou princípio insculpido na Constituição brasileira. Registre-se que a Reforma do Judiciário, promulgada em dezembro de 2004 (EC. 45/04), passou a conferir status de emenda constitucional a tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que tenham sido aprovados com o rito e quorum similares aos de emenda. Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em sessão de dezembro de 2008, modificou, em parte, sua jurisprudência sobre o status normativo das regras internacionais ratificadas pelo Brasil. Fixou o patamar supralegal dessas regras (acima das leis ordinárias e complementares), desde que referentes a convenções e tratados internacionais sobre direitos humanos (o status clássico, de simples diploma legal, ficou preservado para a generalidade dos documentos internacionais ratificados). A alteração interpretativa tem de ser integrada a um quadro de avanço hermenêutico e cultural, e não de retrocesso. Desse modo, havendo aparente conflito entre normas internacionais ratificadas e o Direito interno, deve prevalecer a norma e a interpretação mais favoráveis à pessoa humana a quem se destina a tutela jurídica. O mesmo se aplica a normas de tratados e convenções internacionais de direitos trabalhistas – que têm óbvia natureza de direitos humanos: em situação de aparente conflito entre preceitos internacionais ratificados (as Convenções citadas, por exemplo) e preceitos legais internos, prevalece o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, quer no que tange ao critério de solução do conflito normativo, quer no que diz respeito ao resultado interpretativo alcançado. Com relação ao caso concreto, acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, não há dúvidas de que as disposições que mais se harmonizam com os referidos preceitos e com as normas constitucionais de proteção do trabalhador são aquelas previstas nas Convenções 148 e 155 da OIT (que possuem status supralegal, isto é, acima das leis ordinárias e complementares, mas abaixo da Constituição), em detrimento da regra do art. 193, § 2º, da CLT, no sentido de que são cumuláveis o adicional de periculosidade e o de insalubridade. Trata-se, com efeito, de parcelas sumamente distintas, que não se compensam, nem se substituem, não podendo ser deduzidas. Desse modo, por força do texto normativo do art. 7º, XXII e XXIII da CF, combinado com o art. 11-b, da Convenção 155 da OIT, o sentido do art. 193, § 2º, CLT, tem de ser considerado como não recepcionado (revogado) pela nova ordem jurídica constitucional estabelecida com a Constituição Federal promulgada em 1988, para permitir a acumulação das parcelas diferentes, porém não a duplicidade de pagamento da mesma verba pela ocorrência de duplo fator agressivo. Ou seja, não se pagam, é óbvio, dois adicionais de insalubridade em vista da existência de dois agentes insalubres, pois a verba é a mesma; porém pagam-se as duas verbas distintas (insalubridade e periculosidade), caso existam seus fatores específicos de incidência. Por fim, quanto à possibilidade de os Tribunais manifestarem-se sobre a recepção constitucional por meio de órgão fracionário, o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, considerou que a cláusula de reserva de plenário (full bench), prevista no art. 97 da CF/88, somente se aplica às leis e atos normativos do Poder público editados sob a égide da atual Constituição, não se aplicando, desse modo, ao fenômeno da recepção/não recepção (caso dos autos). Precedentes do STF. Assim, em razão da necessidade de nova compreensão desta Corte acerca da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade à luz dos parâmetros acima citados, não se pode considerar que o art. 193, § 2º, da CF, tenha sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual se possibilita a percepção conjunta do adicional de insalubridade e de periculosidade. Recurso de revista conhecido e provido. (…) (TST-ARR-465-74.2013.5.04.0015, 3ª Turma, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, DEJT de 13/5/2016)

 

Estes, em síntese, são os fundamentos que nortearam o lançamento de tese nova sobre a matéria:

 

  1. a) ‘o direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade é assegurado no artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal, de forma plena, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação’;
  2. b) ‘a possibilidade de regulação por lei ordinária, mencionada no citado dispositivo, não autoriza a redução do alcance do preceito constitucional, em interpretação restritiva, sob pena de atingir, frontalmente, o princípio da máxima efetividade da Constituição’;
  3. c) diversidade de bens jurídicos tutelados pelos adicionais de insalubridade e de periculosidade, notadamente quando provenientes de agentes causadores distintos;
  4. d) ‘mesmo que não se reconheça a natureza de normas materialmente constitucionais dos tratados internacionais sobre direitos humanos, a jurisprudência consolidada do STF lhes reconhece status de supralegalidade, o que significa afirmar estarem em patamar de hierarquia superior à CLT’;
  5. e) ‘em virtude de constituírem instrumentos consagradores de direitos sociais, as convenções da OIT correspondem a tratados de direitos humanos e, por conseguinte, possuem tal hierarquia normativa, além de conteúdo mais favorável’;
  6. f) ‘as Convenções nº 148 e 155 determinam sejam levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes, o que é representado, no Brasil, no caso em tela, pela compensação propiciada pela percepção dos adicionais de insalubridade e periculosidade’;
  7. g) ‘tais convenções derrogaram a regra prevista no art. 193, § 2o, da CLT e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional, em caso de estar o empregado sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho executado’.

 

Mostra-se flagrante a contrariedade entre o referido entendimento e a jurisprudência assentada desta Corte, que pode ser representada pela seguinte ementa:

 

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE – IMPOSSIBILIDADE. Incontroverso nos autos que a reclamada foi condenada ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio no percentual de 20% e do adicional de periculosidade equivalente a 30% do salário base do reclamante. O ordenamento jurídico brasileiro prevê a percepção do adicional de periculosidade, de que trata o artigo 193 da CLT, ao trabalhador exposto à situação de risco, conferindo-lhe, ainda, o direito de optar pelo adicional de insalubridade previsto no artigo 192 do mesmo diploma legal, quando este também lhe for devido. É o que dispõe o artigo 193, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho: ‘§ 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.’ Desse modo, o referido dispositivo legal veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes da SBDI-1 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, SBDI-1, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT de 13/10/2016).

 

Ressalte-se que, anteriormente à suscitação do presente incidente, a jurisprudência tradicionalmente adotada nesta Corte foi reafirmada pela SBDI-1, em recusa à novel tese lançada pela 7ª Turma, por meio do julgamento dos embargos TST-E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064 (SBDI-1, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DEJT de 28/4/2016) e reiterada, dentre outros julgamentos, por meio do TST-E-ARR-751-85.2013.5.04.0004 (SBDI-1, Rel. Min. Cláudio Brandão, DEJT de 15/9/2016) e do TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384 (SBDI-1, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT de 13/10/2016).

