Candidato autista tem direito a tempo adicional para prestar vestibular

Ainda que não haja previsão no edital do vestibular, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que um candidato diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode prestar o concurso de admissão para o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em condições especiais – na hipótese, tempo adicional e sala individual.

Também ficou decidido que dever ser assegurado a ele o direito de não ser eliminado da fase de inspeção de saúde, caso seja aprovado nas etapas anteriores, em virtude unicamente de seu diagnóstico de autismo.

O processo chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige seu encaminhamento à segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Sala separada – A relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, verificou que o impetrante apresenta autismo na forma grave, com inteligência superior, mas também sofre de transtornos globais de desenvolvimento e peculiaridades comportamentais.

A magistrada explicou que, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 12.764/2012, a pessoa com TEA é considerada com deficiência para todos os efeitos legais. A desembargadora afirmou que a garantia de educação mediante atendimento especializado às pessoas com deficiência é dever do Estado, de acordo com o art. 208, III, da Constituição Federal (CF). No mesmo sentido, prosseguiu, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) também consagra a educação como um direito.

O tempo adicional para a realização das provas deve ser concedido em sala separada, ressaltou a magistrada, como uma condição especial, a fim de que a pessoa com deficiência possa concorrer em igualdade de condições com os demais candidatos, devendo ser providenciada a efetivação de tal direito pela instituição de ensino.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. INSTITUTO TECNOLÓGICO DE AERONÁUTICA ITA. CONCURSO DE ADMISSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA A REALIZAÇÃO DOS EXAMES. TEMPO ADICIONAL E SALA INDIVIDUAL. OMISSÃO DO EDITAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. IGUALDADE DE OPORTUNIDADES. RECONHECIMENTO DO DIREITO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO EM RAZÃO DA DEFICIÊNCIA. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DO FORO. POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO DOMICÍLIO DO IMPETRANTE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. SENTENÇA CONFIRMADA.

1. Superando posição jurisprudencial antes consolidada, tanto o STF quanto o STJ (ver, inter plures: STF-Pleno, RE nº 171.881/RS e STJ-S1, AgInt no CC nº 153.878/DF), com os olhos postos sob a ótica da facilitação do acesso à justiça, atualmente compreendem que, em se tratando de Mandado de Segurança, o Juízo Federal da sede funcional da autoridade federal coatora não prepondera sobre o direito subjetivo constitucional (§2º do art. 109 da CF/1988) de o impetrante eventualmente optar, se o caso, pelo foro do seu próprio domicílio, prestigiando-se as alternativas múltiplas que o texto constitucional tencionou assegurar. A implementação do PJE transparece ser argumento de reforço. (CC 1008811-29.2021.4.01.0000, Rel. Desembargadora Federal Gilda Sigmaringa Seixas, TRF1 Quarta Seção, PJe 02/02/2022)

2. Nos termos do art. 208, III, da Constituição Federal, o dever do Estado com a educação é garantido mediante atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência. Por seu turno, prevê o art. 1º, § 2º, da Lei nº 12.764/2012 que A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais..

3. Hipótese em que o impetrante, ao realizar sua inscrição no concurso de admissão do ITA do ano de 2021 (Vestibular ITA 2021), constatou que o edital do exame do certame não teria previsto condições especiais para candidatos com deficiência. Assim, em razão desta omissão, impetrou o mandado de segurança em reexame, formulando pedido no sentido de que fosse garantido tempo adicional e sala individual para a realização dos exames da 1ª e 2ª Fase do certame, bem como que fosse assegurado, em caso de aprovação nas etapas anteriores, que não fosse eliminado na 3ª Fase (inspeção de saúde) em virtude do seu diagnóstico de autismo.

4. Na espécie, restou comprovado que o impetrante apresenta transtorno do espectro autista (CID 10, F84.5 e F90.0), na forma grave, possuindo inteligência superior, mas sofrendo, contudo, de transtornos globais do desenvolvimento e de peculiaridades comportamentais, conforme laudo médico do especialista que o acompanha (fl. 22) e relatório de avaliação neuropsicológica (fls. 23/40). Demonstrou-se, ainda, que o candidato sempre necessitou de sala individual e de tempo adicional para a realização de provas e avaliações (cf. Declaração do Diretor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG, de fl. 41), pelo que se evidencia ainda mais a necessidade de se contornar a situação de desigualdade a que estaria sujeito em caso de não serem atendidas as suas demandas especiais. Seria descabida, do mesmo modo, a eliminação do candidato em razão, única e exclusiva, do diagnóstico da deficiência.

5. Esse o contexto, vê-se que a sentença analisou, com inegável acerto, a questão deduzida nos autos, aplicando à espécie a solução que melhor se amolda à situação fática em que se encontra o impetrante, assegurando-lhe o acréscimo 01 hora e 30 minutos e sala individual para a realização das provas, bem como o direito de não ser eliminado na inspeção de saúde em razão exclusiva do seu diagnóstico de autismo.

6. Ademais, restringindo-se a pretensão mandamental à realização das etapas do concurso de admissão do ITA mediante atendimento especializado, que há muito tempo já se concretizou por força da ordem judicial liminarmente deferida nestes autos, em 19/08/2020, resta caracterizada, na espécie, uma situação de fato já consolidada, cujo desfazimento não se recomenda. No mesmo sentido: AC 0030454-10.2015.4.01.3900, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 – Quinta Turma, e-DJ1, 11/07/2019.

7. Remessa necessária a que se nega provimento. Sentença confirmada. 8. Honorários advocatícios incabíveis na espécie (art. 25 Lei 12.016/2009).

O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto da relatora.

Processo: 1033135-66.2020.4.01.3800

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