Prescrição da lei penal se aplica a infrações administrativas mesmo sem apuração criminal contra servidor

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não reconheceu a prescrição em um processo administrativo ao adotar novo entendimento sobre o tema – de que os prazos penais se aplicam às infrações disciplinares capituladas como crime, ainda que não haja apuração criminal da conduta do servidor.

Uma servidora foi destituída de cargo em comissão em 2014 por se valer de suas atribuições para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; por improbidade administrativa; por lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional, aplicando-se ainda o disposto nos artigos 136 e 137, parágrafo único, da Lei 8.112/1990.

Em mandado de segurança impetrado no STJ, ela alegou que havia transcorrido o prazo de prescrição para aplicar a penalidade no processo administrativo disciplinar, o qual foi instaurado em 7 de agosto de 2008, sendo finalizado o prazo de 140 dias para sua conclusão em 26 de dezembro daquele ano. A impetrante argumentou que, nos termos da lei, a prescrição se dá em cinco anos no caso das infrações puníveis com destituição de cargo em comissão, o que teria ocorrido em 26 de dezembro de 2013.

O autor do voto vencedor no julgamento, ministro Og Fernandes, lembrou que a Primeira Seção, ao julgar recentemente o EREsp 1.656.383, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, definiu que, diante da rigorosa independência entre as esferas administrativa e criminal, não se pode considerar a apuração criminal um pré-requisito para a adoção do prazo prescricional da lei penal no processo administrativo. O entendimento anterior do STJ era o de que a aplicação do prazo previsto na lei penal exigia demonstração da existência de apuração criminal da conduta do servidor.

Irreleva​​nte

O ministro ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre a independência entre as instâncias (MS 23.242 e MS 24.013) e considerou irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido instaurado o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos mesmos fatos.

“Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, a fim de que seja aplicável o artigo 142, parágrafo , da Lei 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível – justamente o previsto no dispositivo legal referido –, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema”, afirmou o ministro.

Ao analisar o mandado de segurança, Og Fernandes observou que a inexistência de notícia nos autos sobre a instauração de apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante não impede a aplicação dos prazos penais, já que tais fatos se enquadram nos artigos 163, 299, 312, parágrafo 1°, 317, 359-B e 359-D do Código Penal.

Dessa forma, o ministro explicou que a prescrição para a aplicação da penalidade no processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o prazo previsto para os crimes em análise é de 16 anos, conforme o artigo 109, II, do Código Penal (pena máxima em abstrato de 12 anos).

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PAD. FATO APURADO: VALER-SE DO CARGO PARA LOGRAR PROVEITO PESSOAL OU DE OUTREM, EM DETRIMENTO DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, E POR LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS E DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO NACIONAL (ARTS. 359-B; 359-D; 163; 299; 312, § 1O. E 317 DO CÓDIGO PENAL). PENA APLICADA: EXONERAÇÃO DO CARGO EM COMISSÃO.  INFRAÇÃO DISCIPLINAR TAMBÉM PREVISTA COMO CRIME, MAS SEM NOTÍCIA DE INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL CORRESPONDENTE. PRESCRIÇÃO AFASTADA PELA EGRÉGIA PRIMEIRA SEÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PREJUÍZOS NÃO DEMONSTRADOS PELA IMPETRANTE. ORDEM DENEGADA.

1. Em primeiro lugar, quanto à preliminar da prescrição, me manifestei pela sua consumação. Entretanto, a egrégia Primeira Seção, na assentada de 22.5.2019,  superando seu posicionamento anterior sobre o tema, firmou orientação de que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal.

2. Quanto ao mais, a impetrante alega a ocorrência de cerceamento de defesa, ao argumento de que, nem ela, nem os Advogados constituídos foram intimados da conclusão do PAD, com a publicação direta da Portaria de exoneração sem viabilizar a interposição de recurso (fls. 8). Acrescenta que só teve ciência do ato de exoneração através do ofício enviado para sua superior imediata.

3. Do que se extrai dos autos, a publicidade da pena de destituição do cargo em comissão se operou por meio da Portaria 5. de janeiro⁄2014, publicada no DOU de 2.3.2014.

4. Extrai-se, ainda, das informações trazidas às fls. 4.384, que, nos termos do documento de fls. 4435 dos autos do Processo MS⁄SIPAR 25000.494844⁄2009-87 (doc. 01. em anexo), a impetrante foi, sim, intimada acerca do Julgamento proferido  pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Saúde. O referido documento data de 04 de fevereiro de 2014, e, até o presente momento, não se tem notícias da interposição de recurso administrativo por parte da servidora.

5. Assim, não há como se reconhecer a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar, que pressupõe a efetiva e suficiente comprovação do prejuízo ao direito da defesa, por força do princípio pas de nullité sans grief.

6. Ordem denegada, com ressalva das vias ordinárias.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): MS 20857

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