Uma aluna do município de Lauro de Freitas, na Bahia, conseguiu o direito de ter a matrícula trancada e não pagar as mensalidades do curso de Odontologia enquanto perdurar a necessidade de afastamento provisório devido a tratamento de saúde. Ela estuda no campus da cidade da União Metropolitana para o Desenvolvimento da Educação e Cultura Ltda (Unime).
A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que ainda julgou que o financiamento estudantil deve permanecer nos termos em que foi contratado.
A Unime havia proposto que a impetrante mantivesse o pagamento das mensalidades para “manter a vaga”, e ou iria perder também o financiamento estudantil privado da própria faculdade e pagaria multa. A proposta não foi aceita pela aluna, que enfrentava complicações de uma cirurgia gástrica e impetrou mandado de segurança na Justiça Federal da Bahia, obtendo sentença favorável a ela.
A ação chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo à segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.
Graves prejuízos financeiros – Relator, o desembargador federal Jamil de Jesus Oliveira observou que a aluna sofreu vários problemas decorrentes de uma cirurgia bariátrica, como embolia e infarto pulmonar, e teve de se afastar das atividades acadêmicas por ordens médicas.
De acordo com o magistrado, o contrato de prestação de serviço educacional e de financiamento privado do curso entre a aluna e a faculdade é regido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Assim, as cláusulas devem ser interpretadas de maneira mais favorável à estudante, sendo nulas as que a colocam em excessiva desvantagem, frisou.
“Portanto, em razão dos evidentes problemas de saúde suportados pela impetrante, deve-se assegurar o trancamento do curso de Odontologia e a suspensão do contrato de financiamento sob pena de lhe causar graves prejuízos financeiros e de ofender os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Razoabilidade e da Proporcionalidade, bem como o direito constitucional à educação e os direitos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor”, sendo inclusive este o entendimento deste tribunal, concluiu Oliveira, em seu voto.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. CURSO DE ODONTOLOGIA. AFASTAMENTO PROVISÓRIO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. TRANCAMENTO DE MATRÍCULA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DIREITOS PREVISTOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
1. Remessa oficial em face de sentença que determinou às autoridades coatoras que se abstenham de cobrar a mensalidade de junho de 2019 e dos meses subsequentes, enquanto perdurar a necessidade de afastamento da impetrante para tratamento de saúde, permanecendo o financiamento estudantil privado nos mesmos termos contratados. Determinou-se, ainda, o direito de a impetrante abater, da mensalidade subsequente ao retorno ao curso de Odontologia, a quantia paga em maio de 2019.
2. No caso, a impetrante, após ter sido submetida a cirurgia bariátrica, sofreu embolia e infarto pulmonar, dentre outros problemas de saúde. Com isso, os médicos determinaram o afastamento provisório de suas atividades acadêmicas.
3. A relação jurídica entre as partes é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, de modo que as cláusulas do contrato de prestação de serviços educacionais e de financiamento privado devem ser interpretadas de maneira mais favorável à estudante, nos termos do art. 47 do CDC e do art. 423 do Código Civil. Além disso, são nulas as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade, conforme previsão do art. 51, inciso IV, do CDC.
4. Em razão dos evidentes problemas de saúde enfrentados pela impetrante, deve ser assegurado o trancamento do curso de Odontologia e a suspensão do contrato de financiamento, sob pena de lhe causar graves prejuízos financeiros e de afrontar os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Razoabilidade, o direito constitucional à educação e os direitos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor. Precedentes deste Tribunal declinados no voto.
5. A impetrante deixou de frequentar o curso de Odontologia desde abril de 2019, após sucessivos internamentos e tratamentos médicos, sendo certo que a mensalidade a ser paga em maio deve ser restituída, de forma atualizada, especialmente pelo fato de já ter sido efetuado o pedido de trancamento do curso em questão.
6. Em sede de remessa oficial, confirma-se a sentença se não há quaisquer questões de fato ou de direito, referentes ao mérito ou ao processo, matéria constitucional ou infraconstitucional, direito federal ou não, ou princípio, que a desabone.
7. A ausência de recursos voluntários reforça a higidez da sentença, adequada e suficientemente fundamentada, sobretudo quando não há notícia de qualquer inovação no quadro fático-jurídico e diante da satisfação imediata da pretensão do direito, posteriormente julgado procedente.
8. Remessa oficial desprovida.
O Colegiado confirmou a sentença, por unanimidade, nos termos do voto do relator.
Processo: 1006710-81.2019.4.01.3300