O resgate de aplicação financeira e o pagamento antecipado de um empréstimo sem que o correntista tivesse solicitado configura indevida intromissão da instituição financeira sobre o patrimônio do cliente e gera o direito à indenização por dano material e moral. Foi o que decidiu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmando a sentença que foi objeto de apelação por parte da Caixa Econômica Federal ao TRF1.
Na sentença, o juiz condenou a instituição financeira ao pagamento de dano material no valor de R$7.272,32 e por danos morais no valor de R$10.000,00 e juros moratórios (pelo atraso do pagamento).
Ao recorrer, a Caixa argumentou que não cabia a indenização por dano moral porque não foi comprovado prejuízo ou perda de credibilidade da autora, pessoa jurídica no âmbito comercial. A apelante sustentou também que não houve conduta ilícita da instituição a ensejar tal indenização e que os honorários advocatícios foram fixados em valor exorbitante.
Ao analisar o processo, o relator, juiz federal convocado Ailton Schramm de Rocha (em regime de auxílio de julgamento a distância), explicou que conforme a Resolução 3.695/2009 do Banco Central, o cliente deve autorizar, por escrito ou por meio eletrônico, as movimentações de suas aplicações financeiras.
No caso, prosseguiu o magistrado, a parte autora teve de ajuizar uma ação para resolver a situação em que foi envolvida independentemente da sua vontade. Então, a conduta da Caixa causou um abalo psíquico que não pode ser considerado mero aborrecimento e decorre daí o dever de indenizar, conforme precedentes do TRF1.
Relativamente ao pedido de redução dos honorários sucumbenciais, o relator considerou o patamar de 10% razoável e em conformidade com a lei e acrescentou 2% a título de honorários recursais.
Recurso adesivo – a autora também havia interposto recurso adesivo à apelação da Caixa pleiteando a condenação da instituição bancária por litigância de má-fé ao argumento de que houve retardo do processo por meio de incidentes infundados e resistência injustificada ao andamento do processo, mas o relator considerou que a conduta da Caixa não configurou o propósito de atrasar o julgamento e votou por negar o recurso da autora.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E CONSUMIDOR. CEF. RESGATE DE INVESTIMENTO E LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE EMPRÉSTIMO SEM SOLICITAÇÃO DO CLIENTE. DANO MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. CONDIÇÃO ECONÔMICA DAS PARTES. MONTANTE RAZOÁVEL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA DA CEF.
1. Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, “com esteio no art.487, I, do Código de Processo Civil/15, para condenar a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a prestar indenização por danos materiais em favor da autora, no valor de R$7.272,32 (sete mil, duzentos e setenta e dois reais, trinta e dois centavos), montante a ser atualizado a partir da data de cada dispêndio das parcelas que o compõem (v. itens “6” e “20” da Fundamentação supra); bem assim ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), corrigido desde a data do arbitramento (cf. Súmula 362 do STJ), além de juros moratórios a contar do evento danoso (data das operações desautorizadas — 27/julho/2006)”. A parte autora interpõe apelação adesiva pleiteando a condenação da ré em litigância de má fé.
2. A sentença deve ser mantida. O resgate não solicitado de aplicação financeira, bem como a indevida liquidação antecipada de empréstimo, ao arrepio de qualquer pedido do correntista, configura indevida ingerência sobre o patrimônio do cliente, fatos que ensejam a necessidade de reparação de ordem material e moral. Nesse sentido, a Jurisprudência desta Corte Regional: “A responsabilidade em questão é afastada, nos termos do § 3º do art. 14 do CDC mediante a comprovação, por parte do fornecedor, que o seu serviço foi prestado de maneira correta, sem vícios, ou de que houve culpa exclusiva do autor ou de terceiro pelo dano suscitado, havendo, no caso inversão do ônus da prova ope legis, ou seja, o ônus de comprovar tais fatos é do fornecedor em razão da própria previsão legal, conforme entendimento jurisprudencial consolidado. Precedentes. V. Caso em que houve resgate de valores objeto de contrato de previdência privada, que as rés comprovaram, sem autorização expressa pela parte autora, com sua transferência para conta poupança e, posteriormente, para conta pertencente à empresa na qual supostamente figurava como sócio, sem, contudo, anuência prévia de sua parte, a configurar exercício de cláusula mandato.” (AC 0010840-58.2011.4.01.3803, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 13/04/2018 PAG.) “O Banco Central do Brasil, por meio de Resolução nº 3695/2009, determina que o cliente deve autorizar por escrito ou por meio eletrônico a realização de aplicações financeiras em fundos de investimento, o que não se verificou, na espécie. II – Na espécie dos autos, o esforço empreendido pelo autor, incluída a necessidade de ajuizar ação, para resolver situação em que fora injustamente envolvido não pode ser considerado mero dissabor. Há abalo psíquico, decorrente da conduta danosa, advindo daí o dever de indenizar (AC 0024637-18.2008.4.01.3800/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 20/11/2013)” (AC 0012772-40.2013.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 – QUINTA TURMA, e-DJF1 22/01/2019 PAG.)
3. Os danos foram prudentemente verificados pelo juízo de origem. Com efeito, no que se refere ao dano material, a sentença destaca que o valor apresentado por cálculo proposto pela parte autora afigura-se razoável e compatível com os fatos apontados no processo, não sofrendo impugnação específica da parte contrária. Os danos morais também foram arbitrados com parcimônia, atento o julgador às circunstâncias do caso concreto, em especial, as condições da entidade causadora do dano e da parte que experimentou o prejuízo de ordem moral.
4. Pretende a parte autora, em apelação adesiva, a condenação da ré Caixa à litigância de má fé, ao argumento de “que houve retardo do processo por cerca de 01 (um) ano e 06 (seis) meses entre a data da petição da Apelada informando a possibilidade de conciliação com a parte Apelante (fl. 92) e a presente data, na qual a Apelada, manifestamente, praticou atos processuais alterando a verdade dos fatos, provocando incidentes manifestamente infundados e opondo resistência injustificada ao andamento do processo para o julgamento da lide, procedendo sempre sem a devida lealdade e boa-fé processual”. Ocorre que não se pode depreender desses atos processuais, por si sós, conduta dolosa no propósito de procrastinar o andamento do feito. Precedentes: “Prevalece na jurisprudência o entendimento de que a imposição de multa em razão de litigância de má-fé imprescinde da comprovação de dolo, fraude ou outro ardil utilizado como meio de ludibriar a Justiça.” (AC 1001889-18.2020.4.01.3100, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 27/07/2022), AC 1000215-69.2017.4.01.3824, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 18/03/2021.
5. Os honorários foram fixados razoavelmente, no patamar de 10% sobre o valor da condenação, em conformidade com à norma processual em vigor (artigo 86 do Código de Processo Civil). Devem ser majorados os honorários em 2% sobre a base de cálculo estabelecida na sentença, conforme previsão do artigo 85, §11, da norma processual referida.
6. Apelação da CEF e apelação adesiva da parte autora desprovidas.
Processo: 0016292-35.2013.4.01.3300