Transcreve-se a seguir a ementa do acórdão proferido no TST-E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064, que, por primeiro, enfrentou a nova tese no âmbito da SBDI-1, estabelecendo a tese de recepção do art. 193, § 2º, da CLT sempre que os pedidos de insalubridade e de periculosidade decorressem da mesma causa de pedir, ou seja, atribuindo-lhes interpretação conforme a Constituição Federal e as convenções internacionais pertinentes:

 

ADICIONAIS. PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. PERCEPÇÃO CUMULATIVA. ART. 193, § 2º, DA CLT. ALCANCE.

  1. No Direito brasileiro, as normas de proteção ao empregado pelo labor prestado em condições mais gravosas à saúde e à segurança deverão pautar-se sempre nos preceitos insculpidos no art. 7º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal: de um lado, a partir do estabelecimento de um meio ambiente do trabalho equilibrado; de outro lado, mediante retribuição pecuniária com vistas a ‘compensar’ os efeitos nocivos decorrentes da incontornável necessidade de exposição do empregado, em determinadas atividades, a agentes nocivos à sua saúde e segurança.
  2. No plano infraconstitucional, o art. 193 da CLT, ao dispor sobre o direito à percepção de adicional de periculosidade, assegura ao empregado a opção pelo adicional de insalubridade porventura devido (§ 2º do art. 193 da CLT).
  3. A opção a que alude o art. 193, § 2º, da CLT não conflita com a norma do art. 7º, XXII, da Constituição Federal. Os preceitos da CLT e da Constituição, nesse ponto, disciplinam aspectos distintos do labor prestado em condições mais gravosas: enquanto o art. 193, § 2º, da CLT regula o adicional de salário devido ao empregado em decorrência de exposição a agente nocivo, o inciso XXII do art. 7º impõe ao empregador a redução dos agentes nocivos no meio ambiente de trabalho. O inciso XXIII, a seu turno, cinge-se a enunciar o direito a adicional ‘de remuneração’ para as atividades penosas, insalubres e perigosas e atribui ao legislador ordinário a competência para fixar os requisitos que geram direito ao respectivo adicional.
  4. Igualmente não se divisa descompasso entre a legislação brasileira e as normas internacionais de proteção ao trabalho. As Convenções nos 148 e 155 da OIT, em especial, não contêm qualquer norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos. Não há, pois, em tais normas internacionais preceito em contraposição ao § 2º do art. 193 da CLT.
  5. Entretanto, interpretação teleológica, afinada ao texto constitucional, da norma inscrita no art. 193, § 2º, da CLT, conduz à conclusão de que a opção franqueada ao empregado, em relação à percepção de um ou de outro adicional, somente faz sentido se se partir do pressuposto de que o direito, em tese, ao pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade deriva de uma única causa de pedir.
  6. Solução diversa impõe-se se se postula o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, concomitantemente, com fundamento em causas de pedir distintas. Uma vez caracterizadas e classificadas as atividades, individualmente consideradas, como insalubre e perigosa, nos termos do art. 195 da CLT, é inarredável a observância das normas que asseguram ao empregado o pagamento cumulativo dos respectivos adicionais — arts. 192 e 193, § 1º, da CLT. Trata-se de entendimento consentâneo com o art. 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988. Do contrário, emprestar-se-ia tratamento igual a empregados submetidos a condições gravosas distintas: o empregado submetido a um único agente nocivo, ainda que caracterizador de insalubridade e também de periculosidade, mereceria o mesmo tratamento dispensado ao empregado submetido a dois ou mais agentes nocivos, díspares e autônomos, cada qual em si suficiente para gerar um adicional. Assim, se presentes os agentes insalubre e de risco, simultaneamente, cada qual amparado em um fato gerador diferenciado e autônomo, em tese há direito à percepção cumulativa de ambos os adicionais.
  7. Incensurável, no caso, acórdão de Turma do TST que nega a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade se não comprovada, para tanto, a presença de causa de pedir distinta.
  8. Embargos do Reclamante de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento. (g.n.)

 

Pinçam-se do julgado paradigmático os seguintes fundamentos centrais:

 

  1. a) Não se cogita de não recepção do art. 193, § 2º, da CLT pela ordem constitucional, porquanto o inciso XXIII do art. 7º da Constituição ‘cinge-se a enunciar o direito a adicional ‘de remuneração’ para as atividades penosas, insalubres e perigosas e atribui ao legislador ordinário a competência para fixar os requisitos que geram direito ao respectivo adicional’;
  2. b) As Convenções nos 148 e 155 da OIT, em especial, não contêm nenhuma norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos;
  3. c) ‘interpretação teleológica, afinada ao texto constitucional, da norma inscrita no art. 193, § 2º, da CLT, conduz à conclusão de que a opção franqueada ao empregado, em relação à percepção de um ou de outro adicional, somente faz sentido se se partir do pressuposto de que o direito, em tese, ao pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade deriva de uma única causa de pedir’, razão porque o art. 193, § 2º, da CLT não seria aplicável quando as pretensões relativas ao recebimento de adicionais de periculosidade e de insalubridade decorressem de causas de pedir distintas’.

 

Contextualizada a controvérsia e ressaltando que o presente Incidente foi instaurado a fim de se discutir a cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade nos casos de agentes distintos e autônomos, passa-se ao exame da possibilidade de revisão da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.”

2 – INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO, AINDA QUE AMPARADOS EM FATOS GERADORES DISTINTOS E AUTÔNOMOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO. RECEPÇÃO DO ART. 193, § 2º, DA CLT, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Discute-se, nesta oportunidade, a possibilidade ou não de recebimento, pelos trabalhadores, submetidos a condições especiais, de forma cumulada ou simultânea, dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando amparados em fatos geradores distintos e autônomos.

Nesta Corte, distingo três correntes quanto à matéria.

