De forma unânime, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação do Ministério Público Federal (MPF) contra a sentença, do Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, que em ação civil pública em face da União e do estado de Goiás indeferiu a inicial e julgou o feito extinto, sem resolução do mérito. O sentenciante argumentou que não houve inépcia da petição quanto aos pedidos de razoável duração dos processos administrativos, observação, pelos requeridos, do disposto em leis federais e em lei estadual e declaração da inconstitucionalidade de suposta conduta omissiva dos requeridos. Com o recurso no TRF1, o Colegiado reformou a sentença.
Na apelação, o Ministério Público Federal sustentou que a participação da União nos pedidos administrativos de concessão da pensão instituída pela Lei Federal n° 9.425/96 atrai a aplicabilidade jurídica das normas do processo administrativo federal, regulamentado pela Lei Federal n° 9.784/99. Alegou, ainda, que o estado de Goiás descumpriu a Recomendação PR/GO n° 8/2009 quanto à fixação do prazo máximo limite de 60 dias entre o protocolo do pedido administrativo de concessão de pensão e a realização da perícia médica oficial. Defendeu que é fato incontroverso o descuido dos apelados de suas obrigações legais concernentes à direção daqueles processos de pensão especial federal às vítimas do Césio 137, pois não adotam nenhuma legislação processual de regência, ocasionando dano irreparável aos postulantes, estes que não têm informações precisas sobre a tramitação, análise e julgamento dos seus pleitos, o que afronta os princípios constitucionais de eficiência, segurança jurídica, devido processo legal, contraditório e ampla defesa quanto à efetiva implementação dos direitos constitucionais fundamentais à saúde, ao processo e à justiça administrativa.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Souza Prudente, ponderou que não há que falar em inépcia da petição inicial por falta de interesse de agir, pois, conforme a teoria da asserção, as condições para o regular exercício do direito de ação devem ser aferidas com base nos fatos narrados na petição inicial, sendo que, na espécie, o autor narra na inicial que os requeridos não estão observando os princípios e as garantias constitucionais de eficiência, segurança jurídica, devido processo legal, contraditório e ampla defesa na tramitação dos processos administrativos relativos à concessão de pensão especial às vítimas do acidente radiativo \’Césio 137\’. De acordo com o magistrado, essa circunstância demonstra o interesse processual em buscar uma tutela jurisdicional que vise assegurar esses princípios. Para o desembargador, o MPF bem delineou em seu pedido os prazos que entende condizentes com a observância e o atendimento do direito fundamental à duração razoável do processo.
O magistrado votou pela aceitação dos pedidos do MPF. Segundo o relator, “a sentença deve ser reformada para julgar procedentes os pedidos iniciais, determinando às entidades promovidas, por meio de seus órgãos competentes, que examinem os pleitos administrativos concernentes à concessão de pensão especial federal destinada às vítimas do acidente radioativo com Césio 137 no prazo máximo de 60 dias a partir da sua apresentação; que observem e apliquem, nos referidos pleitos administrativos, as normas do processo administrativo federal, regulamentado pela Lei Federal n° 9.784/99; que disponibilizem número adequado de servidores a fim de assegurar a regular execução das atividades administrativas da Junta Médica Oficial e que incorporem pelo menos um médico psiquiatra no quadro clínico da Suleide (Superintendência Leide das Neves Ferreira) para acompanhar e assistir as vítimas do citado acidente radioativo, bem como auxiliar tecnicamente a Junta Médica Oficial nas perícias e na elaboração de laudos médicos concernentes aos pedidos de pensão. A União deve proceder à supervisão dos processos concernentes à concessão de pensão especial destinada às vítimas do Césio 137, por meio do Ministério da Fazenda, nos termos do art. 5°da Lei nº. 9.425/1996\”.
Suleide: Segundo o site oficial do governo de Goiás, a Superintendência Leide das Neves Ferreira (Suleide) foi criada no estado, por meio da Lei nº 10.339 de 09/12/1987, para prestar assistência médica e social a vítimas direta e indiretamente atingidas pelo acidente radioativo de Goiânia durante o tempo que se fizer necessário, dentre outros objetivos.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACIDENTE RADIOATIVO EM GOIÂNIA/GO. CÉSIO 137. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DO BINÔMIO NECESSIDADE/UTILIDADE. PEDIDO GENÉRICO. INEXISTÊNCIA. DEMORA DA ADMINISTRAÇÃO. LEI 9.784/99. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, DA RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO E AO DIREITO FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DIREITO À SAÚDE GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 196). PRESTAÇÃO DEFICIENTE PELA UNIÃO E ESTADO DE GOIÁS. INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE.
