TRF3 assegura benefício assistencial a homem que trabalhou como pedreiro e lavrador

Laudos comprovaram que autor preenche requisitos legais 

Em decisão unânime, a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou sentença que determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceder o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a um homem que trabalhou como pedreiro e lavrador diagnosticado com lombalgia, cervicalgia e nevralgia.

De acordo coma decisão, ficou comprovado que o autor preenche o requisito da deficiência e não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família.

Conforme laudo pericial, as doenças diagnosticadas interferem na capacidade de trabalho do autor, que está incapacitado para a profissão de pedreiro.

Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador federal Carlos Delgado, levou em conta o histórico profissional.

“A situação do requerente – considerando a atividade exercida (pedreiro e lavrador), o baixo grau de escolaridade (quarto ano do ensino fundamental) e o comprometimento físico diagnosticado – não só evidencia a presença de fatores capazes de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como aponta para uma dificultosa possibilidade de recolocação profissional, restando configurado o impedimento de longo prazo”, frisou.

Para o magistrado, ficou também demonstrado que o autor é hipossuficiente. Segundo o processo, a renda da família decorre da aposentadoria recebida pelo pai, no valor de um salário mínimo. Além disso, em razão de débitos de empréstimos consignados para a aquisição de medicamentos, os proventos totalizam R$ 612,00.

“Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era bem inferior ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, de metade de um salário mínimo”.

Em primeiro grau, a Justiça Estadual de Urânia/SP, em competência delegada, já havia julgado o pedido procedente e condenado o INSS à concessão e ao pagamento dos atrasados de benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo.

A autarquia ingressou com recurso contra a decisão argumentando que o homem não preencheu os requisitos para recebimento do BPC.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CARACTERIZADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. RENDA FAMILIAR INFERIOR A METADE DO SALÁRIO MÍNIMO. VALOR ABAIXO DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. VULNERABILIDADE SOCIAL. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS ALTERADOS DE OFÍCIO; 1 – O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; 2 – A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo; 3 – Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015; 4 – A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia; 5 – No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93; 6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório; 7 – Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família; 8 – O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 04 de julho de 2019 (ID 133506326, p. 1/6), diagnosticou o requerente com “lombalgia, cervicalgia e nevralgia do trigêmeo”; 9 – Consignou o expert que, “segundo a avaliação pericial realizada, não pode realizar atividades que exijam grande esforço físico, sendo que “a atividade declarada inicialmente (pedreiro), como característica geral, exige esforço físico intenso.” Complementou que “as patologias apresentadas pelo requerente interferem na capacidade de seu trabalho habitual, pois as atividades de esforço físico intenso exacerbam os sinais e sintomas álgicos. As conclusões foram resultados da análise pericial, histórico, exames físicos e exames complementares apreciados”; 10 – Ao final, concluiu que a “incapacidade é total para a profissão de pedreiro, porém, ainda pode realizar outras atividades diversas que exijam menor esforço físico e que se encaixem no seu perfil sociocultural”. A data da incapacidade foi fixada desde os últimos três anos da doença; 11 – O juiz não está adstrito integralmente ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010; 12 – Vale lembrar que o histórico profissional do demandante – no exercício do ofício de pedreiro e também de lavrador – não pode ser ignorado quando se cogita o seu retorno ao trabalho, pois tal medida equivaleria a desconsiderar as suas aptidões e a realidade na qual está inserido. É dizer, suas atividades laborais sempre tiveram como base o esforço físico intenso; 13 – Nesse raciocínio, a situação do requerente – considerando a atividade profissional exercida (pedreiro e lavrador), o baixo grau de escolaridade (quarto ano do ensino fundamental) e o comprometimento físico diagnosticado – não só evidencia a presença de fatores capazes de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como aponta para uma dificultosa possibilidade de recolocação profissional, restando configurado o impedimento de longo prazo; 14 – A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do benefício ora em análise; 15 – O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante em 13 de julho de 2019 (ID 133506328, p. 1/8), informou que o núcleo familiar é formado por este e os seus genitores; 16 – Residem em casa própria, de alvenaria. A moradia é composta de “dois dormitórios, uma sala, uma cozinha, um banheiro, com mal aspecto de higiene e conservação”; 17 – As despesas relatadas, envolvendo gastos com energia elétrica, água, gás, farmácia e mercado, cingiam a aproximadamente R$ 579,00. Houve queixa também de muitos gastos para levar o genitor do autor – que sofreu um AVC – para tratamento no HB de São José do Rio Preto; 18 – A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de aposentadoria recebidos pelo genitor do requerente, OSMAR ALVES PEREIRA, no valor de um salário mínimo (R$ 998,00); 19 – Mencionou-se, ainda, que em razão de débitos de empréstimos consignados para a aquisição de medicamentos, os proventos eram reduzidos para R$ 612,00; 20 – Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era bem inferior ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, de metade de um salário mínimo; 21 – Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a vulnerabilidade social da família, as palavras da assistente social ao encerrar a visita domiciliar: “Pelo que nos foi dado a observar o requerente e sua família sobrevive de maneira precária, necessitando de ajuda de terceiros com alimentação e medicamentos”; 22 – No mais, repisa-se que as condições de habitabilidade não são plenamente satisfatórias, sendo que “os móveis e utensílios domésticos disponíveis são de má qualidade, e não oferecem conforto aos usuários”; 23 – Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a parte autora, jus ao beneplácito assistencial; 24 – Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. (AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Assim, tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo pela parte autora em 05/10/2018 (ID 133506293, p. 1), de rigor a fixação da DIB em tal data; 25 – A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento; 26 – Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante; 27 – A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente; 28 – Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93; 29 – Apelação do INSS desprovida. Consectários legais alterados de ofício.

A Sétima Turma negou provimento ao pedido do INSS e manteve a concessão do benefício e a determinação de pagamento dos valores atrasados.

Apelação Cível 5263714-15.2020.4.03.9999

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