Para MPF, a falta de norma reguladora sobre acessibilidade em operações financeiras viola o direito de pessoas com deficiência visual
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, para que o Banco Central do Brasil (Bacen) obrigue, em até 30 dias, todas as instituições que integram o sistema financeiro nacional a fornecer aos clientes com deficiência visual os contratos e/ou documentos relativos a quaisquer negócios jurídicos na linguagem Braile, sempre que isso for solicitado.
O MPF instaurou inquérito civil para apurar as medidas adotadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional no sentido de instituir norma regulamentadora que garanta a acessibilidade e resguarde os direitos das pessoas com deficiência visual na assinatura de contratos com instituições financeiras, já que não há norma específica sobre o assunto.
Em 2018, o MPF expediu uma recomendação ao Banco Central para que, entre outras medidas, regulamentasse o uso do sistema Braile na contratação de serviços e operações com pessoas com deficiência visual, através de procedimento uniforme a ser adotado por todas as instituições financeiras. Mas, em resposta, o Banco Central informou que não lhe competia regular e fiscalizar o cumprimento de regras relacionadas à acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida prevista em legislação própria.
Na ocasião, o banco também apresentou uma cópia de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre MPF, MPSP, MPMG com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e bancos aderentes em 2008. Além disso, suscitou um normativo da Febraban de 2009 e que foi atualizado em 2015, relativo ao sistema de autorregulação bancária, instituindo regras comuns para o atendimento do consumidor na rede bancária, especialmente para clientes com deficiência.
Normas insuficientes – Para o MPF, apesar dessas normas, a regulamentação da matéria é importante, necessária e sobretudo justa, com amparo no texto constitucional e na legislação infraconstitucional (Lei n.º 13.146/2015), que regula os direitos e as garantias da pessoa com deficiência. Apesar da autorregulação promovida pela Febraban e pelo TAC, as normas atuais não são suficientes para se estabelecer o tratamento isonômico entre clientes bancários com deficiência visual e clientes comuns.
Linguagem Braile – O Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já julgou um recurso em 2018 firmando entendimento de que as instituições financeiras devem adotar o sistema Braile na confecção dos contratos bancários de adesão e os demais documentos fundamentais para a relação de consumo estabelecida com o indivíduo portador de deficiência visual.
De acordo com o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, “a única maneira de proporcionar dignidade às pessoas com deficiência visual, em suas relações jurídicas com instituições financeiras, é a obrigatoriedade na utilização da linguagem Braile em todos os instrumentos contratuais, sempre que solicitado pelo cliente”.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência define acessibilidade como o “direito que garante à pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e participação social” (Lei n.º 13.146/2015, art. 53). Para o MPF esse conceito vai além de simples adaptações relativas ao espaço e às acomodações físicas.
O procurador lembra também que o estatuto é posterior à maior parte das normatizações acima mencionadas – inclusive ao TAC firmado entre MPF e a Febraban.
“O Banco Central, na qualidade de autoridade monetária nacional, responsável por disciplinar o sistema bancário e financeiro do país, tem o poder-dever de editar regramento para garantir a dignidade de todo e qualquer cliente do sistema financeiro que seja deficiência visual. A obrigatoriedade de utilização da linhagem Braile em todos os contratos ou negócios jurídicos com Bancos e demais instituições financeiras é uma medida legítima, justa e necessária”.
É importante destacar que a convenção Internacional sobre Direitos da Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, considera o sistema Braile uma adaptação razoável na promoção de acessibilidade às pessoas com deficiência visual além de garantir o direito à intimidade do contratante.
ACP nº 1010443-05.2022.4.01.3800