A simples omissão da prestação de contas ou sua realização de forma parcial ou incompleta não tem o condão de caracterizar ato ímprobo. Por esse motivo, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou a apelação do Ministério Público Federal (MPF) e o recurso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) contra a sentença, da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI, que julgou improcedentes os pedidos e extinguiu o processo sem a resolução do mérito.
O processo começou quando o município de Caracol/PI ajuizou ação de improbidade administrativa objetivando a condenação de um ex-prefeito e de uma empresa de empreendimentos e construção ao fundamento de ausência de prestação de contas dos recursos recebidos, fato que ocasionou a inserção do município nos cadastros de inadimplentes e inviabilizou a obtenção de novos recursos federais. Argumentou o MPF, em acordo com o FNDE, que houve dolo dos acusados por não comprovarem a execução dos serviços contratados, embora a execução contratada tenha sido devidamente remunerada.
Ao analisar o recurso no TRF1, o relator, juiz federal convocado Marllon Sousa, explicou que em 26/10/2021 foi publicada a alteração da Lei 8.429/92 pela Lei 14.230/21 que modificou consideravelmente a Lei de Improbidade Administrativa. Segundo o magistrado, para que o agente seja responsabilizado com base nos tipos descritos na legislação é exigida agora a demonstração de intenção dolosa. O dolo em alguns incisos é o específico, conforme o artigo 1º, § 2º da nova lei que diz: “deve estar devidamente demonstrado a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.
Portanto, explicou o juiz convocado que para a tipificação da conduta é necessário que o agente dolosamente deixe de prestar contas e concluiu que “a simples omissão ou a realização de forma parcial ou incompleta não tem o condão de caracterizar o ato ímprobo”.
“Na hipótese em exame, não ficou demonstrada a presença do dolo, de modo que se torna inviável a condenação do requerido”, observou o magistrado que votou por negar as apelações e confirmar a decisão da 1ª instância.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, VI, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. TESE 1199 DO STF. AUSÊNCIA DE DOLO E MÁ-FÉ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. A Lei 14.230/21 modificou consideravelmente a Lei de Improbidade Administrativa.
2. Para a configuração da improbidade administrativa capitulada no art. 11 e incisos da Lei nº 8.429/92, com as alterações da Lei 14.230/21 é necessária a demonstração do elemento subjetivo doloso. Não demonstrados dolo e má-fé se torna inviável a condenação.
3. O Supremo Tribunal Federal, em 18/08/2022, ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário no Agravo nº 843989, fixou a tese do Tema 1199 nos seguintes termos:“1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei” (Grifei).
4. Apelações não providas.
O Colegiado acompanhou por unanimidade o voto do relator.
Processo: 0000315-15.2019.4.01.4004