O pedido de revisão criminal não pode ser apresentado como recurso de apelação para rediscutir provas já analisadas quando está evidente mero interesse recursal. A decisão é da 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao examinar pedido de reanálise de provas em um processo em que um homem foi condenado a 17 anos de prisão pelo financiamento e custeio do tráfico de drogas.
O recurso (agravo regimental em revisão criminal (AgRRvCr) foi apresentado contra a decisão monocrática que não aceitou o pedido de revisão criminal e declarou extinto o processo, sem resolução do mérito.
Ao analisar o processo, o relator, juiz federal convocado Érico Rodrigo de Freitas Pinheiro. afirmou que o recurso “não apresenta argumentos novos capazes de infirmar a decisão agravada, que se mantém por seus próprios fundamentos”.
Segunda apelação – Segundo o magistrado, o objetivo do condenado, neste caso, seria obter uma nova interpretação e a “reanálise subjetiva das provas existentes no processo, na forma de uma (indevida) segunda apelação”.
“O acolhimento da pretensão revisional, na seara criminal, deve ser excepcional, cingindo-se às hipóteses em que a suposta contradição à evidência dos autos ou inocência pela prova nova seja patente, estreme de dúvidas, dispensando a interpretação ou análise subjetiva das provas constantes dos autos”, concluiu.
O magistrado disse, ainda, que, “segundo G. S. Nucci, com base na jurisprudência, revela-se incabível o reexame de julgamento por meio de revisão criminal, quando evidente mero interesse recursal, de modo a submeter ao tribunal, ilegitimamente, na forma de revisão, simples e verdadeira nova apelação. No dizer do consagrado jurista, não se admite possa prosperar revisão criminal quando é evidente o intento de apenas obter uma nova apreciação do conjunto probatório, convertendo a revisão em uma “espécie de segunda apelação”.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM REVISÃO CRIMINAL. UTILIZAÇÃO COMO NOVA APELAÇÃO. NÃO CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE REANÁLISE DE PROVAS. EXCEPCIONALIDADE DA VIA ELEITA. DOSIMETRIA DA PENA. CABIMENTO RESTRITO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA.
1. Agravo regimental interposto à decisão monocrática, que, ante o não enquadramento do caso a nenhuma das hipóteses legais previstas no artigo 621 do Código de Processo Penal, não conheceu do pedido de revisão criminal e, em consequência, declarou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento no disposto no artigo 485, I, do Código de Processo Civil.
2. Na origem, trata-se de revisão criminal ajuizada com fundamento nos artigos 621, I e III, e 626 do Código de Processo Penal, em face de acórdão desta Corte Regional, que, ao dar parcial provimento à apelação do requerente, embora mantendo a condenação pela prática dos crimes tipificados nos artigos 36, caput, e 35 c/c 40, I, da Lei 11.343/2006, reduziu a pena total fixada no Juízo de origem, de 17 (dezessete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 3000 dias-multa, à razão de 1/15 avos do salário mínimo vigente à época dos fatos, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, para 15 (quinze) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 2600 dias-multa, sendo 900 (novecentos) pelo crime de associação e 1700 (mil e setecentos) pelo de financiamento ao tráfico, mantida a razão de 1/15 avos do salário mínimo vigente à época dos fatos.
3. Recurso que não apresenta argumentos novos capazes de infirmar a decisão agravada, que se mantém por seus próprios fundamentos.
4. A pretensão do requerente, por implicar em nova interpretação e na reanálise subjetiva das provas existentes no processo de origem, na forma de uma (indevida) segunda apelação, revela-se inviável na via excepcional da revisão criminal. A argumentação apresentada também não autoriza o ajuizamento da revisão criminal pelo inciso III do artigo 621 do Código de Processo Penal, pois não se está a falar em descoberta de novas provas, posteriores à sentença, de inocência do requerente, tampouco de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
5. A circunstância de a análise técnica haver confirmado que a voz inicialmente atribuída ao agravante em determinadas conversas objeto de interceptação telefônica seria de terceira pessoa, ou mesmo a ausência de juntada aos autos de determinados índices de degravação de conversas interceptadas — que, justamente por isso, foram desconsideradas como prova pela magistrada a quo — em nada interferem no desfecho dado ao processo, pois, além de tais provas não terem sido consideradas pela sentença, a condenação do agravante lastreou-se em diversos outros elementos probatórios, aí incluídas as próprias afirmações por ele prestadas em seu interrogatório e em outros depoimentos testemunhais.
6. Conforme reconhecido pelo próprio agravante em sua petição inicial, a apontada ausência de análise pericial de parte do material coletado não foi debatida na origem, de modo que eventual nulidade daí decorrente, porque não alegada a tempo e modo, estaria acobertada pela preclusão. Ainda que assim não fosse, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de ser desnecessária a realização de perícia de voz nas interceptações, salvo quando houver dúvida plausível que justifique a medida, o que, considerado o teor dos índices referidos na sentença, não ocorreu no caso concreto (AgRg no AREsp 862538/SP, rel. min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 4/9/2020, e HC 500614/RS, rel. min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 4/6/2019).
7. Quanto à alegação de que teriam sido desconsiderados elementos de prova que demonstrariam, justamente, a ausência de envolvimento do agravante nos fatos criminosos, cabe ressaltar que esse mesmo material probatório — expressamente desconsiderado pela magistrada a quo — foi referido pelo Ministério Público Federal em suas alegações finais, com sentido e interpretação diversos dos adotados pelo agravante (em verdade, tal material foi mencionado como reforço para o pedido de condenação), fato que corrobora a conclusão de que a pretensão da presente revisão criminal, ao final, revela indiscutível e inviável reanálise e reinterpretação de prova, o que não se admite em sede de revisão criminal.
8. Em relação à dosimetria da pena, a revisão criminal tem cabimento restrito, apenas admitida quando, após a sentença, forem descobertas novas provas que demonstrem eventual equívoco do juízo sentenciante, ou na ocorrência de flagrante ilegalidade. Destarte, a revisão não pode ser utilizada como se apelação (ou recurso especial) fosse, para rediscutir, minuciosamente e à luz dos mesmos elementos probatórios, as circunstâncias que já foram valoradas no processo originário (AgRg no REsp 1805996/SP, rel. min. Ribeiro Dantas, DJe de 29/3/2021).
9. Na situação dos autos, não obstante o agravante aponte suposto bis in idem, decorrente do reconhecimento da ocorrência dos delitos de tráfico de entorpecentes e de financiamento do tráfico, o fato é que sua condenação não derivou da prática de nenhum dos tipos penais existentes no artigo 33 da Lei 11.343/2006 — mas sim dos crimes tipificados nos artigos 35 e 36 (financiamento e custeio do tráfico) dessa norma —, sendo certo que, a teor do disposto no parágrafo único do artigo 35, que trata da associação para o tráfico, nas mesmas penas do caput deste artigo incide quem se associa para a prática reiterada do crime no artigo 36 desta Lei. Uma vez que sentença e o acórdão reputaram existentes evidências probatórias fartas a indicar a associação duradoura e estável do ora agravante na associação com o grupo e financiamento das atividades voltadas para o transporte do material entorpecente, inviável o acolhimento da tese de ocorrência de bis in idem.
10. Agravo regimental a que se nega provimento.
Processo: 1039158-79.2020.4.01.0000