A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal (TRF1) da 1ª Região a manteve sentença que negou o pagamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de uma indenização de mais de R$ 32 milhões, pela desapropriação de terras por interesse social, de acordo com avaliação do Perito Oficial. O Colegiado concordou com o valor de R$ 4.657.845,60 reais, determinado pela magistrado sentenciante, apontado como não desproporcional pelo relator, para indenizar a expropriação da Gleba Boa Vista, localizada no município de Paranatinga/MT.
O Incra interpôs apelação contra a sentença e entre os argumentos, alegou que o instituto deveria promover a regularização fundiária de área que supostamente não estaria abrangida pelo decreto de expropriação, de titularidade de terceiros.
Da mesma forma, o expropriado apelou, e entre as alegações defendeu que o valor da indenização deveria ser fixado conforme apurado no laudo pericial, no valor de R$ 32.651.085,24, e que os honorários deveriam ser fixados em 5% sobre o valor das diferenças devidas.
Ao julgar as apelações, o relator, juiz federal convocado Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, afirmou em seu voto que a ação de desapropriação foi protocolada em 26/08/1997, acompanhada de laudo pericial elaborado administrativamente pelo Incra, que avaliou o imóvel em R$ 2.132.752,00 – R$ 2.110.776,00 para a terra nua, onde o hectare sairia por R$ 160,35/ha, além de R$ 21.976,00 para as benfeitorias.
O juiz federal destacou que, ao analisar o laudo pericial apresentado pelos expropriados, foi possível verificar que a apuração de preços foi feita com base em sete fontes de dados, porém, destes, cinco foram excluídos para cálculo da média, restando apenas duas fontes de informações, consideradas de maior valor. “Apurou-se o valor por hectare de R$ 2.314,75. Chama a atenção ainda que foram colhidas apenas ofertas, não dados concretos a respeito de transações”, observou.
O magistrado ainda ressaltou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está consolidada no sentido de que, para uma justa indenização, deve ser considerada a avaliação na data da perícia oficial, por se mostrar mais consentânea com o valor de mercado do imóvel. Entretanto, admite exceções, quando resultar em exacerbação indevida do valor da indenização e o valor da indenização possa acarretar enriquecimento sem causa do proprietário expropriado.
“Não houve indicação concreta de vícios no laudo elaborado administrativamente pelo Incra. Destaca-se que o juízo determinou a atualização do valor proposto pela autarquia, para a mesma data do laudo judicial, sendo apontado o total de R$ 4.657.845,60, que não se revela desproporcional”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. ORDEM DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. SENTENÇA EXTRA PETITA. FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À REJEIÇÃO DO LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE. LAUDO PERICIAL. APURAÇÃO APENAS DE OFERTAS. SUPERESTIMAÇÃO DO VALOR DO IMÓVEL.
1. Trata-se de recursos de apelação em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso (fls. 1865-1873), que, em sede de ação de desapropriação por interesse social proposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA em face de DANIEL DE JESUS GONÇALVES e DENAZIR SEGATO GONÇALVES, condenando o expropriante ao pagamento de indenização equivalente a R$ 2.238.566,60 (dois milhões e duzentos e trinta e oito mil e quinhentos e sessenta e seis reais e sessenta centavos).
2. O expropriante requer que o valor da indenização seja fixado conforme apurado no laudo pericial oficial, no equivalente a R$ 32.651.085,24 (R$ 2.314,75/ha).
3. O laudo oficial pelas seguintes razões: estaria desacompanhado dos elementos comprobatórios acerca dos paradigmas utilizados; baseou-se apenas em ofertas de imóveis; limitou a apuração do valor a dois elementos de pesquisa, do total de sete informados, mantendo apenas aqueles com maior valor; promoveu a avaliação separada de terra nua e cobertura florestal, sem autorização legal; valores excessivos apontados para a terra nua e benfeitorias. O julgado está devidamente fundamentado, sendo que a discussão quanto ao acerto ou não dos fundamentos utilizados é matéria atinente ao mérito recursal.
4. A jurisprudência do TRF1, de longa data, tem prestigiado a imparcialidade que, de regra, norteia o trabalho do perito da confiança do juízo. Sem nenhum interesse (subjetivo) na lide, atua o profissional de forma equidistante dos interesses subjetivos imediatos das partes em conflito. Precedente desta Turma: ACR 0027417-43.1999.4.01.3800, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 – QUARTA TURMA, e-DJF1 16/03/2020 PAG.
5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que, para uma justa indenização, deve ser considerada a avaliação na data da perícia oficial, por se mostrar mais consentânea com o valor de mercado do imóvel. Entretanto, para esta regra geral, admite-se exceções. O Superior Tribunal de Justiça admite que outro marco pode ser considerado para aferição do valor da indenização, quando resultar em exacerbação indevida do valor da indenização: “Excepcionalmente, porém, a jurisprudência do STJ tem admitido a mitigação dessa diretriz avaliatória quando, em virtude do longo período de tempo havido entre a imissão na posse e a data da realização da perícia ou da exacerbada valorização do imóvel, o valor da indenização possa acarretar o enriquecimento sem causa do proprietário expropriado” (AgInt no REsp 1424340/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 02/03/2021).
