A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu favoravelmente à acumulação de dois cargos públicos com carga horária superior a 60 horas semanais a uma servidora da área da Saúde do Distrito Federal.
A servidora exerce o cargo de enfermeira na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), lotada no Hospital Universitário de Brasília (HUB), com carga horária de 36 horas semanais. Em 2015, a profissional foi aprovada em processo seletivo para outro cargo de Enfermeira-Especialista em Atividades Hospitalares do Hospital das Forças Armadas (HFA), com jornada de trabalho de 30 horas semanais. Todavia, a enfermeira foi impedida de tomar posse ao argumento de que a Administração Pública não autoriza a acumulação de duas funções quando a carga horária for superior a 60 horas semanais.
O Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, em sentença, concedeu o pedido da impetrante e determinou que o HFA procedesse à posse da servidora, no cargo de enfermeira, afastando as disposições do Parecer nº GQ 145 da Advocacia-Geral da União (AGU), de 30 de março de 1998.
A União recorreu ao TRF1 sustentando ser inadmissível a acumulação dos cargos. Segundo o ente público, a somatória das horas trabalhadas supera o limite máximo permitido na Administração Pública Federal de 60 horas semanais, nos termos do Parecer GQ-145 da AGU. Alegou, ainda, que a carga horária total da requerente não permite a observância dos intervalos para repouso, alimentação e locomoção da servidora para que esta possa exercer suas tarefas com qualidade.
No TRF1, o relator, desembargador federal Francisco Neves da Cunha, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgados sobre essa questão, tem adotado a tese de que a acumulação de cargos públicos de profissionais de saúde, estabelecida no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois não há tal requisito na Constituição Federal.
O magistrado ressaltou que o Parecer GQ 145, no qual a União fundamenta suas razões, foi recentemente submetido à revisão do Plenário da Advocacia-Geral da União. Em abril de 2019, foi aprovada a revogação do aludido Parecer. “A AGU firmou nova tese segundo a qual é inválida a regulamentação administrativa que impõe limitação pré-estabelecida de carga horária semanal como óbice à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37, incisos XVI e XVII da Constituição Federal”, enfatizou o desembargador.
Além disso, o relator argumentou que, “embora a carga horária da servidora possa superar a marca de 60 horas semanais, ficou configurada a compatibilidade de horários entre os dois cargos ocupados. As funções são exercidas em turnos e horários distintos, sendo possível que a servidora harmonize o exercício de ambos os cargos sem qualquer conflito ou sobreposição entre as jornadas de trabalho”.
Para finalizar, “tendo sido provado nos autos que ambos os cargos acumulados são privativos de profissionais de saúde, além de haver demonstrada compatibilidade de horários entre eles, não há que se falar em ilicitude na conduta da servidora”, evidenciou o magistrado.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DE SAÚDE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS COMPROVADA. JORNADA DE TRABALHO SEMANAL SUPERIOR A SESSENTA HORAS. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL OU LEGAL. ATUAL POSICIONAMENTO DO STF E DO STJ. SENTENÇA MANTIDA.
1. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de acumulação de dois cargos privativos de profissional de saúde, sujeita à compatibilidade de horários, conforme previsão do art. 37, XVI, alínea “c”, da Constituição Federal, mormente quando a carga horária total da jornada de trabalho supera o patamar de 60 (sessenta) horas semanais.
2. O Parecer GQ 145 da AGU, invocado pela apelante, que determina que a incompatibilidade de horários é presumida quando a carga horária total de ambos os cargos acumulados supera o limite de 60 horas semanais, foi recentemente revogado pelo plenário da Advocacia-Geral da União, que firmou nova tese segundo a qual é inválida a regulamentação administrativa que impõe limitação de carga horária semanal como óbice à acumulação de cargos públicos.
3. O STF possui jurisprudência sólida no sentido de que de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal. Informativo STF nº 937.
4. O STJ, cuja jurisprudência majoritária até então adotava as razões expostas no Parecer GQ 145 da AGU, veio a alinhar sua jurisprudência com a do STF e firmou novo entendimento sobre a matéria segundo o qual a incompatibilidade de horários entre os cargos não pode ser reconhecida com base na simples verificação da soma da carga horária semanal, sendo necessária a análise da situação específica de cada servidor. Informativo STJ nº 632.
5. In casu, restou comprovado que ambos os cargos acumulados pela impetrante são privativos de profissionais de saúde, além de haver demonstrada compatibilidade de horários entre eles, sendo um cargo exercido no período matutino e outro no período noturno/vespertino. Inexistente, portanto, qualquer ilicitude na conduta da servidora, não havendo que merecer reparos a sentença a quo.
6. Apelação e remessa necessária não providas
Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação e manteve a sentença.
Processo: 1004292-06.2015.4.01.3400