A corrente até o momento minoritária no Tribunal Superior do Trabalho, que se inclina no sentido da ausência de recepção do art. 193, § 2º, da CLT, é pautada pelas seguintes premissas:

  1. a) ‘o direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade é assegurado no artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal, de forma plena, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação’;
  2. b) ‘a possibilidade de regulação por lei ordinária, mencionada no citado dispositivo, não autoriza a redução do alcance do preceito constitucional, em interpretação restritiva, sob pena de atingir, frontalmente, o princípio da máxima efetividade da Constituição’;
  3. c) diversidade de bens jurídicos tutelados pelos adicionais de insalubridade e de periculosidade, notadamente quando provenientes de agentes causadores distintos;
  4. d) ‘mesmo que não se reconheça a natureza de normas materialmente constitucionais dos tratados internacionais sobre direitos humanos, a jurisprudência consolidada do STF lhes reconhece status de supralegalidade, o que significa afirmar estarem em patamar de hierarquia superior à CLT’;
  5. e) ‘em virtude de constituírem instrumentos consagradores de direitos sociais, as convenções da OIT correspondem a tratados de direitos humanos e, por conseguinte, possuem tal hierarquia normativa, além de conteúdo mais favorável’;
  6. f) ‘as Convenções nº 148 e 155 determinam sejam levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes, o que é representado, no Brasil, no caso em tela, pela compensação propiciada pela percepção dos adicionais de insalubridade e periculosidade’;
  7. g) ‘tais convenções derrogaram a regra prevista no art. 193, § 2o, da CLT e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional, em caso de estar o empregado sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho executado’.

Uma segunda corrente, calcada na interpretação conforme os princípios constitucionais, encontra-se nos fundamentos centrais do decidido no processo nº TST-E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064 (embora, na ocasião, não se tenha configurado a possibilidade de cumulação):

“Não se cogita de não recepção do art. 193, § 2º, da CLT pela ordem constitucional porquanto o inciso XXIII do art. 7º da Constituição ‘cinge-se a enunciar o direito a adicional ‘de remuneração’ para as atividades penosas, insalubres e perigosas e atribui ao legislador ordinário a competência para fixar os requisitos que geram direito ao respectivo adicional’.

As Convenções nos 148 e 155 da OIT, em especial, não contêm qualquer norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos;

‘interpretação teleológica, afinada ao texto constitucional, da norma inscrita no art. 193, § 2º, da CLT, conduz à conclusão de que a opção franqueada ao empregado, em relação à percepção de um ou de outro adicional, somente faz sentido se se partir do pressuposto de que o direito, em tese, ao pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade deriva de uma única causa de pedir’, razão porque [sic] o art. 193, § 2º, da CLT não seria aplicável quando as pretensões relativas ao recebimento de adicionais de periculosidade e de insalubridade decorressem de causas de pedir distintas’.”

Por fim, a vertente majoritária, à qual me reúno (vencido que sou nos processos que tramitaram perante a Eg. 3ª Turma),  defende a impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, diante da recepção do art. 193, § 2º, da CLT, pela Constituição Federal de 1988.

A matéria está assim disciplinada na Constituição Federal:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”

Cumpre perquirir acerca da eficácia de tais normas constitucionais.

Traço brevíssimo histórico.

Na doutrina constitucional norte-americana, que inspirou Ruy Barbosa para idealizar a ordem constitucional republicana, estabeleceu-se a distinção, quanto à aplicabilidade, entre normas constitucionais autoexecutáveis (self-executing, self-acting ou self-enforcing) e normas não autoexecutáveis (not self-executing, not self-acting ou not self-enforcing).

Explica Cooley: “pode-se dizer que uma norma constitucional é autoexecutável quando nos fornece uma regra, mediante a qual se possa fruir e resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto; e que não é autoaplicável quando meramente indica princípios, sem estabelecer normas por cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei” (Treatise on the constitutional limitations. 6ª ed. Boston: Brown and Co., 1890, p. 99/100).

Essa doutrina evoluiu, como se pode extrair da decisão da Suprema Corte americana de 1958, no caso Trop v. Dulle:

“As provisões da Constituição não são adágios desgastados pelo tempo ou princípio ocos. São princípios vitais, vivos, que autorizam e limitam os poderes governamentais em nossa nação”[1] (Tradução minha. Trecho extraído da obra de Eduardo García de Enterría, La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional, 3. ed. Madrid: Civitas, 1994, p. 71).

No Brasil, em reelaboração da doutrina, a partir de proposições de autores italianos, chegou-se à teoria tricotômica da eficácia, de José Afonso da Silva, segundo a qual as normas constitucionais dividem-se em: 1) de eficácia plena, com aplicabilidade direta, imediata e integral; 2) de eficácia contida, com aplicabilidade direta, imediata, mas não integral; e 3) de eficácia limitada, com aplicabilidade indireta, mediata e reduzida (Aplicabilidade das normas constitucionais, 8ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 81/82).

As regras da Constituição brasileira antes transcritas são de eficácia limitada, de natureza programática. Necessitam da interpositio legislatoris, embora, conforme ensina Crisafulli, enunciem normas jurídicas tão preceptivas quanto as outras. O princípio orientador dos direitos fundamentais sociais, nelas fixado, é a proteção da saúde do trabalhador (arts. 196 e 200, VIII, da Constituição Federal).

Pela topografia dos incisos – o XXII trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho e o XXIII, do adicional pelo exercício de atividades de risco –, observa-se que a prevenção deve ser priorizada em relação à compensação, por meio de retribuição pecuniária (a monetização do risco), dos efeitos nocivos do ambiente de trabalho à saúde do trabalhador.  Ainda, quanto ao inciso XXIII, entendendo-se que a Lei não possui palavras inúteis, a conjunção “ou”, bem como a utilização da palavra “adicional”, no singular, admite supor-se alternatividade entre os adicionais. Assim, quer pela sua natureza, quer por sua literalidade, não há que se falar em restrição, pela Constituição Federal, ao art. 193, § 2º, da CLT, no que diz respeito à vedação à cumulação de adicionais (porque respeitado seu núcleo essencial), ainda que Lei possa, no futuro, autorizá-la, dado o caráter progressivo dos direitos sociais (art. 7º, caput, da Constituição Federal).

