Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que é necessária a intimação do interessado para o recolhimento do preparo recursal nas hipóteses de indeferimento ou de não processamento do pedido de assistência judiciária gratuita, inclusive em casos nos quais é reconhecida como incorreta a formulação do pedido de assistência na própria petição do recurso.
Por unanimidade, o colegiado adotou o entendimento estabelecido pela Quarta Turma no REsp 731.880, que divergia de tese da Primeira Turma no sentido de que o recurso seria deserto.
“Entendimento diverso vai na contramão da evolução histórica do direito processual e dos direitos fundamentais dos cidadãos, privilegiando uma jurisprudência defensiva em detrimento do princípio da primazia do julgamento de mérito”, afirmou o relator dos embargos, ministro Herman Benjamin.
Ao julgar agravo em recurso especial, a Primeira Turma havia entendido que o recurso não poderia ter seguimento, já que não foi instruído com a guia de custas e o respectivo pagamento, em razão de o requerimento de justiça gratuita ter sido feito no corpo da peça recursal. Segundo o colegiado, estando em curso a ação, o pedido de assistência judiciária gratuita deveria ter sido formulado em petição avulsa e processo em apenso aos autos principais.
Intimação
O ministro Herman Benjamin destacou que, de acordo com o artigo 1º da Lei 1.060/50, o benefício da justiça gratuita pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente para sua obtenção que a pessoa física afirme não ter condições financeiras de arcar com as despesas do processo.
Segundo o relator, o Código de Processo Civil de 2015 avançou ainda mais em relação ao tema da assistência judiciária gratuita ao permitir que o requerimento seja formulado por qualquer meio e, nos casos de indeferimento, que o interessado seja intimado para a realização do preparo.
De acordo com o ministro, para se tornarem efetivos os direitos de assistência jurídica das pessoas economicamente hipossuficientes e de amplo acesso à Justiça, nada mais razoável do que assegurar ao jurisdicionado “não somente a possibilidade de protocolizar o pedido de assistência judiciária por qualquer meio processual e em qualquer fase do processo, mas também, caso indeferido o pedido, que seja intimado para que realize o recolhimento das custas e do porte de remessa e retorno”.
Ao acolher o entendimento da Quarta Turma, Herman Benjamin também citou precedentes do STJ no sentido de que é desnecessário o preparo de recurso cujo mérito discute o próprio direito ao benefício da justiça gratuita.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INDEFERIMENTO. PREPARO. AUSÊNCIA. DESERÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO.1. Trata-se de Embargos de Divergência entre acórdãos da Primeira e da Quarta Turmas do STJ que apresentam entendimentos distintos quanto a se haveria ou não necessidade de intimar a parte embargante para a realização do preparo quando reconhecida como incorreta a formulação do pedido de assistência judiciária gratuita na própria petição do Recurso Especial. O acórdão embargado da Primeira Turma decidiu que o recurso seria deserto, pois o pedido de benefício de assistência judiciária gratuita deveria ter sido feito em autos apartados. Já a Quarta Turma (REsp 731.880⁄MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini) decidiu que o recurso não seria deserto, pois, no caso de indeferimento, há que oportunizar à parte o pagamento do preparo.2. O Recurso de Embargos de Divergência tem por objetivo uniformizar a jurisprudência interna do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Tal espécie recursal está disciplinada nos artigos 1.043 e 1.044 do CPC⁄2015, sendo cabível contra Acórdão do STJ ou do STF: a) divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; b) divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora haja apreciado a controvérsia.3. Disciplinando a matéria da assistência judiciária gratuita, a Lei 1.060⁄1950, recepcionada pela nova ordem constitucional, em seu art. 1º, caput e § 1º, prevê que o referido benefício pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente para sua obtenção que a pessoa física afirme não ter condições financeiras de arcar com as despesas do processo.4. O CPC⁄2015 avançou em relação ao tema da assistência judiciária gratuita, primeiramente por disciplinar a matéria no próprio estatuto processual; depois por permitir que o requerimento seja formulado por qualquer meio e, nos casos do seu indeferimento, que o interessado seja intimado para a realização do preparo.5. Nada mais razoável para se tornarem efetivos os direitos fundamentais de assistência jurídica das pessoas economicamente hipossuficientes (CF. art. 5º, LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos) e de amplo acesso à Justiça (CF. art. 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) para que seja assegurada ao jurisdicionado não somente a possibilidade de protocolizar o pedido de assistência judiciária por qualquer meio processual e em qualquer fase do processo, mas também, caso indeferido o pedido, sua intimação para que realize o recolhimento das custas e porte de remessa e retorno, quando for o caso. A propósito: REsp 1.680.645⁄MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3⁄10⁄2017, DJe 11⁄10⁄2017.6. Entendimento diverso vai na contramão da evolução histórica do direito processual e dos direitos fundamentais dos cidadãos, privilegiando uma jurisprudência defensiva em detrimento do princípio da primazia do julgamento de mérito.7. Ademais, há precedentes do STJ no sentido de que “É desnecessário o preparo do recurso cujo mérito discute o próprio direito ao benefício da assistência judiciária gratuita” e que, antes de declarar a deserção do recurso, o magistrado deve analisar o pedido de gratuidade de justiça feito em tempo anterior a sua interposição, concedendo prazo, no caso de indeferimento, para recolhimento das custas devidas. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.181.169⁄RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10⁄4⁄2018, DJe 13⁄4⁄2018; AgInt no AREsp 983.952⁄RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 23⁄5⁄2017, DJe 01⁄6⁄2017; AgInt no RMS 49.328⁄AC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 6⁄10⁄2016; RMS 49.180⁄AC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 18⁄8⁄2016.8. Embargos de Divergência providos, no sentido da necessidade de intimação do interessado para a realização do preparo recursal nas hipóteses de indeferimento ou não processamento do pedido de assistência judiciária gratuita.