Poderão ser bloqueados 10% do valor recebido
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho autorizou a penhora dos proventos de aposentadoria de uma mulher de 84 anos para pagamento de dívida trabalhista da BRL Soma Agronegócios Ltda., de Goiânia (GO), da qual ela é sócia cotista. Contudo, o bloqueio deve se restringir a 10% do valor recebido, inferior a quatro salários mínimos, até o pagamento da dívida, que, em 2019, era de R$ 66,5 mil.
Penhora
A BRL Soma havia sido condenada em reclamação trabalhista movida por um ex-gerente financeiro. Na fase de execução, o juízo da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia (GO) determinou a penhora de 30% dos proventos recebidos pela sócia cotista como servidora pública aposentada de Goiás.
Fazer falta
Ela, então, impetrou mandado de segurança contra a decisão, argumentando que sua aposentadoria era de R$ 3,9 mil e que “qualquer valor que lhe for retirado irá fazer muita falta”. Também sustentou que nunca fora administradora da empresa e que os salários são impenhoráveis, segundo o Código de Processo Civil (CPC).
Ao conceder a segurança, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) cassou a penhora e determinou a restituição dos valores que tinham sido bloqueados.
Natureza alimentar
No recurso ordinário ao TST, o ex-gerente alegou que a ordem de penhora havia observado o limite legal e a jurisprudência. Defendeu também que a relativização do dispositivo do CPC sobre a impenhorabilidade é legítima, principalmente porque os créditos trabalhistas têm natureza alimentar.
Vida digna
A relatora do recurso, ministra Morgana de Almeida Richa, explicou que o artigo 833 do CPC define como impenhoráveis os salários e outras verbas destinadas ao sustento do devedor e de sua família. Contudo, o parágrafo 2º do mesmo dispositivo permite a penhora quando a finalidade da execução for o pagamento de prestação alimentícia de qualquer origem. Por sua vez, o artigo 529, parágrafo 3º, limita a restrição a 50% dos ganhos líquidos do devedor.
De acordo com a ministra, o objetivo da lei é garantir e proteger os direitos e os interesses do credor sem retirar do devedor as condições de viver de forma digna, enquanto responde pela quitação da dívida.
Segundo a relatora, em tese, não há ilegalidade na penhora determinada pelo juízo de primeiro grau. Contudo, considerando os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, propôs que ela se restrinja a 10%.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA DE 30% SOBRE OS PROVENTOS . ATO COATOR PROFERIDO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 2015. LEGALIDADE. ARTS. 529, § 3º, E 833, IV E § 2º, DO CPC. 1. Trata-se de recurso ordinário interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região que concedeu a segurança, determinando a cassação da ordem de penhora sobre os proventos da impetrante e a restituição dos valores bloqueados. 2. Conforme se depreende dos autos, o ato impugnado no presente “mandamus” consiste em decisão proferida pelo MM. Juiz da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia/GO, nos autos da execução em curso na reclamação trabalhista subjacente, que determinou a penhora de 30% sobre os proventos de aposentadoria da impetrante . 3. Pontue-se, de início, que o ato coator foi praticado sob a vigência do CPC de 2015, o que, a toda evidência, afasta a compreensão depositada na Orientação Jurisprudencial 153 da SBDI-2/TST, na medida em que somente é aplicável a atos pretéritos à vigência da Lei nº 13.105/2015 (Resolução nº 220, de 18 de setembro de 2017). 4 . O inciso IV do art. 833 do CPC define que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. 5 . Por sua vez, o § 2º do art. 833 do CPC excepciona a referida regra, ao permitir a penhora de salários, subsídios e proventos de aposentadoria quando a execução tiver por finalidade o pagamento de prestação alimentícia, qualquer que seja a origem, bem como nos casos em que as importâncias excedam a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. 6 . A constrição autorizada pelo art. 833, § 2º, do CPC deve, ainda, tratando-se de verba de natureza alimentar, como evidentemente é o crédito trabalhista, limitar-se a 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos do executado, nos termos do § 3º do art. 529 do CPC. 7 . Nota-se que o intuito do legislador foi o de garantir e proteger os direitos e interesses do credor sem retirar do devedor as condições de viver de forma digna, enquanto responde pela quitação da dívida. 8 . Diante dessas premissas, é possível deduzir, em tese, pela inexistência de ilegalidade na decisão por meio da qual, na vigência do CPC de 2015, determina a penhora de até 50% (cinquenta por cento) sobre salários ou proventos da parte executada na reclamação trabalhista. Precedentes. 9 . No caso concreto, entretanto, considerando os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, emerge a conclusão no sentido de manter a penhora sobre os proventos de aposentadoria da impetrante, restringindo-se, contudo, ao percentual de 10%. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.
A decisão foi unânime.
Processo: ROT-10683-41.2021.5.18.0000