Destaco, no ponto, que foi opção do constituinte, que elaborava Carta analítica, deixar claros os bens jurídicos tutelados, ao enumerar três adicionais, em lugar de prescrever, de forma geral, o acréscimo salarial pelo trabalho em condições de risco.

Ainda que assim não fosse, Ingo Sarlet ressalta, expressamente, “o fato de todos os direitos fundamentais serem restringíveis”:

“[…] convém repisar que procuramos sempre deixar claro, desde há muito […], que a restringibilidade das normas constitucionais, notadamente das normas de direitos fundamentais, não é apenas das normas designadas como de eficácia contida ou mesmo limitada […].” (A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 254).

Este incidente de recursos repetitivos está limitado, reitero, ao exame da possibilidade de cumulação do adicional de insalubridade, criado pela Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936, com o de periculosidade, instituído pela Lei nº 2.573, de 15 de agosto de 1955. Tutelam, respectivamente, a saúde e a vida do trabalhador.

Preceitua o art. 192 da CLT, inserido pela Lei nº 6.514/77, que “o exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo”.

Já o adicional de periculosidade está assim disciplinado:

“Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

  • 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
  • 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.”

Regulamentando-os, o item 15.3 da NR 15 dispõe que, “no caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa”.

O item 16.2.1 da NR 16 também enuncia: “o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”.

Tem-se que o legislador, ao facultar ao empregado a opção pelo recebimento de um dos adicionais porventura devidos, por certo, vedou o pagamento cumulado dos títulos, sem qualquer ressalva.

A corrente intermediária, adotada em julgados desta Corte, sustenta que a interpretação teleológica do texto legal levaria à hipótese de cumulação, quando os adicionais forem decorrentes de fontes geradoras distintas. Como se verá adiante, defendo que a teleologia do texto do art. 193, § 2º, é, propriamente, a vedação à cumulação, para priorizar o paradigma preventivo de tutela da saúde do trabalhador.

Não minimizo o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, especialmente as que consagram direitos fundamentais (Konrad Hesse). Ao contrário, veementemente o defendo. A lição de Raffaele de Giorgi:

“A origem dos direitos encontra-se na razão; a razão é, não deve ser. É o limite, isto é, o início, mas também o fim; é o tempo que não possui tempo. Não pode, portanto, ser medida: a razão é imponderável. Não tem peso. Não pode ser sopesada ou valorada. A razão é a medida de si mesma. Para utilizar uma frase famosa, podemos dizer que a razão age como ‘ qualquer coisa que estava dentro do sistema, como se estivesse fora do sistema’ (Hofstetter). Mas, nesse caso, a razão é o sistema. É a razão dos direitos fundamentais que supera e domina qualquer outra.” (Seminário de teoria da decisão judicial, p. 123/124)

Para este autor, entretanto, existe diferença entre argumentação jurídica a partir da Constituição (que implica fundar a justiça normativa, dissociando-se de seu conteúdo, de forma, aparentemente, inofensiva, mas que vem a tornar-se ameaçadora) e interpretação da Constituição.

Efetivamente, no caso, sequer são necessárias digressões entre o que a Lei é e o que deveria ser, porque ela é, dentro do vetor escolhido pelo legislador e para o que se investiga, o que pode ser – na concretização do direito fundamental à saúde. Para Gadamer, a compreensão está situada no momento histórico vivido. Assim, a interpretação do texto não pode desconsiderar modificações oriundas de movimentações históricas ou precipitá-las.

Segundo a teoria estruturante, de Friedrich Müller, a norma jurídica é composta de programa normativo (Normprogramm: texto – input) e âmbito normativo (Normbereich). Nesse contexto, não é viável a elaboração de raciocínio criado para um direito puro, em processo dissociado da realidade: “o texto determina os limites extremos das possíveis variantes em seu significado” (Postpositivismo, Cantabria: Ediciones TGD, 2008, págs. 166/167).

Friso que é razoável a defesa abstrata da possibilidade de revisão de entendimentos por esta Corte. Também destaco que não questiono a força normativa da ordem jurídica internacional regente de direitos humanos, quando incorporada ao direito interno, mas, reportando-me à centralidade da proteção à dignidade da pessoa humana nas relações internas e internacionais do Brasil, tenho que não se pode pautar decisão, exclusivamente, nesse cânone, que, como protoprincípio e valor fundante de toda a ordem jurídica, não tem, por si, operacionalidade (Luhmann).

Também não me parece que as normas internacionais de direitos humanos comprometam a interpretação sobre o tema que tem prevalecido neste Tribunal.

A Convenção nº 148 da OIT, que não é autoaplicável, internalizada pelo Decreto Legislativo nº 56/1981, dispondo sobre a “proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho”, efetivamente cuida do trabalho em condições insalubres. Assim o faz:

“Artigo 1

  1. A presente Convenção aplica-se a todos os ramos de atividade econômica.
  2. Todo Membro que ratifique a presente Convenção, depois de consultar as organizações representativas de empregadores e de trabalhadores interessadas, se tais organizações existirem, poderá excluir de sua aplicação os ramos de atividade econômica em que tal aplicação apresente problemas especiais de certa importância.
  3. Todo Membro que ratifique a presente Convenção deverá enumerar, no primeiro relatório que apresente sobre a aplicação da Convenção, de acordo com o Artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, os ramos que houvessem sido excluídos em virtude do parágrafo 2 deste artigo, explicando os motivos da referida exclusão, e indicando em relatórios subsequentes o estado da legislação e da prática sobre os ramos excluídos e o grau em que se aplica ou se propõe a aplicar a Convenção a tais ramos.

Artigo 2

  1. Todo Membro poderá, em consulta com as organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se tais organizações existirem, aceitar separadamente as obrigações previstas na presente Convenção, no que diz respeito:
  2. a) à contaminação do ar;
  3. b) ao ruído;
  4. c) às vibrações.
  5. Todo Membro que não aceite as obrigações previstas na Convenção a respeito de uma ou várias categorias de riscos deverá indicá-las no instrumento de ratificação e explicar os motivos de tal exclusão no primeiro relatório sobre a aplicação da Convenção, que submeta nos termos do Artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. Nos relatórios subsequentes deverá indicar o estado da legislação e da prática sobre qualquer categoria de riscos que tenha sido excluída, e o grau em que aplica ou se propõe aplicar a Convenção a tal categoria.
  6. Todo Membro que, no momento da ratificação, não tenha aceito as obrigações previstas na Convenção, relativas a todas as categorias de riscos, deverá posteriormente notificar o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, quando julgue que as circunstâncias o permitem, que aceita tais obrigações com respeito a uma ou várias das categorias anteriormente excluídas.

