A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o pedido de absolvição de um réu condenado pela concessão fraudulenta de 233 benefícios previdenciários mediante a inserção de dados falsos no sistema da Previdência Social, crime previsto no art. 313-A do Código Penal (tornou mais grave o que antes era considerado estelionato).
O servidor interpôs apelação contra a sentença da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, alegando que não foi comprovado que ele tinha conhecimento sobre a falsidade dos documentos apresentados para concessão dos benefícios. Pediu, ainda, o cancelamento do agravamento da pena-base e a desclassificação da conduta para o crime de estelionato majorado (quando praticado contra entidade se for praticado contra entidade de direito público ou instituto de economia popular)
O relator da apelação criminal, juiz federal convocado Saulo Casali Bahia, afirmou em seu voto que, ao contrário do que alegou o réu, ficou “devidamente comprovado que o acusado, de forma livre e consciente, com unidade de desígnios, inseriu dados falsos nos sistemas da Previdência Social com o fim de obter vantagem indevida para terceiros”.
Não prospera então, disse o relator convocado, o argumento de que ele desconhecia a falsidade dos documentos. “Os autos dão notícia de que foi o acusado quem atuou para a concessão dos benefícios, desde a fase de pré-habilitação ao despacho concessor, com a inclusão de informações falsas de tempo de serviço, procedendo, de forma irregular, à retirada dos formulários de requerimento de benefícios da agência, e preenchendo-o sem sequer colher a assinatura do beneficiário”, afirmou.
O magistrado considerou que, com base no princípio da especialidade, o tipo penal a ser aplicado “é aquele capitulado no art. 313-A, pois acrescenta elementos especializantes à descrição prevista na norma descrita no art. 171, § 3º, do Código Penal, por isso não há que se falar em desclassificação para estelionato majorado.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO. ART. 313-A DO CP. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO AFASTADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA ESTELIONATO MAJORADO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA AJUSTADA.
1.Devidamente comprovado que o acusado, de forma livre e consciente, com unidade de desígnios, inseriu dados falsos nos sistemas da Previdência Social com o fim de obter vantagem indevida para terceiros, deve ser mantida a condenação pela prática do crime do art. 313-A do CP.
2. Não socorre ao acusado a alegação de erro de tipo, sob o argumento de que desconhecia a falsidade dos documentos que amparou a concessão do benefício previdenciário indevido. Os autos dão notícia de que foi o acusado quem atuou para a concessão dos benefícios, desde a fase de pré-habilitação ao despacho concessor, com a inclusão de informações falsas de tempo de serviço, procedendo, de forma irregular, à retirada dos formulários de requerimento de benefícios da agência, e preenchendo-o sem sequer colher a assinatura do beneficiário. Ademais, o número de benefícios irregulares (233 registros de procedimentos criminais em seu desfavor) não pode ser considerado como fato isolado e aleatório, dando suporte a eventual erro procedimental.
3. O tipo incriminador do art. 313-A do CP adentrou o mundo jurídico por meio da Lei 9.983/2000. A fim de tornar mais grave o que antes era considerado estelionato para o agente autor ou partícipe da fraude de inserção de dados falsos ou alteração ou exclusão de dados verdadeiros nos sistemas da Administração Pública, o legislador não só definiu conduta própria como também endureceu a lei penal neste aspecto.
4. Com base no princípio da especialidade, o tipo penal a ser aplicado é aquele capitulado no art. 313-A, pois acrescenta elementos especializantes à descrição típica prevista na norma descrita no art. 171, § 3º do Código Penal, por isso que não há falar em desclassificação para estelionato majorado.
5. A pena-base, em face da textura aberta dos parâmetros da lei (art. 59 e 68 – CP), não constitui uma operação matemática rigorosa e testável em face de fórmulas preestabelecidas, senão uma avaliação razoável e justificada do magistrado, em face do caso em julgamento, devendo ser reavaliada pelo Tribunal nessa mesma premissa.
6. No exame da culpabilidade, para a fixação da pena-base (art. 59 – CP), deve a sentença aferir o grau de censurabilidade da conduta do agente (maior ou menor reprovabilidade), em razão das suas condições pessoais e da situação de fato em que ocorreu a conduta criminosa.
7. A condição de servidor público é elementar do tipo do art. 313-A do CP, sendo certo que “Não se pode considerar na dosimetria da pena, para efeito de elevar a pena-base, circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, dados ou fatos que já integram a descrição do tipo, sob pena de estar incorrendo em bis in idem”. Precedente.
8. Quanto à personalidade, não existe ilegalidade em sua valoração negativa, considerando a contumácia do agente na prática de delitos, caracterizando sua conduta como “voltada à prática de crimes”, desde que haja prova de condenação transitada em julgado por fato anterior.
9. O fato de o acusado responder a várias ações pelo mesmo delito não constitui elemento idôneo para a exasperação da pena-base, de vez que “feitos em trâmite, (…) não podem ser considerados para se firmar um juízo negativo sobre a personalidade ou a conduta social, pois se não o são para a circunstância que lhes é própria, antecedentes, ainda com mais razão não poderiam ser para as que não são pertinentes ao exame de dada matéria, sob pena de violação ao princípio constitucional da não-culpabilidade.
10. As consequências do delito, interpretadas como o mal causado pelo crime, não transcendem ao resultado típico, sendo possível o agravamento da pena-base com fundamento no prejuízo sofrido pelos cofres públicos, na linha de entendimento do STJ e desta Corte, somente nos casos de vultosas quantias, o que não corresponde à hipótese dos autos.
11. Apelação do acusado parcialmente provida.
A 4ª Turma do TRF1, por unanimidade, seguiu o voto do relator.
Processo: 0043587-43.2010.4.01.3400