I- Não há que falar em inépcia da petição inicial por falta de interesse de agir, porquanto, conforme a teoria da asserção, as condições para o regular exercício do direito de ação devem ser aferidas com base nos fatos narrados na inicial, sendo que, na espécie, o autor narra na exordial que os requeridos não estão observando os princípios e garantias constitucionais da eficiência, segurança jurídica, devido processo legal, contraditório e ampla defesa (artigo 5°, caput, incisos, LIV e LV, e artigo 37, caput, ambos da CF/88) na tramitação dos processos administrativos relativos à concessão de pensão especial às vítimas do acidente radioativo \’Césio 137\’, circunstância que demonstra o interesse processual em buscar uma tutela jurisdicional que vise assegurar estes princípios (binômio necessidade-utilidade). Preliminar rejeitada.
II- Não merece ser acolhida a preliminar de inépcia da petição inicial em razão de pedido genérico, porquanto o Ministério Público bem delineou em seu pedido os prazos que entende condizentes com a observância e atendimento do direito fundamental à duração razoável do processo. Tampouco deve ser acolhida a preliminar de ausência de causa de pedir, eis que a pretensão autoral restou devidamente fundamentada no fato de que os requeridos estão processando os pedidos administrativos de concessão de pensão especial com extrema morosidade. Preliminares rejeitadas.
III- A jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que \”a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir – e não de pedido -\”( REsp 1.569.401/CE , Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 15/03/2016), como no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental.
IV- Eventual omissão do Poder Público na implementação de políticas voltadas para a eficácia plena da garantia fundamental assegurada às pessoas portadoras de necessidades especiais, autoriza, em princípio, a atuação do Poder Judiciário, para suprir essa omissão, sem que isso represente qualquer violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de ingerência da atividade jurisdicional sobre as atribuições da Administração Pública, mas sim, de atuação firme do Poder Judiciário, no sentido de que o Poder Público cumpra com o seu dever, previsto em nossa Carta Magna. Precedentes.
V- A ordem econômica e financeira, neste país, que visa à construção de um Estado Democrático de Direito, através da ação de governo republicano, em dimensão federativa, voltada para a realização de uma sociedade solidária, justa e livre, não deve desgarrar-se do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, arts. 1º, III), afigurando-se ilegítima, por conseguinte, eventual restrição ao exercício dessa garantia constitucional, restringindo os direitos fundamentais das pessoas afetadas pelo gravíssimo acidente radioativo com a substância Césio 137, ocorrido na Cidade de Goiânia/GO, nos idos de 1987.
VI- Apelação do Ministério Público Federal provida. Sentença reformada para julgar procedentes os pedidos iniciais para determinar às entidades promovidas, por meio de seus órgãos competentes, que: a) examinem os pleitos administrativos concernentes à concessão de pensão especial federal destinada às vítimas do acidente radioativo com césio 137, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, a partir da sua apresentação; b) observem e apliquem, nos referidos pleitos administrativos, as normas do processo administrativo federal, regulamentado pela Lei Federal n°9 784/99, no que couber; c) disponibilizem número adequado de servidores, a fim de assegurar a regular execução das atividades administrativas da Junta Médica Oficial, e d) incorporem pelo menos um médico psiquiatra no quadro clínico da SULEIDE, para acompanhar e assistir as vítimas do citado acidente radioativo, bem como auxiliar tecnicamente a Junta Médica Oficial nas perícias e na elaboração de laudos médicos concernentes aos pedidos de pensão. Determinou-se, ainda, ao Estado de Goiás que faça uso da faculdade prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual nº 15.071/2004, sempre que o postulante do benefício em comento alegar ser portador de moléstias estranhas às especialidades médicas dos componentes da Junta Médica Oficial, socorrendo-se, para tanto, prioritariamente, de médicos do sistema público de saúde. Por fim, condenou-se a União Federal a proceder à supervisão dos processos concernentes à concessão de pensão especial destinada às vítimas do césio 137, por meio do Ministério da Fazenda, nos termos do art. 5°da Lei nº. 9.425/1996.
Processo nº: 0011211-92.2010.4.01.3500