[…]

Artigo 4

  1. A legislação nacional deverá dispor sobre a adoção de medidas no local de trabalho para prevenir e limitar os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações, e para proteger os trabalhadores contra tais riscos.
  2. Para a aplicação prática das medidas assim prescritas poder-se-á recorrer à adoção de normas técnicas, repertórios de recomendações práticas e outros meios apropriados.

[…]

Medidas de Prevenção e de Proteção

Artigo 8

  1. A autoridade competente deverá estabelecer os critérios que permitam os riscos da exposição à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho, e a fixar, quando cabível, com base em tais critérios, os limites de exposição.
  2. Ao elaborar os critérios e ao determinar os limites de exposição, a autoridade competente deverá tomar em consideração a opinião de pessoas tecnicamente qualificadas, designadas pelas organizações interessadas mais representativas de empregadores e de trabalhadores.
  3. Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho.”

Da mesma forma, a Convenção nº 155 da OIT, internalizada pelo Decreto nº 1.254/1994, “dispõe sobre a segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho”. São seus termos:

“Artigo 4º

  1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e a prática nacionais, formular, por em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.
  2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.

[…]

Artigo 11

Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a realização das seguintes tarefas:

  1. a) a determinação, quando a natureza e o grau de risco assim o requererem, das condições que regem a concepção, a construção e o acondicionamento das empresas, sua colocação em funcionamento, as transformações mais importantes que forem necessárias e toda modificação dos seus fins iniciais, assim como a segurança do equipamento técnico utilizado no tratado e a aplicação de procedimentos definidos pelas autoridades competentes;
  2. b) a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exploração simultâneas a diversas substâncias ou agentes;
  3. c) o estabelecimento e a aplicação de procedimentos para a declaração de acidentes de trabalho e doenças profissionais por parte dos empregadores e, quando for pertinente, das instituições seguradoras ou outros organismos ou pessoas diretamente interessadas, e a elaboração de estatísticas anuais sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais.
  4. d) realização de sindicâncias cada vez que um acidente de trabalho, um caso de doença profissional ou qualquer outro dano à saúde ocorrido durante o trabalho ou com relação ao mesmo possa indicar uma situação grave;
  5. e) a publicação anual de informações sobre as medidas adotadas para a aplicação da política referida no artigo 4 da presente Convenção e sobre os acidentes de trabalho, os casos de doenças profissionais ou outros danos à saúde ocorridos durante o trabalho ou com relação ao mesmo;
  6. f) levando em consideração as condições e possibilidades nacionais, a introdução ou o desenvolvimento de sistemas de pesquisa dos agentes químicos, físicos ou biológicos no que diz respeito aos riscos que eles representaram para a saúde dos trabalhadores.” (grifo acrescido).

Deve-se reunir todos os preceitos sob a mesma perspectiva. Destaque-se o art. 11, “b”, da Convenção nº 155, quando registra que “deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”. A palavra “simultânea”, pelo seu caráter genérico, não implica, necessariamente, a cumulação de adicionais.

De forma rápida, observa-se que as Convenções não tratam de cumulação de adicionais de insalubridade e de periculosidade. Sequer é possível vislumbrar-se, no termo “agentes”, referência inconteste à periculosidade. E não se pode, sabemos, destacar palavras ou expressões isoladas de textos normativos, sob pena de se desvirtuar todo o sistema concebido. Direito não é gota (Pontes de Miranda).

As Convenções internacionais preocupam-se com a saúde do trabalhador e a classificação de atividades. O enfoque é, portanto, nitidamente, preventivo, para que a evolução tecnológica não torne, por exemplo, os limites previstos pelas Normas Regulamentadoras brasileiras ultrapassados.

Quanto ao tema, observa o eminente Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão:

“A Convenção n. 155 rompeu definitivamente o paradigma individualista do direito à proteção – e por isso mesmo tratado na perspectiva da prevenção do acidente ou medidas voltadas para o posto de trabalho –, passando a compreendê-lo como elemento integrante do conceito de meio ambiente, mais especificamente do meio ambiente do trabalho, como um reflexo da atuação da OIT a partir da década de 1980, cada vez mais preocupada com esse tema, sobretudo em face dos grandes acidentes ocorridos nessa época e que ocasionaram danos ambientais de proporções jamais vistas.” (Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador, 4. ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 57).

É necessária a atualização contínua da legislação, conforme evoluem os fatos sociais, para se prevenir os riscos, inclusive quando simultaneamente considerados. Não há dúvidas.

Para a corrente jurisprudencial minoritária sobre o tema, no entanto, as Convenções nº 148 e 155 determinam sejam levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes, o que é representado, no Brasil, no caso em tela, pela compensação propiciada pela percepção dos adicionais de insalubridade e periculosidade”. A afirmação, com a devida vênia, substitui a premissa pela consequência. Os tratados enunciam planos de ação política.

Leciona Sebastião Geraldo de Oliveira:

“A maioria das empresas brasileiras praticamente ignoram a ordem de preferência indicada na legislação e utiliza de pronto a última alternativa como a primeira opção. Isto porque é de fácil aplicação, tem baixo custo, sugere condições de segurança e dispensa planejamento mais elaborado. Desenvolveram-se mais técnicas e equipamentos para conviver com o agente agressivo, esquecendo da meta prioritária de eliminá-lo. Em vez de segregar o agente nocivo, segrega-se o trabalhador que tem os sentidos limitados pela utilização incômoda dos equipamentos de segurança.” (Proteção jurídica à saúde do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 424).

No mesmo sentido, a professora Maria Queiroga Camissasa:

“Enquanto o Brasil insiste no pagamento do adicional de insalubridade, nos casos de exposição do trabalhador a agentes nocivos acima do limite de tolerância, ou seja, insiste na monetarização do risco, a tendência internacional é favorável à redução da jornada nos trabalhos insalubres.” (Segurança e saúde no trabalho. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 418).

