Revogada a aposentadoria rural a trabalhadora que também se aposentou de serviço público estadual

Ao julgar a apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu parcialmente os pedidos da autarquia para revogar a aposentadoria rural que havia sido concedida a uma trabalhadora que também ocupava cargo público estadual. A Turma, porém, considerou que os valores pagos à trabalhadora desde a decisão judicial de primeira instância não são passíveis de devolução por configurarem verba de caráter alimentar.

Na sentença, o juiz de primeiro grau havia reconhecido a condição de segurada especial por entender que, além de cumprir o requisito de idade, as provas documentais apresentadas pela autora, tais como certidão de casamento e certidões de nascimento de filhos que atestam a condição de lavrador do cônjuge e genitor. A requerente ainda comprovou contratos e escrituras de imóveis rurais, notas fiscais referentes a produtos rurais, todos atestando a condição de trabalhador rural do cônjuge, o que é aceito pela jurisprudência como início de prova material da condição da própria autora. No processo também consta a confirmação de testemunhas quanto à atividade rurícola.

Todavia, no TRF1, o relator, juiz federal convocado Antônio Scarpa, verificou no processo que a trabalhadora foi servidora pública da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás e recebe aposentadoria pelo regime próprio dos servidores públicos (RPPS). Por esse motivo, ela não pode ser segurada especial, nos termos do art. 11, § 10, “c”, da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social). Nesse ponto, Scarpa deu razão ao pedido do INSS e revogou o benefício.

Sem devolução – Ocorre que a autora já estava recebendo o benefício de aposentadora especial desde a concessão da liminar, no primeiro grau. Nesse caso, destacou o magistrado, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o benefício previdenciário recebido de boa-fé pela segurada, em decorrência de decisão judicial, tem caráter alimentar, não se podendo exigir a devolução dos valores recebidos mesmo depois de revogado o benefício.

O voto do relator no sentido de atender parcialmente à apelação do INSS para revogar o benefício de aposentadoria especial, mas sem determinar a devolução dos valores que já tinham sido pagos à segurada, foi seguido por unanimidade pelo Colegiado.

O recurso ficou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITO ETÁRIO ATENDIDO. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. CORROBORAÇÃO POR PROVA TESTEMUNHAL. PARTE AUTORA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. AUSÊNCIA. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO POR DECISÃO JUDICIAL PROVISÓRIA POSTERIORMENTE REVOGADA. IRREPETIBILIDADE. HONORÁRIOS. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.

1. Sentença proferida sob a égide do CPC/2015. Remessa necessária incabível.

2. A concessão do benefício pleiteado pela parte autora exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no art. 142 da Lei n. 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade de 60 anos para homem e 55 anos para mulher (art. 48, § 1º, da Lei de Benefícios).

3. O requisito de idade mínima foi atendido, pois a parte autora contava com idade superior à exigida quando do ajuizamento da ação (nascida em 06/11/1949 – carência: 138 meses).

4. Início de prova material: entre os documentos apresentados pela parte autora, certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge; certidões de nascimento de filhos que atestam a condição de lavrador do genitor; contratos de arrendamento de imóveis rurais, instrumentos particulares de meação agrícola, escritura de compra e venda de imóvel rural, documentos relativos ao ITR e notas fiscais referentes a produtos rurais, todos em nome do cônjuge, configuram o início razoável de prova material da atividade campesina da parte autora, em atenção à solução pro misero, adotada no âmbito do Colendo STJ e pelos Tribunais Regionais Federais.

5. A prova oral produzida nos autos confirma a qualidade de trabalhadora rural da parte autora pelo tempo de carência legal.

6. A contraprova trazida aos autos demonstra que a autora foi servidora pública do Estado de Goiás (Secretaria de Educação, Cultura e Esporte) e recebe aposentadoria pelo regime próprio dos servidores públicos (RPPS). Destarte, ficou afastada a qualidade de segurada especial da parte autora, nos termos do art. 11, § 10, “c”, da Lei 8.213/91.

7. Não atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário, não é devido o benefício de aposentadoria por idade.

8. O Supremo Tribunal Federal já assentou em jurisprudência o entendimento de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar.

9. É vigente nesta Corte o entendimento de que não se pode exigir a devolução dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, em decorrência de decisão judicial provisória, posteriormente revogada, em razão de sua natureza alimentar, destinada à subsistência do segurado ou assistido, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal. Precedente (AGTAG 1006336-71.2019.4.01.0000, Rel. Desembargador Federal César Jatahy, Segunda Turma, PJe 10/05/2022 pag).

10. Deferida a gratuidade de justiça requerida na inicial, fica suspensa a execução dos honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, enquanto perdurar a situação de pobreza da parte autora pelo prazo máximo de cinco anos, quando estará prescrita.

11. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS provida para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial. Antecipação de tutela revogada.

Processo: 1011749-41.2019.4.01.9999

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar