Operadora deve custear tratamento de paciente grave mesmo após rescisão do plano coletivo, confirma Segunda Seção

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.082), estabeleceu a tese de que a operadora, mesmo após rescindir unilateralmente o plano ou o seguro de saúde coletivo, deve garantir a continuidade da assistência a beneficiário internado ou em tratamento de doença grave, até a efetiva alta, desde que ele arque integralmente com o valor das mensalidades.

A tese fixada no rito dos repetitivos orienta os juízes e tribunais de todo o país no julgamento de casos semelhantes.

O julgamento do repetitivo teve a participação, como amici curiae, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, da Federação Nacional de Saúde Suplementar, da Defensoria Pública da União e do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar.

A relatoria dos recursos coube ao ministro Luis Felipe Salomão, segundo o qual o artigo 13, parágrafo único, incisos I e II, da Lei 9.656/1998 é taxativo ao proibir a suspensão de cobertura ou a rescisão unilateral imotivada – por iniciativa da operadora – do plano privado individual ou familiar.

De acordo com o dispositivo, apenas quando constatada fraude ou inadimplência é que o contrato poderá ser rescindido ou suspenso, mas, para isso, é necessário que o paciente não esteja internado ou submetido a tratamento garantidor de sua incolumidade física.

Regras do plano individual são aplicáveis às modalidades coletivas

No caso dos planos coletivos, o relator apontou que a legislação prevê a hipótese de rescisão imotivada no caso de contratos com 30 ou mais beneficiários – desde que observados os requisitos da Resolução Normativa 195/2009 da ANS. Para os planos com menos de 30 usuários, a rescisão unilateral exige justificativa válida.

Embora os planos coletivos tenham características específicas, e o artigo 13 da Lei 9.656/1998 seja voltado para os contratos individuais ou familiares, Salomão ressaltou que o dispositivo também atinge os contratos grupais, de forma a vedar a possibilidade de rescisão contratual durante internação do usuário ou tratamento de doença grave.

“Nessa perspectiva, no caso de usuário internado ou submetido a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, o óbice à suspensão de cobertura ou à rescisão unilateral do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação – coletivo ou individual –, devendo a operadora aguardar a efetiva alta médica para se desincumbir da obrigação de custear os cuidados assistenciais pertinentes”, completou o ministro.

Manutenção do custeio só ocorre se operadora não oferecer alternativas ao usuário

Por outro lado, Luis Felipe Salomão ponderou que esse entendimento só é aplicável quando a operadora não demonstrar que manteve a assistência ao beneficiário em estado grave, a exemplo da oferta de migração para plano de saúde individual ou a contratação de novo plano coletivo.

Nesse sentido, Salomão enfatizou que, nos termos da Resolução Normativa 438/2018 da ANS, a operadora que rescindiu unilateralmente o plano coletivo e não comercializa plano individual deve informar os usuários sobre o direito à portabilidade para outra operadora de saúde, sem a necessidade do cumprimento de novo prazo de carência.

Segundo o relator, outra situação que exonera a operadora de continuar custeando a assistência ao beneficiário com doença grave ocorre quando o empregador contrata novo plano coletivo com outra empresa.

Ao julgar um dos recursos vinculados ao tema repetitivo, Salomão reformou parcialmente o acórdão de segundo grau para que, observada a manutenção da cobertura do tratamento de saúde, o titular seja comunicado de que, após a alta médica, haverá a extinção contratual, momento em que terá início o prazo para requerer a portabilidade de carência – salvo se aderir a novo plano coletivo eventualmente contratado pelo empregador.

O REsp 1846123, ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. CANCELAMENTO UNILATERAL. BENEFICIÁRIO SUBMETIDO A TRATAMENTO MÉDICO DE DOENÇA GRAVE.
1. Tese jurídica firmada para fins do artigo 1.036 do CPC: “A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação (mensalidade) devida.”
2. Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/1998 restringe-se aos seguros e planos de saúde individuais ou familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário – ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física – também alcança os pactos coletivos.
3. Isso porque, em havendo usuário internado ou em pleno tratamento de saúde, a operadora, mesmo após exercido o direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea “b”, e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021, que reproduz, com pequenas alterações, o teor do artigo 18 contido nas Resoluções Normativas DC/ANS n. 428/2017, 387/2015 e 338/2013.
4. A aludida exegese também encontra amparo na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda quando haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do usuário que se encontre em situação de extrema vulnerabilidade.
5. Caso concreto: (i) a autora aderiu, em 1º.12.2012, ao seguro-saúde coletivo empresarial oferecido pela ré, do qual o seu empregador era estipulante; (ii) no aludido pacto, havia cláusula expressa prevendo que, após o período de 12 meses de vigência, a avença poderia ser rescindida imotivadamente por qualquer uma das partes, mediante notificação por escrito com no mínimo 60 dias de antecedência; (iii) diante da aludida disposição contratual, a operadora enviou carta de rescisão ao estipulante em 14.12.2016, indicando o cancelamento da apólice em 28.2.2017; (iv) desde 2016, a usuária encontrava-se afastada do trabalho para tratamento médico de câncer de mama, o que ensejou notificação extrajudicial – encaminhada pelo estipulante à operadora em 11.1.2017 – pleiteando a manutenção do seguro-saúde até a alta médica; (v) tendo em vista a recusa da ré, a autora ajuizou a presente ação postulando a sua migração para plano de saúde individual; (vi) desde a contestação, a ré aponta que não comercializa tal modalidade contratual; e (vii) em 4.4.2017, foi deferida antecipação da tutela jurisdicional pelo magistrado de piso – confirmada na sentença e pelo Tribunal de origem – determinando que “a ré mantenha em vigor o contrato com a autora, nas mesmas condições contratadas pelo estipulante, ou restabeleça o contrato, se já rescindido, por prazo indeterminado ou até decisão em contrário deste juízo, garantindo integral cobertura de tratamento à moléstia que acomete a autora” (fls. 29-33).
6. Diante desse quadro, merece parcial reforma o acórdão estadual a fim de se afastar a obrigatoriedade de oferecimento do plano de saúde individual substitutivo do coletivo extinto, mantendo-se, contudo, a determinação de continuidade de cobertura financeira do tratamento médico do câncer de mama – porventura em andamento -, ressalvada a ocorrência de efetiva portabilidade de carências ou a contratação de novo plano coletivo pelo atual empregador.
7. Recurso especial parcialmente provido.

Leia mais:

Repetitivo discute cancelamento unilateral de plano de saúde coletivo durante tratamento de doença grave

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