Término de obra não impede prosseguimento de ação civil pública para prevenir irregularidades

Interesse processual do Ministério Público é inibir a prática reiterada de atos ilícitos.

Uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) relativa a irregularidades na construção de um supermercado em Coronel Fabriciano (MG) deverá ser julgada, mesmo depois do encerramento da obra que motivou a causa. Para a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, a conclusão da obra não impede o prosseguimento da ação, uma vez que o interesse processual do MPT é evitar a prática de atos ilícitos, no futuro, pelas empresas envolvidas.

Saúde e segurança

A ação foi ajuizada contra a Dânica Termoindustrial Brasil, a microrempresa Sandro Edson Gambeta e o Supermercado Coelho Diniz. A Dânica havia terceirizado para a microempresa as obras contratadas pelo supermercado para a construção de uma de suas filiais. Segundo o MPT, esse arranjo empresarial ocasionara uma série de ilegalidades, com o descumprimento de normas de saúde e de segurança na construção (limpeza do canteiro de obras, dispositivos de segurança em andaimes, sistema de combate a incêndio, instalações sanitárias e fornecimento de equipamentos de proteção individual, entre outras).  Por essas razões, requereu a condenação das empresas ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e à obrigação de respeitar as regras de saúde e segurança do trabalho e de não cometer irregularidades em futuras obras.

Perda do objeto

O juiz da 4ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano, ao verificar que a construção se encerrara antes do ajuizamento da ação, declarou a perda do objeto e a ausência de interesse processual do MPT, extinguindo o processo sem analisar o mérito da causa. Na mesma linha seguiu o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), por entender que o pedido do MPT dizia respeito a uma obra já concluída.

Obras futuras

No recurso ao TST, o MPT insistiu na tese de que a conclusão das obras não elimina os danos causados à coletividade nem garante que as irregularidades cometidas não voltarão a ocorrer. Argumentou, ainda, que a improcedência das obrigações poderia levar à resistência das empresas quanto ao cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho em futuras empreitadas.

Prevenção

Para o relator do recurso, ministro Agra Belmonte,  o término da empreitada não impede o julgamento da ação civil, uma vez que o interesse processual do MPT é prevenir a prática reiterada dos atos ilícitos cometidos pelas empresas. O ministro observou que o fato de o réu reparar uma conduta irregular no curso de uma ação civil pública não o isenta de sofrer uma eventual condenação preventiva. O mesmo deve ocorrer, portanto, quando a cessação das irregularidades resulta da conclusão da obra que motivou a causa, e não por imposição do Poder Judiciário, como no caso.

O relator ainda destacou que a ação trata da defesa de direito de inequívoca relevância social. Logo, não se pode cogitar da perda de objeto das obrigações referentes à saúde e à segurança dos trabalhadores.

O recurso ficou assim ementado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACÓRDÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.

RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO .

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO – ÓBICE DE NATUREZA PROCESSUAL – PRECLUSÃO. A Vice-Presidência do TRT, no juízo de admissibilidade de que cuida o artigo 896, §1º, da CLT, não admitiu o recurso de revista no tópico em epígrafe. Considerando que o recorrente não interpôs agravo de instrumento, encontra-se preclusa tal insurgência. Inteligência do artigo 1º, caput, da IN/TST nº 40/2016. Recurso de revista não conhecido.