6. Com efeito, as circunstâncias dos autos permitem concluir que a fixação do valor do bem, na data da perícia, não seria o critério adequado para se estabelecer a indenização. A perícia oficial foi elaborada mais de treze anos após o ajuizamento da ação. “Pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que o valor da indenização deve ser contemporâneo à avaliação do imóvel, tendo como parâmetro o laudo adotado pelo juiz para a fixação do justo preço, sendo irrelevante a data da imissão na posse ou mesmo da avaliação administrativa, exceto nos casos em que há longo período de tramitação do processo e/ou valorização exagerada do bem, de forma a acarretar um evidente desequilíbrio no pagamento do que realmente é devido”. (REsp 1670868/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 11/12/2020).
7. Analisando-se o laudo pericial de fls. 1567-1628, verifica-se que, de fato, houve a apuração de preços com base em sete fontes de dados; porém, destes, cinco foram excluídos para cálculo da média, restando apenas duas fontes de informações. Apurou-se o valor por hectare de R$2.314,75. Chama a atenção ainda que foram colhidas apenas ofertas, não dados concretos a respeito de transações. Igualmente, estas não restaram devidamente documentadas nos autos. Apenas ofertas foram utilizados como parâmetros, sem correlação com qualquer outro elemento.
8. Como exposto pelo juízo sentenciante: “Trata-se de um clássico exemplo de superavaliação de imóvel rural em vias de desapropriação, pois a escandalosa cifra de R$ 32.651.085,24 (trinta e dois milhões e seiscentos e cinquenta e um mil e oitenta e cinco reais e vinte e quatro centavos) constante da primeira peça técnica retro citada não tem precedentes em feitos expropriatórios neste Estado, caracterizando-se muito mais como prêmio da mega-sena do que uma indenização àquele que fora desapropriado”.
9. No mais, não houve indicação concreta de vícios no laudo elaborado administrativamente pelo INCRA. Destaca-se que o juízo determinou a atualização do valor proposto pela autarquia, para a mesma data do laudo judicial, sendo apontado o total de R$ 4.657.845,60 (fls. 1855), que não se revela desproporcional.
10. “Inexistindo prova da efetiva exploração econômica da cobertura florestal, aprovada por plano de manejo do órgão competente na data da expropriação, ainda que fosse viável, não é cabível a indenização em separado, devendo as matas naturais ser indenizadas juntamente com o valor de mercado da terra, como acessões do principal” (Lei 8.629/93 – art. 12). (…) (AC 0012259-61.2012.4.01.4100, DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TRF1 – QUARTA TURMA, e-DJF1 06/02/2020 PAG.)
11. O STF apreciou o mérito da ADIn n.º2.332/DF, fixando a tese de que “É constitucional o percentual de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para a remuneração pela imissão provisória na posse de bem objeto de desapropriação”. Neste mesmo julgamento, o STF considerou que os juros compensatórios não são devidos quando o imóvel tenha “graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero” ou quando não for comprovada perda de renda.
12. Conforme laudo administrativo, não havia qualquer produção agrícola ou efetivo pecuário no momento da vistoria, razão pela qual depreende-se que o imóvel não era explorado. Consequente, não houve perda de renda. Não houve produção de provas em sentido contrário. Assim, sem comprovação de perda de renda, os juros compensatórios não são devidos.
13. A situação dominial do imóvel já foi objeto de apreciação por este Tribunal, em agravo de instrumento interposto em face de decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que não deferiu o levantamento de 80% da oferta inicial da autarquia (art. 6º, §1º, da Lei Complementar n. 76/1993). Assim, considerando que já houve pronunciamento anterior a respeito da existência de litígio dominial sobre o imóvel, o comando anterior, exarado em sede de agravo de instrumento, deve ser mantido, condicionando-se o pagamento do valor da indenização à resolução definitiva dos conflitos sobre o bem.
14. Após a sentença, adveio a Lei n. 13.465/2017, que acrescentou à Lei n. 8.629/1993 o §8º ao artigo 5º: “Na hipótese de decisão judicial transitada em julgado fixar a indenização da terra nua ou das benfeitorias indenizáveis em valor superior ao ofertado pelo expropriante, corrigido monetariamente, a diferença será paga na forma do art. 100 da Constituição Federal”. Assim, com o advento da norma, eventuais diferenças em relação à oferta inicial observará o regime de precatório ou requisição de pequeno valor, na forma do art. 100 da Constituição, sendo que o pagamento por TDA – Títulos da Dívida Agrária ficam restritos à indenização pela terra nua, no momento da oferta inicial. Prejudicados os pedidos relacionados aos critérios de atualização e remuneração das TDAs.
15. No caso, não é cabível a dispensa de pagamento de honorários, como pretende o INCRA, pois há diferenças as serem pagas ao expropriante, ainda que por divergência na medição da área do imóvel expropriado. Merece provimento a apelação do expropriado, neste ponto. Considerando o montante da diferença devida e o longo período de tramitação processual, é razoável o arbitramento dos honorários em 5% sobre a diferença a ser paga aos expropriados.
16. Provimento parcial a apelação do INCRA, para exclusão, do dispositivo da sentença, do comando de regularização fundiária de área de propriedade de terceiros e para condicionar o pagamento da indenização à comprovação da resolução dos conflitos dominiais sobre o imóvel expropriado; Provimento parcial da apelação dos expropriados, para majorar os honorários de sucumbência para 5% (cinco por cento), incidentes sobre as diferença entre a oferta inicial e o valor da indenização fixado na sentença.
Processo 0004441-31.1997.4.01.3600