Na liquidação de sociedade seguradora não é aplicável o artigo 16, parágrafo 2º, da Lei 6.024/1974, que trata da liquidação de instituições financeiras e prevê a fixação dos honorários do liquidante pelo Banco Central, pagos por conta da liquidanda.
Ao aplicar o entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que decidiu que os valores pagos aos agentes encarregados da gestão e execução da liquidação, nomeados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), devem ser extraídos da comissão de 5% paga à Susep, que funciona como limite máximo a ser suportado pela liquidanda.
A controvérsia julgada pelo colegiado se originou de ação ajuizada por uma holding contra a Susep e uma liquidante extrajudicial, para que fosse declarada indevida a cobrança da comissão estabelecida pelo artigo 106 do Decreto-Lei 73/1966 e pelo artigo 62 do Decreto 60.459/1967.
No recurso especial apresentado ao STJ, a Susep pediu a reforma do acórdão do TRF2, sob o argumento de que houve confusão entre a “comissão” de que trata o artigo 106 do Decreto 73/1966 e os “honorários” tratados no parágrafo 2º do artigo 16 da Lei 6.024/1974.
Limite da remuneração pelos serviços prestados na liquidação
O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a Susep exerce dupla função nos procedimentos de liquidação extrajudicial: órgão processante do procedimento de liquidação e também liquidante da sociedade empresária, com responsabilidade de realização do ativo e pagamento dos credores, conforme preceitua o Decreto-Lei 73/1966.
Segundo o magistrado, após ser decretada a liquidação extrajudicial da sociedade seguradora, a Susep pode nomear agente público para conduzir o respectivo processo, na qualidade de liquidante.
Porém, o ministro destacou que, quando se trata da remuneração pelos serviços prestados durante o procedimento de liquidação extrajudicial, a legislação orienta que a Susep terá remuneração equivalente a 5% sobre o ativo apurado da sociedade seguradora em liquidação.
“Em caso de nomeação de agente público para conduzir o procedimento, eventual remuneração deve ser subtraída dessa comissão, porquanto a legislação aplicável não prevê outra forma de remuneração de tais agentes”, acrescentou.
Princípio da especialidade para entidades de previdência privada
Ao negar provimento ao recurso especial, o relator considerou o princípio da especialidade e observou que a Lei 6.024/1964 só se aplica às sociedades seguradoras de capitalização e às entidades de previdência privada no que for cabível.
Antonio Carlos Ferreira reafirmou que a comissão mencionada no Decreto-Lei 73/1966 constitui a única importância devida pela sociedade liquidanda à Susep pelo exercício de suas atividades.
“Assim, ao prever a legislação que os valores pagos aos agentes encarregados de executar a liquidação devem ser extraídos da comissão, não está a transferir à Susep a incumbência do pagamento, pelo singelo motivo de que a disciplina legal já supõe estarem incluídas as importâncias no montante relativo à comissão”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE SOCIEDADE SEGURADORA DE CAPITALIZAÇÃO. COMISSÃO PAGA À SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP. ART. 106 DO DECRETO-LEI N. 73/1966. LIMITAÇÃO A 5% (CINCO POR CENTO) SOBRE O ATIVO APURADO NA LIQUIDAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA DISCIPLINA PREVISTA NA LEI N. 6.024/1974. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. SOBREPOSIÇÃO AO PRINCÍPIO CRONOLÓGICO. ?LEX POSTERIOR GENERALIS NON DEROGAT PRIORI SPECIALI? . RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP exerce, nos procedimentos de liquidação extrajudicial, dúplice função, de entidade processante e liquidante das sociedades de seguro.
2. O art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966 prevê o pagamento da comissão de 5% (cinco por cento), incidente sobre o ativo apurado na liquidação, como remuneração dos serviços prestados pela SUSEP no procedimento.
3. Os valores pagos aos agentes nomeados pela SUSEP e encarregados da gestão e execução da liquidação devem ser extraídos da referida comissão, que funciona como limite máximo a ser suportado pela liquidanda. Idêntica exegese é determinada pelo art. 82 do Decreto n. 60.459/1967.
4. Não se aplica à presente causa a disciplina prevista para a liquidação de instituições financeiras, prevista na Lei n. 6.024/1974. O princípio da especialidade constitui critério para a superação de antinomias aparentes, e a incompatibilidade normativa soluciona-se pela aplicação do comando que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinadas características especiais. O conflito entre os critérios cronológico e de especialidade resolve-se priorizando a regulamentação particular.
5. A própria dicção normativa determina a aplicação da disciplina da Lei n. 6.024/1974 às sociedades seguradoras de capitalização naquilo que for compatível (art. 3º da Lei n. 10.190/2001).
6. Recurso especial a que se nega provimento.
Leia o acórdão no REsp 2.028.232.