A corrente minoritária, reiteradas vênias, sob o amparo de defesa e máxima efetividade dos direitos humanos, reforça a medida menos aceitável, do ponto de vista de redução dos riscos ao trabalhador.

O montante dos aumentos dos salários dos empregados, como providência de desestímulo, equivaleria a recursos que deveriam ser investidos em pesquisa e tecnologia, para a eliminação de agentes insalubres ou perigosos. Ademais, as vantagens pecuniárias também animam os trabalhadores, no mais das vezes, a interessarem-se pelo excedente remuneratório, o que explica a maior procura por setores de empresa em que os adicionais são devidos. A posição sufragada finda por privilegiar medida menor e que já se mostrou impotente para gerar efeitos na prevenção de ambientes insalubres e perigosos.

Toda decisão empresarial é baseada em dados sobre boa relação entre custo e rentabilidade. Segundo Bob Dragoo, “uma hierarquia de valores está disponível quando medições pertinentes e apropriadas da performance comercial são implementadas. O mais básico deles me faz lembrar do comportamento que sempre observei quando comecei a falar sobre disciplina para meus filhos: o comportamento melhora quando se adquire a noção de que se está sendo observado” (Guia da Ernst & Young para gerenciar o lucro em tempo real, Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 140). Fiscalização, portanto, inclusive pelos próprios trabalhadores, poderia ser uma das chaves.

Há muitas questões e exemplos associados à matéria que poderia levantar. A cumulação de adicionais aboliria precocemente o uso do amianto? No âmbito do Judiciário, como medida de contenção, não se poderia aplicar punições por danos (punitive damages) a empresas que não investem na prevenção dos riscos à saúde dos empregados no ambiente de trabalho?

Não se está, aqui, falando da utopia do afastamento absoluto e imediato de agentes prejudiciais à saúde ou de proibição de atividades insalubres e perigosas, com interdição de estabelecimentos. A triste realidade é que, muitas vezes, é mais barato pagar o adicional cumulado a promover a reengenharia do processo de produção, a pesquisa pela substituição de agentes perigosos e insalubres, a importação ou desenvolvimento de tecnologias limpas.

Não é de senso comum que a cumulação de adicionais tem  eficácia indubitavelmente preventiva. O argumento é consequencialista e demandaria prova. Escreve MacCormick:

 

“O que é difícil em relação a essa postura consiste na extensão das consequências que os juízes devem considerar, e nas bases sobre as quais eles devem avaliá-las. As consequências sociais, especialmente aquelas de longo prazo, que surgem ao se adotar uma regra jurídica ao invés de outra são notoriamente difíceis de calcular”.

 

Por fim, assevera que “uma parte necessária da justificação dessas sentenças consiste em mostrar que elas não contradizem regras jurídicas validamente estabelecidas” (Retórica e o Estado de Direito. Tradução Conrado Hübner Mendes. Rio de Janeiro:Elsevier, 2008, pp. 138/139).

Assim, a fundamentação lastreada no senso comum, na proporcionalidade e na razoabilidade – critérios que são subjetivos -, deve apoiar-se em provas concretas, sobretudo em sede de julgamento de incidente de recursos repetitivos, no qual é permitida a ampla discussão com a sociedade e acesso, pelo Tribunal, a questões de índole interdisciplinar.

O que digo é que há outros meios de incentivar a prevenção, consentâneos com a legislação em vigor, e que seriam tão ou mais efetivos do que a cumulação de adicionais. Reafirmar o Direito do Trabalho também implica observar a realidade social, com as alterações do mundo do trabalho, e aplicar medidas mais efetivas.

Não há ambiguidade no texto da Lei interna.

Conforme ensina Malcom Shaw, “quando uma lei e um tratado têm o mesmo objeto, os tribunais buscarão interpretá-los de forma que deem efeito a ambos sem contrariar a letra de nenhum dos dois” (Direito Internacional, São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 125/126). É o que proponho para o caso, uma vez que, por tudo quanto dito, os textos comparados não são incompatíveis (a regra da impossibilidade de cumulação adequa-se à transição para o paradigma preventivo), mesmo considerado o caráter supralegal dos tratados que versem sobre direitos humanos.

É inaplicável, ainda, o princípio da norma mais favorável, na contramão do plano maior, exatamente por ausência de contraposição ou paradoxo.

Por fim, recuso a interpretação teleológica de que o art. 193, § 2º, da CLT só faria sentido se limitasse o direito à percepção de um ou outro adicional, quando decorrentes da mesma origem. Ora, se não é possível cumular dois adicionais de insalubridade por situações diferentes, também não é possível cumular adicional de insalubridade com adicional de periculosidade, ainda que diversos os fatos geradores.

Quanto à diversidade de causas de pedir, decorrentes da realização de atividades diferentes, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, em justificativa de voto convergente, no processo nº TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, traz interessante observação:

“O contrato de trabalho firmado entre um empregado e um empregador é uno. Por consequência, é estabelecida uma única remuneração como contraprestação pelos serviços prestados, independentemente do número de atividades realizadas pelo empregado. Nesse sentido é o parágrafo único do artigo 456 da CLT […].”

Ademais, reitero, como essa medida protegerá a saúde do trabalhador?

O patamar de remuneração superior, preconizado na Constituição, é atendido, do ponto de vista do ordenamento, ao permitir-se a escolha do adicional mais benéfico.

Então, o que se tem é: há Lei e jurisprudência consolidada sobre a matéria. Nada, na conjuntura social, foi alterado para a ampliação da remuneração dos trabalhadores, tal como se propõe.

Não se pode, ou não é desejável, em regime democrático, sob o argumento de interpretação, dobrar-se a lei (bend the Law) para pretender-se que diga mais do que efetivamente o fez, principalmente em contraposição ao planejamento (planning) nacional e internacional, em políticas sobre saúde no ambiente de trabalho.

Segundo Shapiro, “a discussão de Fuller destaca dois benefícios autônomos do Estado de Direito. Primeiro, habilita os membros da comunidade a preverem a atuação oficial e, portanto, a planejarem suas vidas com efetividade. Em segundo lugar, o Estado de Direito restringe o comportamento oficial, de modo que protege os cidadãos de ações arbitrárias e discriminatórias por parte de agentes governamentais. Esses benefícios surgem porque, como enfatizamos numerosas vezes neste livro, planos são capazes de promover previsibilidade e responsabilidade. Em lugar de se adivinhar como os agentes oficiais avaliarão a conduta de alguém, ou como mentiriam sobre essa avaliação, cada um pode simplesmente prosseguir com seus negócios, com a confiança em um plano ou política”[2]  (Tradução minha. Legality, First Harvard University Press paperback edition, 2013, págs. 395/396).

