Na compra de ações no mercado mobiliário, que é motivada pelo objetivo principal de obtenção de lucro, o investidor não estabelece com a sociedade de capital aberto uma relação de consumo, ainda que ele seja acionista minoritário. A impossibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) a essas relações decorre do não preenchimento dos conceitos legais de consumidor e fornecedor.
O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior de Justiça (STJ), por maioria, ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia concluído pela incidência do CDC em ação que discutia o direito de um grupo de investidores a receber dividendos correspondentes às suas ações preferenciais em uma instituição financeira – os quais, segundo eles, não foram pagos pela sociedade.
Em primeira instância, o juiz julgou improcedente o pedido dos investidores, pois entendeu que eles não apresentaram provas do não pagamento dos dividendos. Entretanto, o TJSP concluiu que a relação entre as partes era de consumo, pois o banco administrava os recursos dos acionistas minoritários. Aplicando o CDC, o tribunal paulista inverteu o ônus da prova e considerou que caberia à instituição demonstrar que os dividendos foram efetivamente pagos – o que ela não fez. Por isso, a sociedade foi condenada a pagar os valores aos acionistas, em montante a ser apurado em liquidação de sentença.
Lucros e dividendos
No voto seguido pela maioria do colegiado, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que o STJ se orienta pela teoria finalista ou subjetiva, segundo a qual o conceito de consumidor, para efeito de incidência das normas protetivas do CDC, leva em conta a condição de destinatário final do produto ou serviço, nos termos do artigo 2º do código.
“Segundo a teoria subjetiva ou finalista, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria”, explicou o ministro, ao também ressaltar as diferenças entre relação de consumo (consumidor final) e relação de insumo (consumidor intermediário).
Para o ministro, o investidor, ao adquirir ações no mercado imobiliário visando o recebimento de lucros e dividendos, não está abrangido pela proteção do CDC.
Sem prestação de serviço
Apesar de reconhecer que, nos termos da Súmula 297 do STJ, o CDC é aplicável às instituições financeiras, Villas Bôas Cueva afirmou que a compra de ações integra uma relação de cunho societário e empresarial, sem envolvimento de nenhuma prestação de serviço por parte da sociedade.
Segundo o ministro, situação diferente ocorreria se a ação envolvesse o serviço de corretagem de valores e título mobiliários, como já decidido pela própria Terceira Turma no REsp 1.599.535.
Ele apontou também o entendimento firmado no Enunciado 19 da I Jornada de Direito Comercial, segundo o qual não se aplica o CDC às relações entre sócios e acionistas ou entre eles e a sociedade.
“Afastada a relação de consumo do investidor, acionista minoritário de sociedade anônima, caberia a ele provar o fato constitutivo do seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015 (‘O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito’), sendo incabível a inversão do ônus da prova procedida pelo acórdão recorrido”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença de improcedência.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DIVIDENDOS. INVESTIDOR. ACIONISTA MINORITÁRIO. SUCESSORES. SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL ABERTO. MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS. AÇÕES NEGOCIADAS. RELAÇÃO EMPRESARIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INVIABILIDADE.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).2. Cinge-se a controvérsia a perquirir se incidentes na relação entre o investidor acionista e a sociedade anônima as regras protetivas do direito do consumidor a ensejar, em consequência, a inversão do ônus da prova do pagamento de dividendos pleiteado na via judicial.3. Não é possível identificar na atividade de aquisição de ações nenhuma prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas, sim, relação de cunho puramente societário e empresarial.4. A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a, portanto, do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.5. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.6. Recurso especial de ITAÚ UNIBANCO S.A. provido a fim de julgar integralmente improcedentes os pedidos iniciais. Recurso especial de DIAIR REMONDI BORDON e outros não provido. Embargos de declaração de DIAIR REMONDI BORDON e outros rejeitados.
Leia o acórdão.