A 2a Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal aceitou recurso de uma usuária do Instagram e condenou, por unanimidade, o Facebook Serviços Online do Brasil ao pagamento de lucros cessantes e danos morais, por ter desativado a conta da autora, sem comprovar justificativa.
A autora narra que sua conta no Instagram foi desativada entre janeiro e maio de 2021 e, à época, somava cerca de 165 mil seguidores. Diz que suas postagens possuíam conteúdo inofensivo, dirigido para divulgação de cuidados com os pés e produtos correlatos, incapazes de ferir as normas de uso da plataforma. Declara auferir renda por meio do perfil e que a desativação de sua conta não apresentou justa causa ou ofereceu parecer técnico que possibilitasse sua defesa.
A empresa ré defende o exercício regular de direito para excluir contas que atentem contra as regras de utilização da plataforma. Sustenta que a exclusão do perfil ocorreu em decorrência da publicação de conteúdo sexualmente sugestivo ou de solicitação sexual.
Na decisão, a relatora registrou que não há qualquer comprovação no processo de que houve violação a qualquer uma das referidas cláusulas. Além disso, a magistrada destacou que, seja nos Termos de Uso ou nas Diretrizes da Comunidade, não há possibilidade de exclusão da conta de forma imotivada. A julgadora ressaltou que a autora juntou documentos que indicam o conteúdo publicado, dos quais se identifica que a quase totalidade das postagens são fotos dos pés da própria recorrente, sem indicar ou sugerir qualquer conotação sexual.
Assim, o colegiado concluiu que faltam elementos capazes de indicar a suposta violação aos termos e política de uso da plataforma, haja vista que, após ser interpelada pela autora, a ré não ofereceu justifica razoável para a exclusão. Os magistrados também reforçaram entendimento adotado pela 3a Turma Recursal, com base no Marco Civil da Internet, de que o provedor deve indicar com precisão a violação praticada para justificar a exclusão/suspensão da plataforma, sob pena de o ato configurar abuso de direito.
Com base nos comprovantes dos valores recebidos pela autora nos meses antecedentes à exclusão da conta, a Turma fixou que a ré deve restituir à autora a quantia de R$ 9.166,67, a título de lucros cessantes, referente ao período em que a conta ficou indisponível. Na visão do colegiado, a suspensão/exclusão não justificada de página, sem a devida comprovação de violação dos termos, implica em mácula na reputação da usuária ao induzir os seguidores a acreditarem que o material veiculado era impróprio. Diante disso, foram fixados danos morais no valor de R$ 3 mil.
O recurso ficou assim ementado:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. SUSPENSÃO DE CONTA NA PLATAFORMA INSTAGRAM. REATIVAÇÃO VOLUNTÁRIA APÓS A SENTENÇA. PERDA PARCIAL DO INTERESSE RECURSAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. VIOLAÇÃO AOS TERMOS DE USO NÃO CONFIGURADA. ABUSO DE DIREITO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PROVIDO.
1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, sob o fundamento da desproporcionalidade da intervenção judicial na liberdade de contratar das partes. Reclama a recorrente a exclusão injustificada de sua conta no aplicativo Instagram, que somava cerca de 165 mil seguidores. Afirma que suas postagens possuem conteúdo inofensivo, dirigido para divulgação de cuidados com os pés e produtos correlatos, incapaz de ferir as normas de uso. Defende auferir renda por meio do perfil e que a desativação não apresentou justa causa ou ofereceu parecer técnico que possibilitasse sua defesa. Requer a reativação da conta e a condenação da plataforma ao pagamento de lucros cessantes no importe de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por mês de desativação, além de danos morais no importe de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil).
2. Recurso próprio e tempestivo (ID 26308505). Presentes os requisitos legais (ID 86554066), concedo os benefícios da gratuidade de justiça à recorrente.
3. Em consulta à página da recorrente no Instagram, verifica-se que houve a reativação voluntária por parte do recorrido, uma vez que desde o dia 14/05/2021 foram realizadas dezenas de postagens. Importante ressaltar que a sentença de improcedência do pedido foi proferida em 28/04/2021, o que reforça o caráter voluntário da reativação. Portanto, houve perda superveniente do interesse recursal no que se refere ao pedido cominatório, de modo que, neste ponto, o recurso não deve ser conhecido. Remanesce, não obstante, o interesse no que se refere aos danos materiais e morais pleiteados. Preliminar de perda parcial do interesse recursal suscitada de ofício e acolhida.
4. A parte autora juntou documentos que indicam o conteúdo da página sobre pés (ID 26308480, 26308479). Verifica-se que quase a totalidade das postagens são fotos dos pés da própria recorrente, sem indicar ou sugerir qualquer conotação sexual. Além disso, a recorrente demonstrou que vinha sofrendo ameaças de ter a conta denunciada (ID 26308482). Destaco que tais ameaças, ao que parece, partiram de perfis falsos ou criados com intuito duvidoso, uma vez que seus titulares não seguem ninguém, não possuem seguidores e não realizam postagens. Faltam, portanto, elementos que indiquem a alegada violação aos termos e política de uso da plataforma Instagram, já que após ser interpelada pela parte autora, a empresa provedora não ofereceu justifica razoável para a exclusão. Nesse contexto, por se tratar de demanda referente ao provedor, que possui acesso irrestrito aos dados dos usuários e das contas, tenho que a parte ré deixou de comprovar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito da parte autora (art. 373, II, CPC).
