Esse fato indica que eles podem ter agido para prejudicar o trabalhador
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho anulou um acordo firmado entre um vaqueiro de Pompéu (MG) e o ex-patrão fazendeiro. O colegiado constatou que a advogada que havia representado o trabalhador no processo é sobrinha do empregador, e isso constitui forte indício de conchavo entre os parentes para prejudicar o empregado.
Acordo duvidoso
Na ação rescisória, apresentada ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), o empregado narrou que fora contratado em 2008 pela Fazenda Gameleira e dispensado em 2014. Segundo ele, o dono da fazenda e sua sobrinha, advogada, simularam um processo na Vara do Trabalho de Pará de Minas em que ele foi prejudicado, pois não recebera todas as verbas rescisórias a que tinha direito.
De acordo com seu relato, a advogada o induzira a firmar um acordo que previa o registro do contrato na carteira de trabalho somente entre 2011 e 2014 e o pagamento de apenas R$ 1.705 de verbas rescisórias. Por essas razões, ele pretendia anular a sentença homologatória do acordo.
Amparo legal equivocado
Na avaliação do TRT, contudo, o trabalhador baseou seu pedido de anulação da sentença de forma equivocada na existência de dolo (intenção) da parte vencedora em detrimento da vencida ou de simulação entre as partes para fraudar a lei.
Conluio
No recurso ao TST, o vaqueiro insistiu na tese de conluio. Segundo ele, o fazendeiro e a advogada agiram intencionalmente (com dolo), ao simularem o processo a fim de fraudar a lei, e ele não havia manifestado livremente a sua vontade.
Sobrinha
O ministro Dezena da Silva, relator do recurso ordinário, explicou que, de acordo com o artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973 (em cuja vigência o acordo foi homologado), a sentença pode ser anulada quando houver fundamentos para invalidar transação, na medida em que o trabalhador não havia manifestado, livremente, sua vontade no acordo celebrado.
Ainda de acordo com o ministro, a documentação apresentada confirmou que a advogada que havia representado o vaqueiro é mesmo sobrinha do fazendeiro, e esse fato constitui forte indício de colusão (conchavo) entre eles para prejudicar o trabalhador.
O ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO CPC/2015. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO RESCINDENDA OCORRIDO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CAUSA DE RESCINDIBILIDADE APRECIADA NO ENFOQUE DO CPC/1973. Conforme o entendimento firmado por esta Subseção, ocorrendo o trânsito em julgado da decisão rescindenda na vigência do CPC/1973, como no caso dos autos, as causas de rescindibilidade, bem como os pressupostos de constituição e validade regular do processo continuam por ele regidos. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 408 DO TST . Nos termos da Súmula n.º 408 desta Corte, ” Não padece de inépcia a petição inicial de ação rescisória apenas porque omite a subsunção do fundamento de rescindibilidade no art. 966 do CPC de 2015 (art. 485 do CPC de 1973) ou o capitula erroneamente em um de seus incisos. Contanto que não se afaste dos fatos e fundamentos invocados como causa de pedir, ao Tribunal é lícito emprestar-lhes a adequada qualificação jurídica (‘iura novit curia’). No entanto, fundando-se a ação rescisória no art. 966, inciso V, do CPC de 2015 (art. 485, inciso V, do CPC de 1973), é indispensável expressa indicação, na petição inicial da ação rescisória, da norma jurídica manifestamente violada (dispositivo legal violado sob o CPC de 1973), por se tratar de causa de pedir da rescisória, não se aplicando, no caso, o princípio ‘iura novit curia’ “. Nesse contexto, ao magistrado é conferida a possibilidade de, diante dos fatos e fundamentos articulados na inicial da Ação Rescisória, apreciar o pleito sob causa de rescindibilidade diversa da apontada na exordial. No caso em apreço, conquanto tenha o autor indicado o art. 966, III, do CPC/2015, por força da primeira parte da Súmula n.º 408 desta Corte, deve ser analisada a pretensão rescisória, com base no art. 485, VIII, do CPC/1973, visto ser manifesta a indicação de fatos e fundamentos tendentes a invalidar a transação firmada entre reclamante e reclamado no processo matriz. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO FUNDADO NO ART. 485, III, DO CPC/1973. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. INDÍCIOS QUE COMPROVAM O CONLUIO ENTRE A ADVOGADA DO TRABALHADOR E O EMPREGADOR. RELAÇÃO DE PARENTESCO, DESPROPORÇÃO MANIFESTA ENTRE O PLEITO DEDUZIDO NO PROCESSO MATRIZ E O MONTANTE ACORDADO, AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DO RÉU NO PROCESSO MATRIZ. PROCEDÊNCIA DO PLEITO RESCISÓRIO. Trata-se de Ação Rescisória, na qual é postulada a desconstituição da sentença homologatória de acordo, sob o fundamento de que existem elementos suficientes para invalidar o pactuado. É certo que a Ação Rescisória fundada no art. 485, VIII, do CPC/1973 demanda a prova do vício de consentimento da parte, todavia, é igualmente certo que tal prova pode se constituir de indícios veementes capazes de surpreender o vício alegado, sobretudo quando decorreu de artimanha engendrada entre o causídico que representou o trabalhador na ação originária e o empregador. In casu, consoante manifestação do Ministério Público do Trabalho, “ as circunstâncias fáticas delineadas nestes autos e não impugnadas pela parte contrária, a saber: prestação laboral por mais de 5 anos, sem anotação de CTPS; não estar o réu assistido por advogado; modicidade do valor atribuído à causa e parcos pedidos, considerados os anos de trabalho e a atividade exercida (vaqueiro); valor irrisório do acordo, aliadas ao patrocínio da reclamatória por advogada que possui grau de parentesco tão próximo com o réu e que, nem mesmo reside na mesma cidade do empregado ” constituem indícios suficientes a ensejar a procedência do pleito rescisório. Recurso Ordinário conhecido e parcialmente provido .
A decisão foi unânime.
Processo: RO-11224-67.2016.5.03.0000