E completa: “o Estado de Direito floresce, portanto, apenas quando os intérpretes da lei possuem grande dose de autodisciplina. […] Devem suspender seus próprios julgamentos morais e mostrar fidelidade ao ponto de vista legal. Estar habilitado a pensar dentro de limites, podemos dizer, é a máxima virtude passiva do intérprete da lei. Porque a lógica do planejamento somente é respeitada quando o processo de interpretação da lei não desestabiliza aquelas questões que a lei quer estabilizar”[3](pág. 398).

Este é, a meu ver, o caso dos autos. Em lugar de se monetizar o risco, a ênfase deve ser para a prevenção e proteção da saúde do trabalhador.

Não há, que se saiba, no direito comparado, equivalente à solução proposta pela corrente minoritária. A própria doutrina de Júlio de Sá Rocha, no sentido de que o Brasil encontra-se em “paradigma preventivo de transição” (fl. 63), não auxilia a tese jurídica, uma vez que recrudescer “estratégias monetizadoras” em nada ampara a transição pretendida pela norma convencional. Quanto ao paradigma preventivo emergente, de que trata a Convenção da OIT, afirma o autor em sua obra:

“Em outras palavras, assiste-se a uma etapa diferenciada de tutela, pois consubstancia-se a atuação prioritariamente na prevenção, considerando a temática da saúde dos trabalhadores em todos as aspectos relacionados com o trabalho, superando, inclusive, os limites do posto de trabalho.

Com efeito, práticas incorporam, por exemplo, a análise acerca dos riscos provocados por agentes físicos, químicos e biológicos, tais como aspectos da organização do trabalho, desempenho do trabalho, treinamento dos trabalhadores, bem-estar do trabalhador e vida com qualidade dentro e fora do trabalho.

Por outro lado, a utilização de equipamentos de proteção individual pode ser considerada como prática secundária, na medida em que tais equipamentos devem ser usados unicamente quando não possa ser alcançada segurança em alternativa diferenciada de cunho coletivo.

Convém registrar que se objetiva a eliminação do risco e da insalubridade, garantindo-se um meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, dito de outra maneira, um locus de trabalho saudável. Nesse particular, apresentam-se algumas experiências que incorporam esse novo paradigma.

É certo que diferentes sistemas jurídicos assimilam esse paradigma emergente. Como todo processo de mudança, perfaz-se de forma gradual. Nesse particular, ordenamentos estatais inserem algumas inovações no que concerne à tutela da saúde dos trabalhadores.

Em face disso, a proteção clássica é substituída. Como resultado, são inseridos instrumentos que representam estágio diferenciado de tutela. Em suma, existe, no fundo, um processo de acúmulo de iniciativas que vêm sendo notadas a partir do final dos anos 70.” (Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: Atlas, 2013, pág. 95).

A opção política de modular os efeitos da decisão, caso se adote a muitas vezes referida corrente minoritária, não seria suficiente para restabelecer a segurança jurídica.

Não nego, em nenhum momento, a conveniência de se permitir a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, desde que assim comande o legislador. O que me preocupa é outorgar-se nova interpretação à legislação, mais de trinta anos depois da promulgação da Constituição Federal e da internalização da Convenção 158, e depois de vinte cinco anos da internalização da Convenção 155 da OIT, sem nenhuma contradição, no ordenamento, criada por regra regularmente editada.

No caso sob análise, o direito fundamental e principal, por certo, é o direito à saúde e, apenas supletivamente, à compensação monetária. A despeito disto, noto, não se pode perder de vista que a cumulação ainda pode ser estabelecida e permitida, pelas partes interessadas, na via da negociação coletiva.

Destaco, então, o entendimento predominante nesta Corte:

“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE – IMPOSSIBILIDADE. Incontroverso nos autos que a reclamada foi condenada ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio no percentual de 20% e do adicional de periculosidade equivalente a 30% do salário base do reclamante. O ordenamento jurídico brasileiro prevê a percepção do adicional de periculosidade, de que trata o artigo 193 da CLT, ao trabalhador exposto à situação de risco, conferindo-lhe, ainda, o direito de optar pelo adicional de insalubridade previsto no artigo 192 do mesmo diploma legal, quando este também lhe for devido. É o que dispõe o artigo 193, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho: ‘§ 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.’ Desse modo, o referido dispositivo legal veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes da SBDI-1 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido.” (E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, in DEJT 8.9.2017).

“ADICIONAIS. PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. PERCEPÇÃO CUMULATIVA. VEDAÇÃO. ARTIGO 193, § 2º, DA CLT. ALCANCE. JURISPRUDÊNCIA DA SbDI-1 DO TST. ARTIGO 894, § 2º, DA CLT 1. A SbDI-1 do TST firmou entendimento no sentido de que a norma do artigo 193, § 2º, da CLT veda, em toda e qualquer circunstância, a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, independentemente de o pedido de cumulação de adicionais derivar de uma única causa de pedir ou de causas de pedir distintas. 2. Consolidação do entendimento segundo o qual a opção a que alude o artigo 193, § 2º, da CLT não conflita com a norma do artigo 7º, XXII e XXIII, da Constituição Federal. 3. Ausência de conflito entre a legislação brasileira e as normas internacionais de proteção ao trabalho. As Convenções nos 148 e 155 da OIT, em especial, não contêm qualquer norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos. 4. Embargos do Reclamante de que não se conhece, com fundamento no artigo 894, § 2º, da CLT.” (E-ED-RR-58600-23.2011.5.17.0004, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro João Oreste Dalazen, in DEJT 11.4.2017).