5. É arbitrária a desativação da conta de usuário da plataforma Instagram quando não precedida de informações claras sobre os motivos que levaram ao encerramento, pois a conduta viola o contraditório e a ampla defesa, além da liberdade de comunicação e expressão (Acórdão 1196756, 07367704920188070001, Relator: CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 28/8/2019, publicado no DJE: 2/9/2019). No caso dos autos, a parte autora demonstrou ter tentado reativar a conta (ID 86554069) por comunicação oficial via e-mail e pelo sítio eletrônico Reclame Aqui, sem sucesso em todas as tentativas.
6. A 3ª Turma Recursal já entendeu que o Marco Civil da Internet (art. 3º) assegura aos usuários o direito à transparência das políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicativos (art. 7º, XI e XII, da Lei nº 12.965/2014). Na oportunidade, prevaleceu o entendimento de que o provedor deve indicar com precisão a violação praticada para justificar a exclusão/suspensão da plataforma, sob pena de o ato configurar abuso de direito. Precedentes: Acórdão 1294259, 07199313020208070016, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 27/10/2020, publicado no DJE: 6/11/2020; Acórdão 1056716, 07118518220178070016, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 24/10/2017, publicado no DJE: 3/11/2017.
7. O aplicativo Instagram possui uma aba denominada “loja”, na qual os internautas podem pesquisar marcas, objetos, e comprar dentro do próprio aplicativo, conforme descrito no sítio eletrônico https://business.instagram.com/?locale=pt_BR (acesso em 28/06/2021). Atua, portanto, como fomentador do público e da atividade econômica dentro de suas plataformas, com a promoção, compra e venda de produtos e conteúdos, além de oferecimento de vasta gama de serviços e ferramentas às empresas e anunciantes.
8. Assim, a suspensão imotivada da página da autora @thatafeet, com público atual de quase 195.000 seguidores, trouxe prejuízos financeiros que devem ser reparados a título de lucros cessantes, notadamente porque restou incontroverso nos autos a utilização profissional da página e aferição de renda por meio de parcerias (ID 26308480 e 26308481).
9. A documentação acostada pela parte autora no ID 86554072 aponta o recebimento de R$ 2.907,45 (dois mil novecentos e sete reais e quarenta e cinco centavos) no mês de novembro de 2020 (25/11/20 – R$ 886,79, 18/11/20 – R$ 1.162,57 e 04/11/20 – R$ 858,09), R$ 3.627,41 (três mil seiscentos e vinte e sete reais e quarenta e um centavos) no mês de dezembro de 2020 (08/12/20 – R$ 985,86, 18/12/2020 – R$1.292,69 e 24/12/2020 – R$ 1.348,86), além de R$635,02 (seiscentos e trinta e cinco reais e dois centavos) em 04/01/2021, dias antes da exclusão da página. Na petição inicial, a parte autora requer a média de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos) reais por mês a título de lucros cessantes, valor que não foi especificamente impugnado no item III.G da contestação ID 88022123. Assim, diante da comprovação do fato constitutivo da autora e da razoabilidade da quantia pleiteada, impositiva a condenação do Facebook ao pagamento de R$ 9.166,67 (nove mil cento e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos) a título de lucros cessantes, corresponde ao período compreendido entre 24/01/2021 e 14/05/2021, lapso em que a conta ficou indisponível.
10. Quanto ao pedido de condenação em danos morais, a suspensão/exclusão não justificada de página do Instagram, sem a devida comprovação de violação dos termos e condições de uso, implica em mácula na reputação da autora ao induzir os seguidores a acreditarem que o material veiculado era impróprio. Além disso, restou incontroverso nos autos que a autora utilizava a página como única fonte de renda, de modo que a supressão ilegítima de sua fonte de subsistência causa inequívoca ofensa à sua dignidade.
11. Configurada a afronta aos direitos da personalidade, capaz de gerar ofensa ao patrimônio imaterial da parte recorrente e apta a justificar a reparação pecuniária, fixo indenização no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais) para compensação dos danos morais sofridos, valor razoável e proporcional à situação econômica das partes.
12. Recurso CONHECIDO EM PARTE e, na parte conhecida, PROVIDO. Preliminar de perda parcial do interesse recursal suscitada de ofício e acolhida. Sentença reformada para condenar a parte ré ao pagamento de R$ 9.166,67 (nove mil cento e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos) a título de lucros cessantes e R$ 3.000,00 (três mil reais) por danos morais.
13. Sem honorários advocatícios diante da ausência de recorrente vencido.
Acesse o PJe2 e confira a íntegra do processo: 0714547-52.2021.8.07.0016