Testemunha tem direito ao silêncio para não se autoacusar em depoimento

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) absolveu um homem que havia sido condenado pelo crime de falso testemunho, reformando sentença da 1ª Vara da Seção Judiciária do Piauí.

O Colegiado acompanhou o voto da relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, que afirmou: “contrariamente ao entendimento da sentença, nessa situação, a garantia constitucional de não se incriminar autoriza, sim, a testemunha a mentir ou a calar a verdade a fim de não produzir provas contra si”.

Ao ser convocado para prestar esclarecimentos sobre sua renúncia ao cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário do Médio Parnaíba (Sitricom), o apelante mentiu ao informar que não tentou anular judicialmente a assembleia em que renunciou. Ele disse, ainda, que nunca recebeu o ressarcimento financeiro proposto por conta de sua renúncia, sendo que, ao contrário do que afirmou, ajuizou ação declaratória de nulidade e recebeu o valor de R$107 mil a título de indenização do Sitricom.

No recurso, o denunciado sustentou que, ao ser convocado para dar esclarecimentos no inquérito civil que apurava sua renúncia ao cargo de dirigente sindical, seu depoimento poderia produzir provas contra si na condição de testemunha.

“Futuro acusado” – A relatora verificou que ao depor como testemunha no inquérito havia o risco de o apelante passar da condição de testemunha para a de acusado caso falasse a verdade. Por isso, destacou ser indispensável que o interrogante tenha cautela na avaliação do depoimento do que pensa ser uma testemunha mentirosa, quando, na realidade, está ouvindo um “futuro acusado”, que busca se defender de uma possível acusação, frisou a magistrada.

O princípio in dubio pro reo (a dúvida beneficia o réu) tem fundamento no princípio da presunção da inocência, finalizou a desembargadora federal, uma vez que “a condenação exige certeza da responsabilidade penal, porquanto está em risco nesse momento bem jurídico por demais precioso para o indivíduo, qual seja, sua liberdade”.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 342 DO CP. FALSO TESTEMUNHO. INQUÉRITO CIVIL. DIREITO DE MENTIR. PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. DÚVIDA SOBRE FUTURO PREJUÍZO AO RÉU PELA DECLARAÇÃO DA VERDADE.  IN DUBIO PRO REO. REFORMA DA SENTENÇA.

  1. A condição formal de testemunha do apelante — que, aliás, é duvidosa nos autos — não transmuda por si sua concepção íntima de que era, ou poderia ser, a partir do momento que falasse a verdade, considerado como investigado, pois sabia, e é fato incontroverso nos autos, que havia participado de irregularidades quando de seu afastamento da presidência do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário do Médio Parnaíba – SITRICOM. O inquérito civil, conforme a denúncia, foi instaurado justamente para apurar fatos relativos à alteração na presidência do referido Sindicato, com a renúncia do cargo pelo ora acusado em condições suspeitas.
  2. Contrariamente ao entendimento da sentença, nessa situação, a garantia constitucional de não se incriminar autoriza, sim, a testemunha a mentir ou a calar a verdade, a fim de não produzir provas contra si: Direito de mentir de testemunha: somente existe quando a testemunha falta com a verdade ou se cala evitando comprometer-se, vale dizer, utiliza o princípio constitucional do direito ao silêncio e de não ser obrigado a se autoacusar. Por isso, é indispensável que o interrogante tenha cautela na avaliação do depoimento, para não se precipitar, crendo estar diante de testemunha mentirosa, quando, na realidade, está ouvindo um “futuro acusado”, que busca esquivar-se, validamente, da imputação (Guilherme de Souza Nucci, in Código de Penal Comentado, 14ª Ed, Forense sem grifo no original).
  3. O apelante sabia das circunstâncias em que se afastou da direção do sindicato, e estas estavam envoltas em irregularidades das quais participou, ou seja, recebeu pagamento de dinheiro em troca da aceitação da renúncia, fora das previsões legais, fato que temia contar, porque sabia, ou ao menos imaginava, que, ao assim agir, havia errado, e que tal erro poderia torná-lo investigado. Justamente por isso não estava obrigado a relatar a verdade, ainda que em prejuízo da apuração dos órgãos competentes. Tal prejuízo é ônus da proteção constitucional decorrente do princípio nemo tenetur se detegere.
  4. A busca da verdade real no processo penal é tarefa árdua, notadamente quando ela emerge exclusivamente do conteúdo mental do acusado, um âmbito inatingível pelo julgador, ou por qualquer outra pessoa. O dolo genérico apontado pela sentença não pode subsistir como elemento incriminador, quando evidenciado que em seu pensamento íntimo, porque só o réu dele sabia, sentia risco de ser tornar investigado, amparado por um contexto fático que favorecia o pensamento. Tal indica a atipicidade da conduta, justo por ausência de dolo, quanto ao crime de falso testemunho a que foi denunciado nestes autos.
  5. Ademais, a exposição dos fatos gera dúvida razoável se a confissão ou o relato dos fatos pelo réu não eram suscetíveis de lhe causar dano futuro ou se gerariam apuração que viesse a lhe prejudicar. Restam, assim, indícios e conjecturas, que não bastam para formar o convencimento da prática de crime e decretar condenação, pois o processo penal, sabidamente, não se contenta com outra verdade, que não a real.
  6. O princípio in dubio pro reo tem fundamentação no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual se impõe a absolvição quando a acusação não lograr demonstrar, de maneira clara e convincente, a prática do delito imputado ao réu.
  7. Apelação a que se dá provimento, para absolver, com base no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal, o apelante da prática do crime previsto no art. 342 do Código Penal.

A relatora votou no sentido de absolver o apelante do crime de falso testemunho, e o Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto.

 

Processo: 0011501-52.2016.4.01.4000

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