Com base no princípio da equidade e nas normas previstas pelo artigo 413 do Código Civil, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia adotado a proporcionalidade matemática para reduzir cláusula penal por devolução antecipada de loja localizada em shopping center.
Para o colegiado, a necessidade de equilíbrio dos efeitos da inexecução contratual entre as partes e as peculiaridades do shopping – que depende do funcionamento regular de suas lojas para sucesso do empreendimento – justificam a adoção da equidade na redução da cláusula penal pelo descumprimento do contrato.
“As consequências econômicas da inexecução perpetrada pelos locatários podem ter proporções muito maiores, o que justifica uma redução mais comedida do valor pactuado a título de cláusula penal. Assim, em vez de seis aluguéis, penso ser razoável a cobrança de quatro, com os consectários legais”, apontou o relator do recurso do shopping, ministro Luis Felipe Salomão.
O contrato estabelecido entre o shopping e a locatária previa que, no caso de devolução da loja antes do término do prazo de 36 meses de locação, a locatária deveria pagar multa compensatória equivalente a seis meses de aluguéis. No caso analisado, a devolução ocorreu após 14 meses de locação, ou seja, 22 meses antes do encerramento do contrato.
Da imutabilidade à equidade
Em primeira instância, o juiz condenou a locatária ao pagamento da cláusula penal em seu valor integral, mas o TJSP utilizou critério proporcional de cumprimento do contrato para reduzir a multa para 2,34 aluguéis.
Em análise do recurso especial do shopping, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que a cláusula penal constitui pacto por meio do qual as partes determinam previamente uma sanção de natureza civil – cujo objetivo é garantir o cumprimento da obrigação principal –, além de estipular perdas e danos em caso de inadimplemento parcial ou total do dever assumido.
O ministro também apontou que as disposições do artigo 413 do Código Civil de 2002 representaram a superação do princípio da imutabilidade absoluta da pena estabelecida livremente entre as partes, em favor da prevalência do princípio da equidade – um efeito do paradigma da ética nos negócios jurídicos. À luz desse princípio, explicou o ministro, o juiz deve verificar, em cada caso, se há a necessidade de redução da cláusula penal.
Porém, nas hipóteses de incidência do artigo 413 do CC/02, Salomão ressaltou que a redução judicial da cláusula penal deve observar o critério da equidade, que não se confunde com a imposição de proporcionalidade matemática.
Consequências econômicas
No caso concreto, o ministro também destacou que a existência de lojas desocupadas em um shopping center prejudica o sucesso de todo o empreendimento comercial, com a possibilidade de consequências econômicas em virtude de inexecução dos contratos locatícios.
Por esses motivos, o relator concluiu pela necessidade de reforma do acórdão do TJSP, que adotou o critério da proporcionalidade e restringiu a análise ao período remanescente de contrato.
“É que, a meu ver, no contexto dos autos – devolução de loja localizada em shopping center antes do decurso do prazo de 36 meses para a conclusão do contrato de locação, cumprido o lapso de 14 meses –, a redução da cláusula penal para quatro aluguéis revela-se mais condizente com o critério da equidade, dadas as peculiaridades do caso concreto”, concluiu o ministro ao reformar o acórdão do TJSP.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CLÁUSULA PENAL INSERTA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. REDUÇÃO JUDICIAL EM CASO DE CUMPRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO AVENÇADA. SUBSTITUIÇÃO DO CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE MATEMÁTICA PELA EQUIDADE. ARTIGO 413 DO CÓDIGO CIVIL C⁄C ARTIGO 4º DA LEI 8.245⁄91.
1. O artigo 413 do Código Civil de 2002, além de instituir o dever do juiz de redução da cláusula penal quando cabível, substituiu o critério da proporcionalidade matemática (previsto no artigo 924 do Código Civil de 1916) pela equidade.
2. A equidade, como sabido, é cláusula geral que visa obter modelo ideal de justiça distributiva, com aplicação excepcional nos casos previstos em lei. Entre outras funções, a equidade pode ostentar papel corretivo, obstando a concretização de evidente injustiça, mediante a garantia do equilíbrio das prestações estabelecidas entre os sujeitos de direito. Daí a opção do legislador civilista de conferir ao magistrado o dever de utilizar a equidade corretiva como parâmetro para o balanceamento judicial da cláusula penal.
3. Desse modo, caberá ao juiz, nas hipóteses de incidência da citada norma jurídica, proceder à redução da cláusula penal, atentando-se ao princípio da equivalência material entre os contratantes, sem olvidar, contudo, das particularidades, de cunho valorativo, presentes no caso concreto, tais como a finalidade visada pelos contratantes, a gravidade da infração, o grau de culpa do devedor, as vantagens que para este resultem do inadimplemento, o interesse do credor na prestação, a situação econômica de ambas as partes, a sua boa ou má-fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e eventuais contrapartidas que tenham beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal.
4. Na hipótese dos autos, há peculiaridade de ordem legal: é que, levando-se em consideração tanto a data da celebração do contrato de locação (13.4.2006), como o dia da ocorrência do fato gerador da cláusula penal (30.6.2007), encontrava-se em vigor a redação original do artigo 4º da Lei 8.245⁄91 (Lei do Inquilinato), que se reportava ao critério de redução proporcional previsto no artigo 924 do Código Civil de 1916.
5. À época dos fatos, contudo, tal norma (artigo 924 do Código Civil de 1916) já se encontrava revogada pelo diploma de 2002. Assim, subsistia no ordenamento jurídico a redação original do artigo 4º da Lei do Inquilinato, fazendo referência a dispositivo do código revogado.
6. Tal perplexidade foi resolvida pelo novo diploma legal, ao preceituar, no artigo 2.046, que todas as remissões, em diplomas legislativos, ao código revogado, consideravam-se feitas às disposições correspondentes do diploma de 2002.
7. Assim, como o artigo 924 do Código Civil de 1916 (indicado na Lei do Inquilinato) equivale ao artigo 413 do novel codex, o critério da proporcionalidade matemática, dantes adotado para a redução judicial de cláusula penal inserta em contrato de locação, foi também substituído pelo critério da equidade corretiva. Inteligência do Enunciado 357 da IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal.
8. Na espécie, o pacto locatício, celebrado em 13.4.2006, previa que, em havendo a devolução da loja pela locatária, antes do término do prazo de 36 (trinta e seis) meses (contados a partir de 1º.5.2006), esta obrigar-se-ia ao pagamento de multa compensatória no valor equivalente a 6 (seis) aluguéis (fl. 164), ou seja, R$ 10.260,00 (dez mil, duzentos e sessenta reais).
9. Diferentemente da proporcionalidade matemática adotada pela Corte estadual – que reduziu a multa para 2,34 aluguéis, por terem sido cumpridos 14 (catorze) meses da relação jurídica obrigacional, faltando 22 (vinte e dois) meses para o encerramento regular do ajuste -, o caso reclama a observância do critério da equidade, revelando-se mais condizente a redução para 4 (quatro) aluguéis, dadas as peculiaridades do caso concreto.
10. Como de sabença, a existência de lojas desocupadas em um shopping center depõe contra o sucesso de todo o empreendimento, podendo trazer à tona ilações malfazejas à massa de seus inquilinos, empregados e investidores, influenciando, diretamente, o desejo dos consumidores de frequentarem suas dependências e, consequentemente, procederem à compra dos produtos oferecidos.
11. As consequências econômicas da inexecução perpetrada pelos locatários pode, desse modo, ter proporções muito maiores, o que justifica uma redução mais comedida do valor pactuado a título de cláusula penal.
12. Recurso especial parcialmente provido.