Empregado dormia dentro do caminhão e sobre caixas de mercadorias
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) excluiu a condenação aplicada à Comercial Destro Ltda., de pagamento a um ajudante de carga e descarga do período de pernoite no caminhão como tempo de espera. Conforme o colegiado, para caracterização do “tempo de espera”, é necessário que o empregado esteja aguardando carga, descarga ou fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias.
Condições de espera
A decisão reformou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) sobre o caso. O TRT considerou a prova oral de que a empresa não reembolsou despesas relacionadas à hospedagem e/ou pernoite, como previsto em norma coletiva, o que obrigaria os empregados a dormirem no próprio caminhão e em condições inadequadas.
Para o TRT, o fato de não haver condições adequadas para o repouso dentro do caminhão, por si, autoriza a indenização do período a título de horas de espera, por aplicação dos parágrafos 4º e 11º do artigo 235-C da CLT. Com essa fundamentação, deferiu o pagamento indenizado de 30% do salário-hora normal, equivalentes a 11h por dia de pernoite em viagens.
No recurso ao TST, a Comercial Destro argumentou que o período de pernoite no caminhão não caracteriza tempo de espera nem tempo à disposição do empregador. Alegou que pagava as diárias para o empregado e, se fosse o caso, reembolsava despesas com hospedagem. Afirmou, ainda, que pagou os valores devidos a título de espera e que não era exigido que o empregado permanecesse junto ao veículo.
Matéria nova – tempo de espera
Para o relator do recurso de revista, ministro Lelio Bentes Corrêa, a matéria controvertida é nova, pendente ainda de uniformização jurisprudencial no âmbito do TST. Ele assinalou que, pelo artigo 235-C, parágrafo 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para caracterização do “tempo de espera”, é necessário que o motorista esteja aguardando carga, descarga ou fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias. Por outro lado, esclareceu que o parágrafo 4º do mesmo artigo “prevê a possibilidade de o motorista pernoitar no interior do veículo, mas não caracteriza tal período como tempo de espera”.
No caso, porém, o Tribunal Regional considerou como tempo de espera o período de pernoite no interior do caminhão, “tão-somente por considerar tal ambiente inadequado para o descanso”, destacou o relator. Nesse contexto, segundo ele, o TRT violou o disposto no artigo 235-C, parágrafo 8º, da CLT.
O colegiado seguiu o entendimento do relator e reformou a decisão do TRT, dando provimento ao recurso para excluir da condenação o pagamento do tempo de espera correspondente ao período de pernoite no interior do caminhão.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA. DESCARACTERIZAÇÃO. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO RECONHECIDA. 1. Cuida-se de controvérsia acerca da descaracterização do acordo de compensação de jornada em razão da prestação habitual de horas extras. 2. Constatado o preenchimento dos demais requisitos processuais de admissibilidade, o exame do Recurso de Revista sob o prisma do pressuposto de transcendência revelou que: a ) não demonstrada a transcendência política da causa, na medida em que o acórdão recorrido revela consonância com o disposto na Súmula n.º 85, IV, deste Tribunal Superior; b ) não se verifica a transcendência jurídica , visto que ausentes indícios da existência de questão nova acerca da controvérsia ora submetida a exame, mormente diante da plena vigência da Súmula n.º 85, IV, desta Corte superior, a obstaculizar a pretensão recursal; c ) não identificada a transcendência social da causa, visto que não se cuida de pretensão recursal formulada em face de suposta supressão ou limitação de direitos sociais assegurados na legislação pátria; e d ) não há falar em transcendência econômica , visto que o valor arbitrado à condenação não se revela elevado ou desproporcional ao pedido formulado e deferido na instância ordinária. 3. Configurado o óbice relativo ao não reconhecimento da transcendência da causa quanto ao tema sob exame, resulta inviável o processamento do Recurso de Revista, no particular. 4. Agravo de Instrumento não provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. TEMPO DE ESPERA. CARACTERIZAÇÃO. PERNOITE NO CAMINHÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Reconhecida a transcendência jurídica da causa, e demonstrada a violação do artigo 235-C, § 8º, da CLT, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento a fim de determinar o processamento do Recurso de Revista.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. PERNOITE NO BAÚ DO CAMINHÃO SOBRE AS MERCADORIAS. MATÉRIA FÁTICA. TRANSCENDÊNCIA NÃO EXAMINADA. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que restou comprovado nos autos que o reclamante pernoitava no baú do caminhão sobre as mercadorias, caracterizando, desse modo, o dano moral in re ipsa, em razão da sujeição do trabalhador a condições inadequadas à sua saúde. Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Ante a incidência do referido óbice, deixa-se de examinar a transcendência da causa. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AMBIENTE DE TRABALHO INADEQUADO. PERNOITE NO BAÚ DO CAMINHÃO SOBRE AS MERCADORIAS. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO EXAMINADA. 1. O exame da prova produzida nos autos é atribuição exclusiva das instâncias ordinárias, cujo pronunciamento, nesse aspecto, é soberano. Com efeito, a proximidade do julgador, em sede ordinária, com a realidade cotidiana em que contextualizada a controvérsia a ser dirimida, habilita-o a equacionar o litígio com maior precisão, sobretudo no que diz respeito à aferição de elementos de fato sujeitos a avaliação subjetiva, necessária à estipulação do valor da indenização por danos morais. Conclui-se, num tal contexto, que não cabe a esta instância superior, em regra, rever a valoração emanada das instâncias ordinárias em relação ao montante arbitrado a título de indenização por danos morais, para o que se faria necessário o reexame dos elementos de fato e das provas constantes dos autos. Excepcionam-se, todavia, de tal regra as hipóteses em que o quantum indenizatório se revele extremamente irrisório ou nitidamente exagerado, denotando manifesta inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aferível de plano, sem necessidade de incursão na prova. 2. No caso dos autos, tem-se que somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos – procedimento vedado nesta instância extraordinária – seria possível chegar a conclusão diversa daquela erigida pelo Tribunal Regional, no sentido de que o valor de R$ 3.000,00, arbitrado à condenação, revela-se adequado para indenizar os danos sofridos pelo obreiro. Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Em face da existência de óbice de natureza processual ao trânsito do recurso, deixa-se de examinar o requisito da transcendência. 3. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. EMPREGADO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. DEMANDA TRABALHISTA AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Cuida-se de controvérsia acerca da suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios devidos, por ser o reclamante beneficiário da justiça gratuita, considerando que a presente reclamação trabalhista foi ajuizada após a vigência da Lei n.º 13.467/2017. 2. Em atenção à recente decisão proferida pelo STF, de caráter vinculante e eficácia erga omnes , no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.766, ocorrido em 20/10/2021, acerca da inconstitucionalidade do artigo 791-A, § 4º, da CLT, acrescido por meio da Lei n.º 13.467/2017, e tendo em vista a existência de decisões no âmbito de Tribunais Regionais do Trabalho em que conferida eficácia parcial ao referido dispositivo consolidado, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (artigo 896-A, § 1º, IV, da CLT) a fim de se examinar a observância da mencionada decisão vinculante do STF diante das peculiaridades da presente hipótese. 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5766, ocorrido em 20/10/2021, declarou a inconstitucionalidade do artigo 791-A, § 4º, da CLT, advindo da Lei n.º 13.467/2017. Assentou a Suprema Corte, naquela oportunidade, que a condenação de beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios vulnera a assistência jurídica integral e gratuita devida pelo Estado em favor da parte hipossuficiente, em detrimento inclusive do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. 4 . Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional manteve a condenação do reclamante ao pagamento de honorários advocatícios, suspendendo, contudo, sua exigibilidade, por ser beneficiário da justiça gratuita. Não obstante o evidente descompasso da tese sufragada no acórdão recorrido com a recente decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5766, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, afigura-se inviável a reforma do julgado para excluir da condenação os honorários sucumbenciais, em razão do princípio do non reformatio in pejus . 5 . Recurso de Revista não conhecido.
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. TEMPO DE ESPERA. CARACTERIZAÇÃO. PERNOITE NO CAMINHÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1 . Trata-se de controvérsia acerca da caracterização do período de pernoite no interior do veículo como “tempo de espera”. 2 . Uma vez evidenciado que a matéria controvertida é nova, nos termos do artigo 896-A, § 1º, inciso IV, da Consolidação das Leis do Trabalho, encontrando-se ainda pendente de uniformização jurisprudencial no âmbito desta Corte superior, reconhece-se a transcendência jurídica da causa. 3. Consoante disposto no artigo 235-C, § 8º, da CLT, para a caracterização do “tempo de espera” é necessário que o motorista esteja aguardando carga, descarga ou fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias. De outro lado, o § 4º do mesmo preceito prevê a possibilidade de o motorista pernoitar no interior do veículo, mas não caracteriza tal período como “tempo de espera”. 4 . Assim, o Tribunal Regional , ao caracterizar o pernoite no interior do caminhão como “tempo de espera” , violou o disposto no artigo 235-C, § 8º, da CLT, ensejando, desse modo, a reforma do acórdão regional. 5 . Recurso de Revista conhecido e provido.
Processo: RRAg – 20412-44.2018.5.04.0305