TUTELA INIBITÓRIA – OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER – AJUIZAMENTO DA AÇÃO APÓS O ENCERRAMENTO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL EM QUE SE VERIFICOU O DESCUMPRIMENTO DE DIVERSAS NORMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO – CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA PERDA DE OBJETO E DA CONSEQUENTE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PEDIDOS EXTINTOS EM PRIMEIRO GRAU, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – PRESENÇA DE TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Depreende-se dos autos que a reclamada DÂNICA TERMOINDUSTRIAL BRASIL S.A. terceirizou para a demandada SANDRO EDSON GAMBETA – ME as obras contratadas pelo SUPERMERCADO COELHO DINIZ LTDA. para a construção do edifício de uma de suas filiais . O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO vem afirmando desde a inicial que esse arranjo empresarial proporcionou uma série de afrontas ao ordenamento jurídico, consubstanciadas no descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, o que restou verificado pela fiscalização da autoridade administrativa e demandou a atuação do Parquet na busca da tutela inibitória em desfavor das rés. O juízo de primeiro grau observou que a construção se encerrou antes mesmo do ajuizamento da ação civil pública , razão pela qual declarou a perda do objeto e a ausência de interesse processual , extinguindo os pedidos, sem resolução de mérito, na forma do artigo 485, IV, do CPC. O Tribunal Regional ratificou a sentença, argumentando que a intervenção do Parquet refere-se a medidas de segurança típicas de construção civil (limpeza do canteiro de obras, dispositivos de segurança em andaimes, sistema e combate a incêndio, fornecimento de EPI’ s e instalações sanitárias, observância da NR18, dentre outras), que não se coadunam com a situação fática de obra acabada . O recorrente pondera que a conclusão das obras não elimina os danos causados à coletividade e que a improcedência das obrigações de fazer e não fazer poderia desaguar na recalcitrância das demandadas quanto ao cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. O recurso de revista oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza jurídica previstos no artigo 896-A, §1º, IV, da CLT. A ação civil pública, disciplinada pela Lei nº 7.347/1985, prevê a responsabilidade patrimonial pelos danos causados aos interesses difusos ou coletivos da sociedade. Uma das principais inovações trazidas pelo referido diploma foi a possibilidade de que a parte, legitimada pelo artigo 5º, propusesse ao Poder Judiciário que o decreto jurisdicional por ela perseguido assumisse uma natureza dúplice, abraçando, além da condenação em pecúnia, a obrigação de fazer ou de não fazer, conforme a disciplina de seu artigo 3º. Observa-se, pois, que, mesmo antes da reforma que culminou na mais recente redação do artigo 461 do CPC de 1973 (atual 497 do CPC) e da vigência do artigo 84 do CDC, a LACP já prestigiava a tutela específica como a espécie de satisfação estatal mais importante tanto para a efetividade do provimento obrigacional que concede a compensação do ilícito já efetivado quanto para a prevenção de uma conduta antijurídica futura ou para a cessação do ato ofensivo ainda em curso. Nessa linha, o artigo 11 da lei conferiu ao magistrado a prerrogativa de lançar mão, até mesmo ex officio , de execução específica, com a cominação de multa, como forma de ampliar a força coercitiva do mandamento reparatório ou inibitório por ele proferido, o que restou ratificado pelo comando inserto no artigo 536, §1º, do atual CPC. De fato, a par da espécie de tutela específica que se busca atingir (obrigação de dar, pagar, fazer ou não fazer), a efetividade e a autoridade da decisão que a concede depende da utilização de instrumentos coativos efetivos e eficazes que obriguem o réu ao seu cumprimento. A iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é a de que a adequação do réu após o ajuizamento da ação coletiva não possui o condão de afastar a tutela inibitória, por não se coadunar com a finalidade preventiva do instituto . Precedentes, inclusive da SBDI-1 e da 3ª Turma. Ora, se o fato de o réu reparar a conduta antijurídica no curso da demanda judicial não o isenta do provimento jurisdicional preventivo, que dirá no caso dos autos, em que a probabilidade de reiteração dos atos ilícitos é muito mais contundente, pois a cessação das situações irregulares não decorreu de constrangimento imposto pelo Poder Judiciário, mas, apenas, da conclusão do objeto da empreitada . Acrescente-se que o descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em canteiro de obras é conduta mais grave que em outras atividades, haja vista a periculosidade inerente à construção civil. Saliente-se, por oportuno, que a segunda e a terceira rés (DÂNICA TERMOINDUSTRIAL BRASIL S.A. e SANDRO EDSON GAMBETA – ME) são empresas de referência em termoisolamento e refrigeração, não cabendo escusas pela sua eventual negligência na administração dos riscos do ambiente de trabalho. Por outro lado, cabia à primeira reclamada (SUPERMERCADO COELHO DINIZ LTDA.), na qualidade de dona da obra, a fiscalização do cumprimento das normas tutelares. Reforce-se que o interesse processual do Ministério Público em perseguir a tutela jurisdicional de natureza inibitória manifesta-se pelo justo receio da repetição de atos contrários ao direito, sendo irrelevante a demonstração de que os danos estejam ocorrendo no momento do ajuizamento da ação ou que repercutam no presente . Conclui-se, pois, que os autos cuidam de tutela de direito de inequívoca relevância social e aptidão para atrair o interesse processual e configurar a legitimidade ad causam do Parquet , não havendo que se cogitar de perda de objeto das obrigações de fazer referentes à saúde e à segurança dos trabalhadores. Recurso de revista conhecido por violação dos artigos 84 do CDC, 497 do CPC e 11 da Lei nº 7.347/1985 e provido para afastar os óbices processuais e determinar o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem .

CONCLUSÃO: recurso de revista parcialmente conhecido e provido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-744-98.2014.5.03.0097

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