O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação penal a dois empresários de Porto Alegre que utilizaram operações ilegais de câmbio para enviar uma quantia de quase 800 mil dólares ao exterior sem declarar o dinheiro.
Assim, permanece válida a sentença de primeira instância que condenou os réus a cumprirem, respectivamente, seis anos e cinco meses e cinco anos e nove meses de prisão em regime semiaberto pela prática dos crimes de evasão de divisas e de falsidade ideológica. A relatora da apelação criminal foi a desembargadora federal Cláudia Cristina Cristofani, da 7ª Turma da Corte.
A decisão foi proferida de forma unânime em sessão telepresencial do colegiado realizada no dia 28/7.
Denúncia
Conforme a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) gaúcho, os empresários realizaram 11 transações conhecidas como “dólar-cabo” entre os anos de 2008 e 2009, evadindo um total de 784.149,00 dólares do Brasil para o exterior.
As transações eram feitas por uma casa de câmbio chamada de Casa Branca, que, apesar de só possuir autorização do Banco Central para realizar troca de moedas com fins de turismo, desenvolvia uma série de operações ilícitas à margem do sistema financeiro nacional.
A investigação é decorrente da Operação Hércules, deflagrada em 2009 pela Polícia Federal para desarticular uma quadrilha de doleiros especializada em operações de câmbio irregulares.
Condenação em primeiro grau
A 7ª Vara Federal de Porto Alegre julgou a denúncia procedente e condenou os réus em sentença publicada em maio de 2018.
Eles recorreram ao Tribunal questionando a tipificação dos crimes imputados pelo MPF. Na apelação, a defesa dos empresários sustentou que houve, no caso, o delito de sonegação fiscal, e não os de evasão de divisas e de falsidade ideológica. Os advogados defenderam a redução do tempo de pena e a substituição da pena carcerária por medidas restritivas de direitos.
O MPF também recorreu para propor o aumento das penas de prisão e de multa.
Voto da relatora
A desembargadora Cristofani negou o recurso da defesa e deu parcial provimento ao recurso do MPF, ampliando o valor da multa a ser paga pelos dois réus para R$ 68.122,50 e R$ 34.061,25.
Em seu voto, a magistrada observou que a Corte já possui entendimento firmado no sentido de que a remessa ao exterior de valores acima de 500 mil dólares por intermédio de mercado paralelo justifica o aumento da pena em razão das consequências elevadas do crime.
Cristofani ainda ressaltou que as provas apresentadas no processo demonstram o dolo e a autoria dos empresários na omissão de receitas e na ocultação das operações junto à casa de câmbio.
Para a desembargadora, o fato de eles possuírem conhecimento do mercado financeiro e familiaridade acerca das normas estipuladas pelo Banco Central justifica a maior censurabilidade da conduta.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO HÉRCULES. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. EVASÃO DE DIVISAS. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. VIOLAÇÃO À CORRELAÇÃO. AFASTAMENTO. INOBSERVÂNCIA DA SÚMULA VINCULANTE N. 24, INAPLICABILIDADE. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DOS DELITOS COMPROVADOS. DOSIMETRIA. DUPLO APENAMENTO PARA UM MESMO CRIME. IMPOSSIBILIDADE. CULPABILIDADE. CONSEQUÊNCIAS EXASPERADAS. AGRAVANTE. ART. 61, INC. II, B, DO CP. CONCURSO MATERIAL QUANTUM DE PENA. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS, INVIABILIDADE.
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O réu, no processo penal, defende-se de fatos e não da capitulação jurídica atribuída na peça acusatória, de tal sorte que não há vinculação obrigatória do Magistrado ao tipificado pelo órgão acusatório.
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A fundamentação utilizada na sentença não incorreu em ofensa à correlação, pois, como se verifica, não revelou tipificação diversa, a ampliar, equivocadamente, as condutas descritas pela acusação.
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Não se tratando de crimes contra a ordem tributária, não há falar em ofensa à Súmula n. 24.
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Comprovada a remessa de valores ao exterior, sem a devida autorização do órgão competente, restam preenchidos os elementos caracterizadores do delito do art. 22, parágrafo único, primeira parte da lei n. 7.492/86.
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O conjunto probatório dos autos evidencia, à exaustão, revela a prática da omissão de receitas e a intenção na ocultação das operações que firmava através da casa de câmbio, caracterizando o delito do art. 299 do Código Penal.
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É de bom alvitre asseverar que o entendimento jurisprudencial é no sentido de que, partindo da pena mínima, as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, inserindo-se no sistema trifásico, têm a função de afastar a pena-base do mínimo legal e não diferenciá-las, a incidir dois apenamentos diversos para um mesmo crime.
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O fato de ter pessoa maior know how e experiência no mercado financeiro, com familiaridade acerca das normas estipuladas pelo BACEN, justificam a maior censurabilidade da conduta.
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É entendimento desta Corte que somente a remessa ao exterior de mais de US$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares) por intermédio do mercado paralelo enseja exasperação da pena base em razão da vetorial consequências do crime.
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As organizações criminosas voltadas para transações internacionais exigem um mínimo de estruturação para dificultar a apuração, por parte das autoridades competentes, seja para enviar, seja para manter cifras consideráveis à margem da fiscalização. Portanto, não verifico razões para exasperar as circunstâncias do delito.
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Considerando o quantum de pena fixado, incabível a substituição por restritiva de direitos, na forma do art. 44, inc. I, do Código Penal.