“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO. 1. A respeito da matéria, esta egrégia SBDI-1, no julgamento do Processo TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgado em 13.10.2016, firmou o entendimento de que não há possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, quando as funções desempenhadas sejam insalubres e perigosas. 2. Com efeito, o § 2º do artigo 193 da CLT assegura ao empregado a possibilidade de optar, caso as funções desempenhadas sejam concomitantemente insalubres e perigosas, pelo adicional que lhe seja mais vantajoso, a saber: o de periculosidade ou insalubridade. 3. Dessa forma, na hipótese a egrégia Turma, ao reconhecer o cabimento da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, decidiu em dissonância com o entendimento desta colenda Corte Superior. 4. Recurso de embargos conhecido e provido.” (E-ED-RR-1510-15.2011.5.04.0232, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, in DEJT 26.5.2017).

“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. DISCUSSÃO SOBRE O DIREITO À CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de recebimento cumulado dos adicionais de periculosidade e insalubridade. No julgamento do Processo TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgado em 13.10.2016, prevaleceu o entendimento de não ser possível a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, nos termos do disposto no art. 193, § 2º, da CLT, mesmo havendo exposição do empregado a dois agentes diversos, a um perigo e a uma lesão à saúde, quer por agentes, fatores ou causa de pedir distintos, sendo assegurado ao empregado o direito de opção pelo recebimento de um desses adicionais que melhor lhe favoreça. Em atenção ao mais recente entendimento que prevaleceu no âmbito desta Subseção, não é possível a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Recurso de embargos conhecido e desprovido.” (E-ED-ARR-261-45.2013.5.04.0010, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, in DEJT 21.10.2016).

Trago ainda:

“[…]. RECURSO DE REVISTA ADESIVO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO INDEVIDA. 1. O artigo 193, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho preconiza caber ao empregado a opção quanto ao adicional que porventura lhe seja devido. Se o adicional de periculosidade melhor retribui o trabalho em condições de risco e em exposição a agentes insalutíferos, o empregado poderá fazer a opção por aquele, ainda que auferisse, no curso do contrato, o adicional de insalubridade. Nesse caso, resta ao julgador somente determinar a dedução dos valores já pagos a título de adicional de insalubridade, de modo que não se configure o pagamento cumulativo das referidas parcelas. Precedentes da Corte. 2. Não há cogitar, de outro lado, em incompatibilidade entre o artigo 193, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e o artigo 7º, XXII, da Constituição da República, porquanto o preceito da Lei Magna apenas assegura ao trabalhador empregado a ‘redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho’. 3. Recurso de revista conhecido e não provido.” (RR-88-49.2012.5.04.0012, Ac. 1ª Turma, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, in DEJT 31.10.2014).

“[…]. RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMANTES. NULIDADE PROCESSUAL. […]. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Este Tribunal Superior, após interpretação literal do artigo 193, § 2º, da CLT, firmou o entendimento de impossibilidade de cumulação de recebimento dos adicionais de periculosidade e de insalubridade. Ao ser prevista a opção entre um adicional e o outro, depreende-se que às empregadas ficou inviabilizada a percepção de ambos os adicionais simultaneamente. Assim, se as reclamantes recebiam o pagamento do adicional de insalubridade e entende que a percepção do adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa, poderá optar por deixar de recebê-lo e passar a receber o outro, ou vice-versa. Precedentes desta Corte. Recurso de revista não conhecido.” (ARR-656-83.2012.5.04.0006, Ac. 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, in DEJT 4.9.2015).

“RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/2014. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Observados os termos do art. 193, § 2.º, da CLT, os adicionais de periculosidade e insalubridade não podem ser acumulados, devendo o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.” (RR-2255-53.2013.5.03.0005, Ac. 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, in DEJT 6.11.2015).

“I – RECURSO DE REVISTA DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que não é possível a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (ARR-1440-55.2011.5.04.0019, Ac. 5ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, in DEJT 13.11.2015).

“RECURSO DE REVISTA. […] ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. A lei trabalhista que rege a matéria é o art. 193, §2º, da CLT, e esse dispositivo estabelece expressamente a não cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade e prevê a opção pelo empregado entre os dois adicionais, de modo que a reclamante deverá optar pela parcela que for mais favorável, o que pode ser feito na execução, assegurada a dedução do título anteriormente recebido, a fim de evitar-se a hipótese de enriquecimento sem causa. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR-685-64.2011.5.15.0006, Ac. 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, in DEJT 13.11.2015).

“RECURSO DE REVISTA – ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O TST firmou o entendimento no sentido da impossibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, conforme interpretação do art. 193, § 2º, da CLT. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido.” (RR-10963-63.2014.5.03.0165, Ac. 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, in DEJT 23.10.2015).

3 – CONCLUSÃO – TESE JURÍDICA FINAL

Esgotada a análise da controvérsia e respondendo à questão jurídica formulada, fixa-se, com força obrigatória (arts. 896-C da CLT, 927, III, do CPC e 3º, XXIII, da Instrução Normativa nº 39/2015 do TST), a tese jurídica a seguir enunciada: o art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho: 1 – por maioria, aprovar a seguinte tese jurídica: o art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos, vencidos os Exmos. Ministros Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, relator, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão e Lelio Bentes Corrêa; 2 – por unanimidade, determinar, após a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência deste Tribunal, aos eminentes Ministros que o integram e aos Desembargadores Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho, para os procedimentos previstos nos artigos 896-C, § 11, da CLT, 1.039 e 1.040 do CPC.

Brasília, 26 de setembro de 2019.

[1] “The provisions of the Constitution are not time-worn adages or hollow shibboleths. They are vital, living principles that autorize and limit governamental powers in our nation.”

[2] “Fuller’s discussion highlights two important autonomous benefits of the Rule of Law. First, it enables members of the community to predict oficial activity and hence to plan their lifes effectively. Second, the Rule of Law constrains oficial behavior and hence protects citizens from arbitrary and discriminatory actions by officials. These benefits arise because, as we have emphasized numerous times in this book, plans are capable of promoting predictability and acountability. Instead of guessing how officials will evaluate one’s conduct, or worrying that they will lie about their evaluation, one can simply go about one’s business, relying on the existence of a plan or policy”.

[3] “the Rule of Law flourishes, therefore, only when legal interpreters possess a great deal of self-discipline. […] They must suspend their moral judgement and show fidelity to the legal point of view. To be able to think inside the box, we might say, is the ultimate passive virtue of the legal interpreter. For the logic of planning is respected only when the process of legal interpretation does not unsettle those questions that the law aims to settle”.

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